sexta-feira, 9 de julho de 2021

Ecos Urbanos | Civilidade e Urbanidade

Sevilha. Foto: Anita Di Marco
Sempre gostei de caminhar pelas cidades. Seja como turista ou na minha própria cidade, caminhar é essencial, além de muito salutar. É só caminhando que descobrimos os tesouros escondidos de cada lugar: a vida dos moradores e não dos turistas, o restaurante que só os locais conhecem, a papelaria que vende aquelas lapiseiras que você sempre quis, um aconchegante e improvável café, aquele artesanato local bem típico e especial, a relação de cumplicidade e apoio entre vizinhos, as histórias e memórias dos moradores, as joias arquitetônicas escondidas que não constam de nenhum guia... 
É caminhando também que se percebe a relação de civilidade e urbanidade dos cidadãos com o espaço urbano: praças, largos, espaços públicos e privados acolhedores, seguros e limpos; ruas e calçadas com boa manutenção, sem lixo no meio-fio, com lixeiras, placas de sinalização, iluminação, bancos e outros elementos do mobiliário urbano bem conservados; equipamentos públicos não vandalizados que encantam o olhar e convidam à permanência; fiação enterrada, ao menos como desejo para um horizonte próximo, vegetação adequada em ruas, praças e jardins garantindo um microclima confortável de proteção aos ventos e às altas temperaturas; fachadas comerciais ativas bem cuidadas, ruas agradáveis aos olhos com bolsões de vegetação e placas comerciais discretas projetadas de forma harmoniosa, sem querer competir em tamanho com as demais e sem invadir o espaço do pedestre, também demonstram o cuidado com a cidade e com o cidadão.

Museu do Amanhã, RJ. Foto: Lucas Di Marco Alves
Esse cuidado na gestão dos espaços (públicos e privados) e do ambiente urbano, em geral, cria uma paisagem que reforça positivamente a imagem da cidade, agradando moradores e visitantes. Alie-se a isso  serviços de qualidade (habitação, saúde, educação, cultura e lazer para todos), estoque de terras públicas para equipamentos sociais e áreas verdes, uma rede viária (e cicloviária) segura, ampla e bem cuidada, um ótimo sistema de transporte público e tem-se a receita para uma cidade eficiente, agradável e acolhedora que respeita seus cidadãos e é respeitada e cuidada por eles.  

Utopia? Não. Já vi e vivi esses espaços. Como a casa maior de todos nós, a cidade não deve perder essas características de eficiência, aconchego, segurança, dimensão estética e aspecto agradável aos olhos, aos deslocamentos, à permanência. Tais noções devem ser permanentes naqueles que habitam e, sobretudo, nos que constroem as cidades.  E falo não só do setor público; o setor privado também deveria se preocupar mais com o ambiente urbano, abrir-se mais para acolher o cidadão criando espaços semipúblicos, propícios à troca, à convivência, à simples permanência e observação passiva da vida na cidade. 

SESC Pompeia, SP. Foto: Anita Di Marco.

Alguns ótimos exemplos desses espaços são o térreo do Conjunto Nacional, o vão livre do MASP, a entrada do Instituto Moreira Sales, só para ficar em São Paulo. Ou ainda os edifícios do SESC Brasil afora; ou os inúmeros largos e praças nas cidades mais antigas, ou os calçadões nas cidades litorâneas, ou.... A vida fica mais leve quando nossos olhos e sentidos são tocados e sensibilizados pela dimensão estética desses espaços. Não precisam ser imponentes, muito pelo contrário, mas devem ser espaços bem cuidados, despertar o olhar e acolher o cidadão.

É fato que, em muitas cidades, há edifícios cuja implantação no lote considera e respeita o pedestre, favorecendo essa sensação de espaço semipúblico, de sala de estar urbana, mas a grande maioria ainda cria barreiras, muitas vezes disfarçadas. A cada novo projeto de edificação ou de espaço aberto, arquitetos e urbanistas são convidados a fazerem mais e melhor, a serem generosos com as cidades e seus cidadãos. Afinal, é preciso ter sempre em mente que quando projetamos e construímos edifícios, conjuntos, casas e praças estamos ocupando e conformando pequenos trechos da paisagem da cidade que queremos. 

7 comentários:

  1. Respostas
    1. Olá, não se esqueça de assinar....de qualquer forma obrigada .

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  2. Lindo, lindo. Também sou caminhante pelas ruas do meu e de outros pedaços. E voce sabe, caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais, braços dados ou não, nas escolas, nas ruas, campos, construçoes, como nos disse mestre Vandré.
    Então é isso, logo cedo, pé na estrada, para não ter porem; pra não ter noite passada, pra não ter ninguém atrás... No norte da saudade. Muito bom. Beijos.

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  3. Excelente Anitinha!Também gosto muito de caminhar e sentir as belezas que existem na cidade.Curitiba é uma cidade que aprecio muito com o seu passado pelas ruas.Bebel

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  4. Adorei o texto, Anita! Texto que, como o espaço ideal do qual fala, também é muito cuidado e por ele passeamos num ritmo tranquilo e gostoso, pelas alamedas e vias amplas do seu estilo.
    Estou sempre relendo o livro Orfeu extático na metrópole, do Sevcenko. A primeira vez que li o livro, larguei o texto e saí de guarda-chuva, ver a cidade e as cidades debaixo da atual SP.
    Ontem também me lembrei de uma passagem do livro A primavera de Miss Jean Brodie (não me bro se o título é exatamente esse. Desculpe...) A professora levando suas alunas preferidas para visitarem um bairro descuidado (década de 1930), numa região afastada, dentro de Edimburgo. No filme, não é mostrada essa imagem de desleixo e decadência. Mas no livro tem a denúncia do lugar onde o lixo estava nas ruas. As meninas sentem medo.
    E o seu texto veio me trazer essas lembranças.
    Também trazendo os aspectos felizes de que, sim, temos espaços cuidados que nos orgulham. Que nos fazem bem.
    É preciso cada vez mais a gente tomar o espaço público. Curtindo e vivendo, mesmo.
    Você sempre traz essa vertente. E sempre deixa grandes espaços para que os arquitetos e urbanistas reinventem e implantem serviços adequados. Há uma necessidade de respiro, de limpeza, de liberdade e convívio. Penso, assim, na casa da gente, casa, mesmo. Ela será ao mesmo tempo o espelho e a origem da organização do espaço total.

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  5. Oi, Valquíria. Que lindo e refletido comentário. Obrigada, querida. Acho que a casa e a cidade devem dialogar: se não jogo lixo em casa, por que deveria jogar na cidade? Se me sinto bem em casa, meu abrigo, por que não deveria me sentir bem na minha cidade, na casa maior de todos, como sempre digo. Obrigada, meu bem. Vou ler o livro do Sevcenko. Quanto ao filme, é A primavera de uma solteirona, né?
    beijos

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  6. Muito bom Anita, expressou muito bem o que penso tb. Caminhadas e ruas caprichadas fazem bem ao olhar e ao corpo

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