sexta-feira, 12 de abril de 2024

Ecos Culturais | Inspiração do Sul Global (Sri Lanka) (1/2)

Nos dois próximos posts, quero compartilhar com vocês, leitores e amigos, o conhecimento, a diversidade e a expertise de algumas pessoas que fizeram/fazem parte da minha vida pessoal e profissional. Por tudo isso, sinto-me privilegiada e grata. 

Bem, a tecnologia e as redes sociais (muitas vezes, antissociais) permitem que entremos em contato com fatos distantes do nosso universo cotidiano, sobre os quais só teríamos conhecimento, se tanto, depois de certo tempo. Hoje, tudo é instantâneo, imediato. Como previu o canadense Marshall McLuhan (1911-1980), o mundo, finalmente, transformou-se numa imensa aldeia global, quebrando fronteiras de todos os tipos. Nada fica escondido, tudo se sabe, tudo se vê, tudo se conhece. Foi assim que tive uma grata surpresa ao conhecer o trabalho da Dra. Asha de Vos (1979), reconhecida bióloga marinha e pesquisadora, natural do antigo Ceilão, hoje Sri Lanka, nação insular ao sul da Índia. 

Turma ARC Course, 1982. Iccrom, Roma

Conheci o pai de Asha, o arquiteto Ashley de Vos, em 1982, no curso de especialização que fizemos em Roma, Architectural Conservation (na foto, Ashley está agachado, de camisa branca e barba). Dentro do grupo maior, tínhamos um grupinho seleto que partilhava souvenirs, cafés, lanches, discussões teóricas e exemplos próximos já que, para ser aceito no curso, era necessário estar envolvido com órgãos públicos de patrimônio há pelo menos cinco anos. Cada um representava seu país: Brasil (euzinha), Sri Lanka (Ashley de Vos, presença conciliadora e gentil), Canadá (John Stewart, hoje professor no mundo todo e autor reconhecido na área), Turquia (Ismet Mocan), Índia (Nalini Thakur, professora universitária), Japão (Masaharu Nakamura, falecido), China (Chen Hua, arquiteto do IPHAN de lá), Tailândia (Vira Rojpojchanarat, ex-Ministro de Cultura da Tailândia) e Portugal (Paulo Gouveia, arquiteto e professor). Às vezes, as atuantes arquitetas do Equador (Inês del Pino) e da Nicarágua (Amélia Barahona) também participavam das conversas. Conviver com todos eles era de uma riqueza ímpar. O italiano era a língua que falávamos (nem todos) no dia a dia - na cidade, nos cafés, no comércio, mas o inglês, com os mais diversos sotaques, era a língua principal daquela troca.  

Na época, início dos anos 1980, não havia celular, internet ou WhatsApp. As pesquisas eram feitas em livros, relatórios de instituições especializadas e dossiês de organizações oficiais, e depois do curso, alguns ainda se comunicaram por carta ou cartão postal. Porém, com o tempo, perdemos contato com muitos deles. Boa fisionomista que sou, ainda hoje, olhando as fotos P&B já meio pálidas, eu  me lembro do nome de quase todos: Richard 1 e Richard 2, John 2, Andreas, Cathleen, Martin, Slavica, Eleonora, Anda, Janet etc.

Faculdade de Arquitetura de Moratuwa, Colombo.
O tempo passou e as cartas diminuíram. Vários anos depois, já conectada com o mundo, reencontrei dois dele, ou melhor, eles me reencontraram: John Stewart, hoje cidadão britânico e pesquisador de primeira linha, e Jeanne M.Teutonico, norte-americana que morou e trabalhou no Iccrom em Roma e na Fundação Getty em Los Angeles. Sempre ativa, Jeanne queria promover um encontro da turma de 1982, para celebrar os 40 anos do nosso curso. Embora a reunião não tenha acontecido, acabamos retomando contato com alguns poucos colegas, como Ashley De Vos. 

Hoje, professor universitário na Faculdade de Moratuwa, em Colombo, capital do Sri Lanka, Ashley ainda mantém seu escritório de projetos ligado ao patrimônio histórico. Recebeu inúmeros prêmios nacionais, internacionais e honrarias na área de Patrimônio em 1980 e 1982; o Vidya Jyoyhi| Light of Science (Luz da Ciência) (1994), o Prêmio Internacional JK | Arquiteto do Sul da Ásia (1996, 1998 e 2004); Desamanya  Pride of the Nation (Orgulho da Nação) (2006); Prêmio de Projeto e Prática de Vida (Design Awards and a Lifetime Achievement Award), por sete vezes, do Instituto de Arquitetos do Sri Lanka (2009);  Prêmio JATHIKA URUMA PRASADA PRANAMA | Protector of National Heritage (Protetor do Patrimônio Histórico de Sri Lanka (2015) e, recentemente, a Medalha de Ouro em Preservação do ICOMOS (2022).

Uma situação rara retrata a doçura e a sensibilidade desse arquiteto. Ao receber a Medalha de Ouro do Icomos, em 2022, pelo trabalho de uma vida em defesa do patrimônio histórico de seu país, ele agradeceu, fez um breve discurso falando de conhecimento, trabalho e companheirismo. Então, de forma inesperada,  retirou a medalha do peito e a colocou na esposa Fatma, dizendo que ela, sim, era a verdadeira merecedora daquela honraria. Um lindo exemplo de humildade e grandeza de alma. Que privilégio ter compartilhado aquele tempo com uma pessoa desse naipe!

(Continua no próximo post)

Referências

https://www.stcmloba.com/newsroom/news/Old-Thomian-Ashley-de-Vos-Wins-Prestigious-Gold-Medal.dz
https://kathika.lk/2016/02/29/urban-planning-the-future-special-reference-to-sri-lanka-by-ashley-de-vos-part-2/
Urban Planning: the future – special reference to Sri Lanka by Ashley de Vos – Part 3 -
https://www.youtube.com/watch?v=n1QHmWGaT2Q
https://kathika.lk/2014/10/29/part-two-public-discussion-the-urban-landscape-should-we-ape-the-west-by-ashley-de-vos/
https://www.academia.edu/102274551/The_future_of_heritage_conservation_in_Sri_Lanka https://www.jstor.org/stable/45219027