domingo, 25 de outubro de 2020

Ecos Culturais | Circuito da Poesia, Recife

Manuel Bandeira. Rua da Aurora, em Recife. Divulgação

Arte, cultura, literatura, poesia, música e história estão presentes por toda a capital pernambucana. Além de sua rica diversidade em patrimônio histórico, paisagens naturais, do grande acervo do pintor Frans Post (1612-1680) e das incontáveis obras do ceramista Francisco Brennand (1927-2019), a Veneza brasileira criou, desde 2005, um roteiro para homenagear seus muitos filhos ilustres. 

 

Trata-se do Circuito da Poesia, composto até agora por 17 esculturas em tamanho real, feitas pelo artista e arquiteto Demétrio Albuquerque (1961), representando grandes nomes da cultura e da literatura de Pernambuco. O artista, que se aprofundou na arte da escultura no Japão, também é autor do monumento Tortura Nunca Mais, resultado de concurso público de 1988, na rua da Aurora. Além das obras em Recife, a figura conhecida de Mestre Vitalino, instalada em Caruaru, Zona do Agreste pernambucano, também é de sua autoria. Todas as obras do Circuito da Poesia, em Recife, estão instaladas em locais relacionados com a vida ou o trabalho do homenageado. 

Infelizmente, porém, a ignorância e o vandalismo também estão presentes e, segundo a Emlurb, entidade responsável pela manutenção das esculturas, a prefeitura anualmente aplica uma parcela de seu orçamento, que poderia ser direcionada a ações mais propositivas e benéficas para todos, para reparar monumentos, pontes e edifícios afetados por atos de vandalismo de alguns. Tristes trópicos!

Enfim, o Circuito da Poesia retrata: 

 

Capiba. Imagem: Divulgação. Diário de Pernambuco
Capiba. Foto: Divulgação, Diário de Pernambuco

  

1. Alberto da Cunha Melo (1942-2007), poeta, escritor, jornalista e sociólogo, ganhador do Prêmio ABL de Poesia.  Parque 13 de Maio, próxima à Biblioteca Pública Estadual.

2.  Antônio Maria (1921/1964), poeta, compositor e um dos maiores cronistas brasileiros de sua época. Rua do Bom Jesus.

3. Ariano Suassuna (1927-2014), dramaturgo, poeta, ensaísta, professor e advogado, autor de o Auto da Compadecida. Idealizador do Movimento Armorial, membro de várias academias, como a Academia Brasileira de Letras–ABL, e grande defensor da cultura do Nordeste. Rua da Aurora.

4. Ascenso Ferreira (1895-1965), poeta da primeira geração do Modernismo, conhecido por destacar a temática regional nordestina. Cais da Alfândega.

Suassuna. Imagem: Diário de Pernambuco

5. Capiba (1904-1997), ou Lourenço da Fonseca Barbosa, músico, pianista e um dos grandes compositores do estado, com frevos que ainda animam o carnaval. Rua do Sol, Santo Antônio.

6. Carlos Pena Filho (1928-1960), jornalista, poeta e advogado, chamado por Gilberto Freyre de “pintor de palavras”. Praça da Independência, Santo Antônio.

7.  Celina de Holanda Cavalcante (1915-1999), poetisa e jornalista, Praça José Sales Filho/ Av. Beira Rio. Torre. 

8. Chico Science (1966-1997), compositor e criador do manguebeat, movimento nascido em Recife na década de 90 e que mistura ritmos regionais com rock, hip hop, samba-reggae, funk e rap.  Rua da Moeda, Bairro do Recife.

9.  Clarice Lispector (1920-1977), escritora e poetisa ucraniana que passou parte de sua infância no Recife. Praça Maciel Pinheiro. 

 

Joaquim Cardozo. Foto:Diário de Pernambuco

  10. João Cabral de Melo Neto (1920-1999), um dos maiores poetas brasileiros, autor da antológica “Morte e Vida Severina”. Rua da Aurora.

  11.Joaquim Cardozo (1897-1978), poeta ligado à segunda geração modernista; engenheiro calculista, trabalhou com Niemeyer em várias construções de Brasília. Ponte Maurício de Nassau.

12. Liêdo Maranhão (1925), pesquisador, escritor, fotógrafo, escultor, grande conhecedor da Literatura de Cordel. Praça Dom Vital.

13. Luiz Gonzaga (1912-1989), cantor e compositor, chamado de “O Rei do Baião”, com músicas que retratam a cultura nordestina. Praça Visconde de Mauá.  

14.Manuel Bandeira  (1886-1968), poeta precursor do movimento Modernista, jornalista, cronista, ensaísta, tradutor, professor de Literatura e membro da ABL.  Rua da Aurora. 

15.Mauro Mota (1911-1984), jornalista, poeta e ensaísta, membro da ABL. Praça do Sebo, Bairro de Santo Antônio

16.Naná Vasconcelos (1944-2016), músico percussionista, oito vezes eleito como o maior do mundo em seu gênero e ganhador de vários prêmios Grammy. Marco Zero, Centro. 

17.  Solano Trindade (1908-1974), poeta, pintor, folclorista, cineasta e teatrólogo. Segundo Drummond, o maior poeta negro do Brasil. Fundou o Teatro Experimental do Negro e o Teatro Popular do Brasil. Pátio de São Pedro.

