quarta-feira, 24 de julho de 2019

Ecos Urbanos | O mal das cidades


Cidades são criações humanas. Ao longo da história, os indivíduos foram se agrupando, erguendo vilarejos e núcleos urbanos com o fito de se protegerem e se ajudarem mutuamente. O propósito inicial era bom, benéfico para todos. Quando todos vivem bem, moram bem, são respeitados, têm bons equipamentos, bons serviços, espaços públicos e áreas verdes, com certeza, a tendência é qualidade de vida para todo e qualquer cidadão. Dessa forma, atinge-se aquele objetivo inicial buscado na pólis grega: favorecer o bem comum e o desenvolvimento do cidadão.
 
Hoje, no entanto, não é o que se vê. O tempo foi passando, as cidades foram crescendo e se espalhando sem planejamento, destruindo o meio ambiente, a especulação imobiliária foi se avolumando, os interesses pessoais e a ganância foram aumentando e, no sentido inverso, o interesse pelo bem-estar das comunidades foi esquecido. Hoje, cidades são representadas por prédios de grife, ruas estreladas, carros de última geração, centros de compra luxuosos, bairros fechados e segregados. Os cidadãos, os moradores, aqueles que, de fato, promovem a vida urbana foram esquecidos. Ora, mas quem faz as cidades são exatamente os moradores. É o conjunto da população, de todas as classes sociais, de todos os matizes e de todas as cores. O morador, seja ele qual for, não deveria morar bem? Não deveria ter direito a uma cidade segura, agradável, vibrante, acolhedora, com parques bem cuidados e rica em cultura e bons serviços?

São Paulo. Imagem: Wikipedia.
O mal das cidades é que elas perderam de vista seu conceito inicial, aquele da polis grega, de conceder a todo ser humano um local para seu desenvolvimento pleno, e cederam à especulação, à segregação e ao espraiamento. Deixaram de ser cidades, na origem do termo. Em sua maioria, são aglomerações mal definidas, cada qual defendendo seu território e seus interesses. E, como todos sabem, quem pode mais...

A propósito, li excelente artigo do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos sobre o espraiamento das cidades brasileiras e suas consequências, por sinal, óbvias para quem quiser ver. Basta pensar nas dimensões, no nível de adensamento e na qualidade de vida das cidades europeias que tanto admiramos. A leitura do artigo O ônus do crescimento urbano por espraiamento geográfico deveria ser obrigatória para todos: políticos, empreendedores, agentes públicos e privados, arquitetos, urbanistas, planejadores, economistas, empresários e cidadãos. 
O grande problema é que, na grande maioria das vezes,uma vontade política fraca cede aos fortíssimos interesses pessoais e de grupos. Sinceramente, não sei se haverá vencedores nessa guerra... Por enquanto, somos todos perdedores.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Ecos Humanos | Reconhecimento em vida

Adélia Portes. Foto: Anita Di Marco, 2018
 Rio Verde. Adélia Portes, óleo sobre tela. 1995.
É com grande alegria que comunico, aos amigos, que o nome da artista plástica Adélia Portes (Di Marco) virou verbete da Enciclopédia Itaú Cultural. Depois da análise do currículo, obras e documentos referentes ao trabalho da artista, seu nome foi incluído em uma das mais conceituadas enciclopédias virtuais de hoje. Para nós, filhos, familiares e amigos, além de imenso orgulho, é uma satisfação única ver esse reconhecimento em vida. Ao escrever este texto, porém, não quis fazer algo apenas laudatório, mas busquei palavras que pudessem definir a Adélia Portes que conheço há décadas, não só como artista plástica, mas como mãe, esposa, avó, bisavó, amiga e mulher. 

Disponibilidade é uma delas. Para quem precisar, a hora que precisar e do que precisar. Adélia está sempre pronta a ajudar, sugerir ou apenas ouvir. 
Generosidade, irmã gêmea da disponibilidade. No olhar, no falar, no ouvir, nas atitudes e no perdão aos que a magoam.

Hibiscos. Adélia Portes. Foto: Anita Di Marco
Alegria é sua outra marca registrada. No dia a dia, no esforço, no trabalho, no lazer, no compartilhar e, admiravelmente, até na dor. 
Presença ativa. Incansável, ela não permite que o termo "cansaço" faça parte de seu vocabulário; e deveria, ao menos ocasionalmente. Mas não! Às vezes, quem a conhece percebe a fadiga no olhar e nos gestos. Porém, ela nunca demonstra, está sempre presente e jamais deixa de participar de alguma atividade por cansaço, algo que, definitivamente, também é ruim, já que, por vezes, ela não respeita os próprios limites. Mas, pergunto: isso é só dela ou de todos nós? 
Doçura pode fechar esta breve descrição. Mesmo ao chamar a atenção de alguém (filho, neto, amigo), quando desabafa ou dá bronca, ela jamais perde a doçura, a gentileza na fala e no olhar.A lista é grande, mas paramos por aqui.

Natureza morta com melões. Foto: Anita Di Marco.
Quando éramos crianças, como jovem mãe que era, ela brincava, jogava, ensinava, ria e se divertia com os filhos, sobrinhos e amiguinhos. Naquele tempo, não tínhamos carro, mas, todos os dias, ela sempre ia toda feliz levar e buscar as crianças na escola, a pé ou de ônibus. Naquela época, naquele reino tão, tão distante, pegávamos o ônibus elétrico nº 43 da Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC). Tudo era motivo para se divertir: ônibus cheio ou vazio, espera longa ou curta, material escolar pesado ou leve....Tudo era uma festa! E tem mais, depois de nos deixar na escola, ela se virava do avesso para conseguir trabalhar, fazer trabalhos voluntários e cursos profissionalizantes: enfermagem do lar, bolos de festa, bijuterias, colares, bordados finos...  

Itália. Óleo sobre Tela. Foto: Anita Di Marco
Depois, com os filhos já mais independentes, percebeu que poderia seguir seus sonhos, estudar e aprender sempre e cada vez - estudar, tocar violão, tirar carteira de motorista, cantar em corais e pintar. Ah! Como ela se realizava ao cantar e ao pintar... Pintava com tinta acrílica ou a óleo, desenhava com lápis preto ou pastel, fazia esculturas em papel machê, entalhava madeira para criar belas cenas... Como poemas pintados, suas obras expressavam emoções, sentimentos, o amor à família, à natureza e ao patrimônio histórico. Logo vieram as participações em praças, feiras, salões e, com isso, medalhas e menções.
Que orgulho e felicidade ver algum reconhecimento pela sua arte. Não financeiro, claro, porque arte não paga as contas no nosso país, mas dá prazer e realização, por algum tempo. Maior alegria ainda tivemos quando o nome dela virou verbete de enciclopédia cultural, pelo fato de tal reconhecimento ter sido feito em vida, como registro perene de uma linda história...

Uma palavra agora a todos que são filhos e filhas (em última instância, todos nós): respeitem, reconheçam, incentivem e valorizem os talentos de seus pais, porque, tenham certeza, eles abriram mão de muita coisa por vocês. Além disso, mais do que tudo,  agradeçam a eles por lhes darem o maior presente de todos: a própria vida! Namastê, do fundo do coração, Adélia Portes Di Marco... 

Namastê, mãe querida!

Referências:
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/

https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa22156/adelia-portes