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Imagem:boaaula.com.br |
Ensinar e aprender são duas
faces da mesma moeda, mas que se misturam. Pode-se estar, simultaneamente, dos dois
lados, embora muitos duvidem. Sou prova disso. Ainda cursava o Colegial -Científico- (hoje Ensino Médio)
no Colégio Estadual Dr. Otávio Mendes - Cedom, na época uma das três melhores
escolas públicas de São Paulo, quando comecei a trabalhar, aos 16 anos. Trabalhava no Jornal Investimento (editado pela Gazeta Mercantil) no centro histórico de São Paulo,
como secretária do editor, jornalista L.F.R. Até hoje me
lembro do edifício que abrigava o jornal: Rua São Bento, 370, perto daquele edifício idealizado pelo imigrante italiano Giuseppe Martinelli, o Edifício
Martinelli, cuja arquitetura e volume de massa cor-de-rosa já me atraíam, mesmo antes de entrar para a faculdade. Tanto é que, assim que foi lançado, comprei o livro de Maria Cecília Naclério Homem sobre a história deste prédio que, durante anos, foi o mais alto de São Paulo: “O Prédio Martinelli - A ascensão do imigrante e a verticalização de São Paulo”,
Foi lá que comecei a
enveredar pela escrita. Embora sempre tenha gostado de escrever, até então, só
escrevia para mim mesma, para me entender, para perceber de fora como enxergava determinadas questões. Escrever, aliás, é um ótimo recurso de autoconhecimento. Recomendo vivamente. Mas, voltando. Além do serviço
rotineiro de secretária, organizava uma coluna mensal sobre fundos de investimentos: tipos de aplicações, rentabilidade, valorização, etc. Nada muito difícil, apenas o relato de matemática pura e de alguns
cálculos comparativos. Mas ali comecei a gostar mais ainda das palavras.
Final de 1970
Terminei o Ensino Médio e
prestei o vestibular do Cescea para Arquitetura. É bom esclarecer que, naquela
época, o vestibular (para a USP, sobretudo) era dividido em três grandes áreas: Cescem (para os
interessados na área médica), Cescea (área de humanas e Arquitetura) e Mapofei
(ciências exatas). Fiz o vestibular, passei na peneira da primeira etapa (28
candidatos por vaga), mas empaquei na segunda etapa - a temida prova
de Linguagem Arquitetônica. De 200 candidatos, 150 entraram e eu não estava entre
eles. Depois de chorar, chorar e me lamentar um pouco, bola pra frente, resolvi cursar um pré-vestibular
a partir de agosto daquele ano e continuei trabalhando.
Julho de 1971
Festa de despedida do
trabalho. O pessoal do jornal me deu a maior força, fez uma festa de despedida e me presenteou com inúmeros materiais de
desenho, vários tipos de papel, régua T, compassos, canetas hidrográficas, lapiseiras,
borracha, esquadros, enfim, tudo da melhor qualidade para que eu pudesse me
preparar, ou como se já estivesse na faculdade. Tudo vindo de famosa loja, MICHELANGELO, da
Rua Líbero Badaró, perto do Largo São Francisco. Sempre me lembro com carinho daquela turma, meu primeiro
contato no mundo profissional: Sr. Luiz Fernando, sr. Humberto, sr. Valter,
Neusa, Valdomiro...
Agosto
1971
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Antigo Colégio Des Oiseaux. Foto: Denis Morais |
Novo no mercado, com turmas
menores e ótimos professores, o cursinho Equipe Vestibulares ocupava um imponente (e também meio decadente) edifício na rua Caio Prado, o antigo Colégio
Des Oiseaux, mais tarde demolido. Conheci boa parte do meu grupo da FAU naquele cursinho. Nas salas do Equipe, também conheci um garoto louro e descolado, surfista, que viria a se tornar uma referência no design de cadeiras. Eram
poucos, mas bons alunos.
Prestei dois vestibulares, o do Mackenzie e o da FAU. Passei na primeira etapa da FAU e me preparava para a segunda e temida etapa, que era feita nos estúdios do prédio novo da faculdade, projetado por J.B. Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi em 1961, na Cidade Universitária. Só o fato de entrar ali, como pretendente a aluno, era de dar arrepios. Não tinha dúvidas, era ali que eu iria estudar.