 

Que bom seria se, além das políticas públicas que melhorassem o conceito e a qualidade de habitação, saúde, educação e transporte público, aspectos essenciais para criar uma cidade inclusiva, justa e de qualidade, o poder público valorizasse mais a cultura, a arte e os talentos locais, porque cultura também é parte intrínseca da qualidade de vida e não tem fronteiras. Chega ao universal, é evidente, mas sempre parte do local. Viva Recife!  

Referências 

http://www2.recife.pe.gov.br/servico/circuito-da-poesia?op=MTMy
https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/vidaurbana/2019/02/circuito-da-poesia-do-recife-passara-por-reparos-apos-o-carnaval.html
https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/
https://www.facebook.com/DemetrioEsculturas/
https://demetrioalbuquerque.wixsite.com/demetrioesculturas/circuitodapoesia?lightbox=dataItem-juob3io2

domingo, 18 de outubro de 2020

Ecos Literários | Centenário de João Cabral

No blog Anita Plural já existe um post sobre o autor de Morte e Vida Severina (ver aqui). Porém, como em 2020, comemora-se seu centenário, resolvi falar deste pernambucano arretado, um dos que admiro (sim, há vários outros): João Cabral de Melo Neto (Recife, 1920–Rio, 1999). Intelectual, poeta e diplomata, João Cabral ficou conhecido como poeta-operário, poeta-engenheiro ou poeta-arquiteto por sua valorização da técnica e da métrica. A racionalidade, musicalidade e a sonoridade de seus versos não dão lugar a sentimentalismos e mostram uma obra poética que perpassa o rigor estético,  a tradição, a memória do passado, a poesia popular, a temática e a crítica social. 
 
Um dos membros da terceira geração modernista e considerado um dos grandes poetas da geração de 1945, o autodidata João Cabral tinha berço, um berço cultural muito forte. Irmão do historiador Evaldo Cabral de Melo, era primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre. Além desses, era ligado a Vinicius de Moraes, Ariano Suassuna, Carlos Drummond, Murilo Mendes, entre tantos outros. Interessava-se pela Literatura de Cordel e dizia sentir-se premido a escrever: “Escrever é estar no extremo de si mesmo”.

Recifense, viveu parte da infância em Minas. Aos 10 anos, voltou para para a cidade natal e, mais tarde, foi para o Rio de Janeiro. Na capital pernambucana, era assíduo frequentador do Café Lafayette, conhecido ponto de encontro de intelectuais locais e, hoje, é uma das figuras do Circuito da Poesia da cidade.  

Sua primeira coletânea, Pedra do Sono, foi publicada em 1942. Em 1945, publicou O Engenheiro e no mesmo ano ingressou na carreira diplomática, passando a viver em várias cidades do mundo. Só retornou ao Brasil em 1987. Ao longo da vida, recebeu inúmeros prêmios: Prêmio José de Anchieta, do IV Centenário de São Paulo (1954); Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras (1955); Prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Livro; Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (1993); Bienal Nestlé, pelo conjunto da Obra, Prêmio da União Brasileira de Escritores, pelo livro "Crime na Calle Relator" (1988) e Luís de Camões entre outros. 

Dentre suas obras destacam-se O Cão sem Plumas (1950), Poemas Escolhidos (1963), A Educação Pela Pedra (1966) e Obra Completa, publicada em 1994 pela editora carioca Nova Aguilar. Eleito membro da Academia Brasileira de Letras (cadeira 37), tomou posse em 6 de maio de 1969. A escultura acima, localizada na Rua Aurora, em Recife, faz parte do chamado Circuito da Poesia, iniciativa da capital pernambucana para homenagear seus filhos.

Sua obra mais conhecida é o dramático auto de Natal pernambucano Morte e vida Severina, de 1956, encenado pela primeira vez, em 1965, com músicas de Chico Buarque de Holanda. Na obra regionalista e de caráter universal, já que mencionava o nascimento de Jesus, o nome próprio do protagonista - Severino - transmuta-se em adjetivo - severina - sinônimo da figura do retirante sofrido que foge da seca. Abaixo, um pequeno trecho dessa sua obra-prima, falando do espetáculo da vida. 

 Trecho de Morte e Vida Severina

...E não há melhor resposta que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão de uma vida severina.

João Cabral teve dois casamentos: com Stella Maria Barbosa de Oliveira, com quem teve cinco filhos, e com a poetisa Marly de Oliveira. Em 1992, desenvolveu um processo de cegueira progressiva que o levou à depressão. Morreu em outubro de 1999, aos 79 anos, de ataque cardíaco.  Assim como influenciou grandes nomes da literatura universal, como o escritor moçambicano Mia Couto, João Cabral de Melo Neto também teve influência de outros grandes, como o poeta Carlos Drummond de Andrade, como mostra, abaixo, o trecho do poema Difícil ser Funcionário, de 1943. 

Nesses tempos em que vivemos de pandemia, de dúvidas, de exclusão, retrocessos e hipocrisia é importante alimentar a alma com boa literatura e poesia.  Viva João Cabral! Um brinde a você por tudo o que nos deu!

 Difícil ser Funcionário  

 Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho... 

... ... ...

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.

Extraído dos "Cadernos de Literatura Brasileira", nº. 01, publicado pelo Instituto Moreira Salles em março de 1996, p.60.

Referências

https://www.academia.org.br/academicos/joao-cabral-de-melo-neto/biografia
https://www.ebiografia.com/joao_cabral_de_melo_neto/
https://ims.com.br/tag/joao-cabral-de-melo-neto/
https://brasilescola.uol.com.br/literatura/joao-cabral-melo-neto-sua-engenhosidade-poetica.htm
http://www.releituras.com.br/joaocabral_bio.asp