terça-feira, 29 de março de 2022

Ecos Arquitetonicos | Moradia para Idosos (2)

Cozinha adaptada. Imagem: Wikipedia

Continuando o Moradia para Idosos (1), este post vem com novas reflexões. Com relação à segurança e características dessas moradias, além da óbvia escolha do lote (seguro, plano ou com pouquíssima declividade), dois aspectos surgem no horizonte. O primeiro é a necessária adaptação da tradicional moradia (não só para idosos, mas também para pessoas com algum tipo de deficiência) em casas, prédios e conjuntos habitacionais, em termos de funcionalidade, praticidade, ergonomia, acessibilidade, conforto, tecnologia e segurança. Aí entram detalhes de um projeto específico para os limites impostos pela idade: piso antiderrapante, iluminação, circulação adequada, eliminação de degraus e obstáculos, largura de portas e corredores, altura das prateleiras deixando à mão os objetos mais usados, cores claras nas superfícies de trabalho, barras nos banheiros, móveis com cantos arredondados, eliminação de tapetes etc. 

Parênteses. Ao escrever , me vêm à mente imagens das revistas escandinavas de arquitetura com projetos especialmente adaptados para idosos ou pessoas com algum tipo de deficiência. Isso foi quase em outra vida (rsrsrs), quando eu trabalhava na seção Revistas e Revistas da Revista Projeto, em São Paulo, na década de 80... Um projeto melhor que o outro e a prática já era bem usual por lá. Aliás, falando em Escandinávia, a Suécia vem, há tempos, tentando se adiantar às adaptações cada vez mais necessárias de seu parque edificado tendo em vista o envelhecimento de sua população. Desde 2019, a Ikea, famosa empresa sueca de móveis, vem desenvolvendo o projeto SilviaBo, uma parceria com a Fundação Rainha Silvia a a empresa de construção Skanska para produzir casas modulares de baixo custo para idosos, pessoas com deficiência e demência. Beleza, não?

Proposta SilviaBo, Suécia. Divulgação  
Voltando. O segundo aspecto é um conceito mais recente, de moradia compartilhada. Alguns amigos solteiros, divorciados ou viúvos, todos independentes, já comentaram que gostariam de morar em algum arranjo desse tipo – um grande terreno, com acomodações menores individuais em torno de um  bloco central com espaços comuns de convivência. Ou seja, querem não só manter sua privacidade, mas também a possibilidade de manter ativas a interação social e as conexões com amigos, família e vizinhos. Desse modo, preservam a autonomia, as memórias afetivas e evitam um isolamento que não deveria, mas tende a acontecer com a idade. Como sociedade ocidental, ainda não compreendemos o valor e o papel dos mais velhos e da ancestralidade. Enfim, tema para outro post.

Quem assistiu à série Friends há de se lembrar de um episódio, se não me falha a memória, em que Rachel e Ross, personagens vividos por Jennifer Aniston e David Schwimmer, planejaram morar juntos, caso  nenhum dos dois estivesse casado aos 40 anos. Bem, não foi o caso deles, mas a ideia não é nova. Na década de 1960, a Dinamarca já experimentava um conceito de cohousing (communal housing) ou moradia coletiva ou compartilhada. A proposta era similar: fugir do que o mercado apresentava e criar uma alternativa que tivesse espaço íntimo privativo e espaços comuns de convivência e alimentação. 

Sobretudo nas grandes cidades, hoje há muitos espaços coletivos de trabalho (coworking), além de outro tipo de moradia (coliving), cuja proposta é levemente diferente da mencionada acima. Um grupo se reúne num imóvel maior e mantém a proposta de quartos individuais, mas tendo espaços comuns, tarefas e gastos compartilhados. A ideia reúne conceitos de sustentabilidade, economia e conforto. Embora com mais aceitação entre os jovens, o coliving também junta pessoas de diferentes idades, não necessariamente amigos, mas que compartilham um modo de vida similar, como por exemplo: trabalham muito, não têm tempo para tarefas domésticas, querem um lugar central para morar etc. Assim, nessa modalidade de habitação, moram perto do trabalho em áreas mais centrais e "badaladas", economizando tempo e dinheiro que seriam gastos nos deslocamentos. 

Esse tipo de moradia também já é comum em países da Europa e da Ásia, além de Estados Unidos, Canadá, Dinamarca, Suécia, sempre com o auxílio do poder público. Claro, cada país propõe variações em torno do mesmo tema, por exemplo na forma de gestão, mas sempre criando uma comunidade de pessoas independentes que interagem, se divertem e se auxiliam mutuamente.  

E como a porcentagem da população idosa está aumentando no Brasil, está mais do que na hora de agirmos aqui, sociedade civil, Estado e iniciativa privada.  Porém, como eu disse no post anterior, isso vale para todos, não só para os idosos em boa condição financeira, certo? Portanto, é hora de colocar cabeça para pensar, o coração para sentir, a voz pelos que não têm voz e as mãos para agir...  