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Primeiro Vestibular para a FAU, 1969. Foto: FAU-USP. |
Como era de se esperar, o resultado da Universidade Mackenzie, particular, saiu antes. Meu nome estava lá; fui fazer a matrícula por insistência dos meus antigos chefes no jornal, que haviam me prometido um emprego de meio período para me ajudar na mensalidade. Na hora 'H', porém, na hora da matrícula, acabei desistindo. Algo me soprou no ouvido que eu entraria na FAU. Muitos não entenderam, me chamaram de presunçosa, estúpida, tola etc., mas eu sabia que havia tomado a decisão certa. Sabia que seria muito difícil estudar em uma universidade particular, então torci e esperei pelo resultado da FAU. A espera era longa.
Depois do vestibular, estava
com minha família curtindo um final de semana de praia em Itanhaém, litoral sul de São Paulo. No dia marcado para o
resultado (não havia internet àquela época), andamos por uns 40 minutos para ir comprar o jornal, na banca
mais próxima. Alegria pura. Dessa vez, havia entrado e lá fui eu
cursar Arquitetura, em período integral.
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Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-USP. Foto:imagens.ups.br |
Mas quem sempre foi ativa e trabalhava, desde os 16 anos,
não fica parada por muito tempo. Logo no segundo ano, fui buscar uma atividade
profissional e comecei a dar aulas de inglês à noite. Fui das primeiras
professoras do CCAA, quando o grupo se instalou em São Paulo, em meados da
década de 1970.
Agosto 1973
Foi uma experiência linda,
lembro-me dos primeiros alunos, todos da minha idade ou um pouco mais velhos. Hoje, em sua maioria, renomados profissionais de várias áreas. Tenho boas recordações daqueles
momentos. Mesmo
fora das aulas, a convivência era saudável e alegre. Batíamos papo, saíamos para tomar
café, comer pastéis, para estudar fora da sala, ali nas imediações das ruas Teodoro Sampaio e Cunha Gago, em Pinheiros. Nas aulas, procurava trabalhar com seriedade, dinamismo e criatividade, mas sobretudo, procurava ser verdadeira e coerente. Entusiasmada por natureza, eu me colocava
inteira naquelas aulas. À
época, ingenuamente eu acreditava que apenas
ensinava inglês; aos poucos, fui percebendo que também aprendia, o tempo todo, e muito. Aprendi
a me relacionar, a ouvir, a orientar, a ser contrariada, a ser elogiada e me dei conta da responsabilidade de ensinar e de servir de exemplo.
Novas turmas, novos alunos,
uns mais marcantes que outros, mas todos contribuíram para meu aprendizado da
língua e da vida. Sentia que ensinar inglês não se resumia à gramática, à conversação, à
pratica de leitura e da escrita. Havia um
significado maior que simplesmente, repassar técnicas, dicas e vocabulário. Além da matéria específica das aulas, discutíamos, trocávamos ideias, nos enriquecíamos e aprendíamos
uns com os outros. Sentia-me feliz dando aulas.... Ali havia um pacto silencioso,
uma troca, para transformar pessoas em seres mais conscientes, capazes de dar
um rumo a suas vidas, capazes de colaborar para um mundo melhor, quaisquer que
fossem as áreas de atuação.
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Imagem:aprenderensinar.blogspot.com.br |
Além disso, ensinar a
língua me trouxe fluência e um contato mais efetivo com o idioma. Antes dessas
aulas, havia falhado em um exame para obter o certificado de proficiência da
língua. Fiquei frustrada, confesso, pois tinha certeza de que sabia bem a
língua, só que não havia desenvolvido todas as habilidades – era ótima na
leitura e na escrita, mas me faltava domínio da conversação e entendimento do
que ouvia. Prestei novamente o exame, após seis meses dando aulas de inglês e – voilà! As ideias, as frases, as palavras
escorriam da mente direto para minhas mãos como se fossem líquidas....e, para
minha alegria, o tema era Arquitetura. Juntei duas paixões: escrevi sobre Oscar
Niemeyer. Não havia percebido, até então, o quanto tinha aprendido com aquelas
aulas.
Lembro-me das avaliações finais de cada curso, de minha fama de professora exigente e da alegria renovada que
sentia quando os alunos demonstravam querer continuar comigo; lembro-me das
despedidas, dos jantares, dos cafés, dos abraços, dos olhares ternos, agradecidos e
cúmplices. Eles haviam vencido mais uma etapa e eu também. Agradeço sempre a cada um dos meus alunos, os de antes e os de agora.
Anos depois, ainda dando aulas de inglês, mas também trabalhando como arquiteta, lembro-me de
encontros em praias, em outras cidades ou países, em consultórios, cinemas, aeroportos ou no mundo virtual. Todos nós, havíamos aprendido e ensinado,
porque havíamos tocado os corações uns dos outros. Somos todos alunos e
mestres da Vida. Que saibamos aproveitar nosso tempo aqui para crescer em
humanidade, coerência, sabedoria e alegria.