João Cabral de Melo Neto. Imagem: Divulgação Tribuna do Norte |
A obra de João Cabral de Melo Neto (Recife,1920 – Rio de
Janeiro,1999) é extensa. Pernambucano de Recife, ganhador
de muitos prêmios e diplomata, João Cabral fez parte de uma geração de grandes nomes da poesia
e da literatura nacional como Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade,
Cecília Meirelles, Graciliano Ramos, Vinicius de Moraes, entre outros. Sua poesia elaborada e engajada na questão social tem caráter
regionalista e um toque universal.
Morte e Vida Severina (1956), o auto de natal
pernambucano, é um de seus poemas mais conhecidos. Nele o autor narra a caminhada
do retirante Severino, desde a saída do sertão até a chegada em Recife, e retrata
a vida dura, a crueza e as diferenças sociais locais, levando o leitor a
refletir sobre a condição humana.
Morte
e Vida Severina
— O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos, que é santo de romaria,
deram então de me chamar Severino de Maria;
como há muitos Severinos com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia,
por causa de um coronel que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela, limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual, mesma morte severina:
que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença é que a morte Severina
ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima,
a de tentar despertar terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar algum roçado da cinza.
Como há muitos Severinos, que é santo de romaria,
deram então de me chamar Severino de Maria;
como há muitos Severinos com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia,
por causa de um coronel que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela, limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual, mesma morte severina:
que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença é que a morte Severina
ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima,
a de tentar despertar terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar algum roçado da cinza.
Apreciador dos ensaios críticos de arquitetura de
Paul Valéry, João Cabral acabou conhecendo inúmeros arquitetos, dentre
eles Le Corbusier e suas teorias modernas, e o grupo dos então jovens arquitetos: Niemeyer, os irmãos Roberto e Lúcio Costa. Dessa relação, surgiram os dois poemas abaixo: Fábula de um Arquiteto e A Joaquim Cardoso, dedicado ao amigo calculista.
• Fábula de um Arquiteto
A
arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e tecto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e tecto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
Até
que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até fechar o homem: na capela útero,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até fechar o homem: na capela útero,
com
confortos de matriz, outra vez feto.
A
Joaquim Cardozo
Com teus sapatos de borracha
seguramente
é que os seres pisam
no fundo das águas.
seguramente
é que os seres pisam
no fundo das águas.
Encontraste algum dia
sobre a terra
o fundo do mar,
o tempo marinho e calmo?
sobre a terra
o fundo do mar,
o tempo marinho e calmo?
Tuas refeições de peixe;
teus nomes
femininos: Mariana; teu verso
medido pelas ondas;
teus nomes
femininos: Mariana; teu verso
medido pelas ondas;
a cidade que não consegues
esquecer
aflorada no mar: Recife,
arrecifes, marés, maresias;
esquecer
aflorada no mar: Recife,
arrecifes, marés, maresias;
e marinha ainda a arquitetura
que calculaste:
tantos sinais da marítima nostalgia
que te fez lento e longo.
que calculaste:
tantos sinais da marítima nostalgia
que te fez lento e longo.
Uma boa dica é assistir ao documentário premiado “Recife/Sevilha–João Cabral de Melo Neto”. O vídeo une duas cidades marcantes na obra do poeta: Sevilha e Recife.
Recife/Sevilha – João Cabral de Melo Neto, documentário, 52 min.
Direção e Roteiro de Bebeto Abrantes
Edição de Marcelo Rodrigues
Motion design de Rogério Costa
Coordenação de produção de Belizário Franca
Direção de fotografia de Batman Zavareze (27+1)
Produção da empresa Giros - giros.com.br/
Assista e aproveite: https://vimeo.com/104447675
Recife/Sevilha – João Cabral de Melo Neto, documentário, 52 min.
Direção e Roteiro de Bebeto Abrantes
Edição de Marcelo Rodrigues
Motion design de Rogério Costa
Coordenação de produção de Belizário Franca
Direção de fotografia de Batman Zavareze (27+1)
Produção da empresa Giros - giros.com.br/
Assista e aproveite: https://vimeo.com/104447675
Referências:
http://www.infoescola.com/escritores/joao-cabral-de-melo-neto/
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