Referências

https://jornal.usp.br/atualidades/vida-saudavel-apos-os-60-anos-pede-moradia-conectada-as-emocoes/

https://www.archdaily.com.br/br/976211/arquitetura-para-envelhecer-a-ascensao-do-cohousing-como-alternativa-contra-a-solidao-e-dependencia?  

https://kasa.com.br/blog/dicas/coliving-entenda-como-funciona-a-moradia-compartilhada/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Coliving  

https://www.eldercaredirection.com/how-to-find-senior-housing-and-care/

https://www.itsnicethat.com/news/ikea-silviabo-skanska-affordable-modular-homes-for-elderly-with-disabilities-and-dementia-200819

quarta-feira, 23 de março de 2022

Ecos Arquitetônicos | Moradia para idosos (1)

Segurança nos imóveis em geral, e nos residenciais em particular, é vital. Isso envolve bons profissionais, bons projetos e bons materiais, praticidade, funcionalidade, boa vontade e ética. Já começa na escolha do terreno e na implantação do imóvel no lote. Hoje, muitos desses atributos essenciais ao projeto deixam a desejar. Basta dar uma olhada ao nosso redor. É preciso ter sempre em vista que todos têm direito a viver com dignidade em um espaço que respeite a tríade fundamental da arquitetura legada, há séculos, pelo arquiteto romano Marcos Vitrúvio Polião (80 a.C.–15 a.C.) em seu livro De Architectura: Firmitas (estabilidade, solidez da construção), Utilitas (conforto, funcionalidade) e Venustas (apreciação estética).  

Com o envelhecimento da população brasileira, a questão da segurança domiciliar fica ainda mais evidente. Segundo o IBGE, em 2017 quase 15% dos brasileiros tinham 60 anos ou mais e para 2060 estima-se 60 milhões de indivíduos, ou seja 25% da nossa população. Ora, moradia é um direito básico do cidadão e, deixando de lado o déficit habitacional histórico, sobretudo para população de baixa renda, o fato é que quanto mais velhos ficarmos, mais tempo passaremos em casa.  

É verdade que os “idosos” de hoje são bem diferentes dos sessentões de uma ou duas gerações anteriores. Hoje, mais ativos, antenados e curiosos, eles têm atividades bem diferentes das de antes.... Mas até certo ponto, porque a idade chega para todos, com suas limitações e singularidades. 

Foto: Ass. de Imprensa FMRP / Jornal da USP
Ora, se tudo muda, por que não as moradias? Em  função do envelhecimento da população, esse é um mercado em expansão, certo? Construir ou adaptar casas e apartamentos para idosos, que ainda têm certa autonomia e condições de morar sozinhos, é um tema concreto e urgente que já vem sendo pensado conjuntamente por várias áreas, como as de arquitetura, engenharia e tecnologia. Ah, sim, não pode faltar outro elemento-chave, o coração, o colocar-se no lugar do outro, sabendo que, se dermos sorte, todos chegaremos lá. 

O fato é que já existem empreendimentos públicos e privados, geridos por instituições religiosas ou não, para atender os idosos, além da chamada "moradia assistida" em vilas ou condomínios exclusivos para essa população. Nos privados, o custo é alto, bem além das possibilidades do cidadão comum. Nos públicos, falta divulgação e a quantidade de imóveis disponibilizados é insignificante. Mas o que muitos parecem esquecer é que todos nós – ricos, pobres, medianos ou paupérrimos - ficaremos velhos. É aí que entra o "coração" nos projetos e nas novas propostas.

Moradia p/ Idosos, Suíça. Peter Zumthor. Divulgação
Em outras palavras, movimentos sociais, entidades, conselhos, sociedade civil e Estado não podem se furtar a essa ação, fazendo cada um seu papel - reivindicar, pesquisar, discutir, buscar e propor alternativas diferentes e políticas públicas que ofereçam essa modalidade de  moradia como serviço (e não como produto), seja a partir da construção, reforma e adaptação de edificações existentes, seja com aquisição de unidades para formar um estoque de imóveis destinados a esse público tão esquecido. Aliás, essas unidades deveriam ser oferecidas como aluguel, seja auxílio aluguel ou locação social (serviço surgido após a segunda guerra), mas sempre aluguel, sem possibilidade de venda e transferência de propriedade. Assim, esses aluguéis ficam livres da pressão do mercado. Afinal, se funciona em outros lugares, por que não funcionaria aqui? Continua no próximo post.

Referências

https://jornal.usp.br/atualidades/vida-saudavel-apos-os-60-anos-pede-moradia-conectada-as-emocoes/

https://www.atlasofplaces.com/architecture/homes-for-senior-citizens/

https://www.jornal3idade.com.br/?p=11002

https://www.wikiwand.com/pt/Peter_Zumthor