quarta-feira, 23 de março de 2022

Ecos Arquitetônicos | Moradia para idosos (1)

Segurança nos imóveis em geral, e nos residenciais em particular, é vital. Isso envolve bons profissionais, bons projetos e bons materiais, praticidade, funcionalidade, boa vontade e ética. Já começa na escolha do terreno e na implantação do imóvel no lote. Hoje, muitos desses atributos essenciais ao projeto deixam a desejar. Basta dar uma olhada ao nosso redor. É preciso ter sempre em vista que todos têm direito a viver com dignidade em um espaço que respeite a tríade fundamental da arquitetura legada, há séculos, pelo arquiteto romano Marcos Vitrúvio Polião (80 a.C.–15 a.C.) em seu livro De Architectura: Firmitas (estabilidade, solidez da construção), Utilitas (conforto, funcionalidade) e Venustas (apreciação estética).  

Com o envelhecimento da população brasileira, a questão da segurança domiciliar fica ainda mais evidente. Segundo o IBGE, em 2017 quase 15% dos brasileiros tinham 60 anos ou mais e para 2060 estima-se 60 milhões de indivíduos, ou seja 25% da nossa população. Ora, moradia é um direito básico do cidadão e, deixando de lado o déficit habitacional histórico, sobretudo para população de baixa renda, o fato é que quanto mais velhos ficarmos, mais tempo passaremos em casa.  

É verdade que os “idosos” de hoje são bem diferentes dos sessentões de uma ou duas gerações anteriores. Hoje, mais ativos, antenados e curiosos, eles têm atividades bem diferentes das de antes.... Mas até certo ponto, porque a idade chega para todos, com suas limitações e singularidades. 

Foto: Ass. de Imprensa FMRP / Jornal da USP
Ora, se tudo muda, por que não as moradias? Em  função do envelhecimento da população, esse é um mercado em expansão, certo? Construir ou adaptar casas e apartamentos para idosos, que ainda têm certa autonomia e condições de morar sozinhos, é um tema concreto e urgente que já vem sendo pensado conjuntamente por várias áreas, como as de arquitetura, engenharia e tecnologia. Ah, sim, não pode faltar outro elemento-chave, o coração, o colocar-se no lugar do outro, sabendo que, se dermos sorte, todos chegaremos lá. 

O fato é que já existem empreendimentos públicos e privados, geridos por instituições religiosas ou não, para atender os idosos, além da chamada "moradia assistida" em vilas ou condomínios exclusivos para essa população. Nos privados, o custo é alto, bem além das possibilidades do cidadão comum. Nos públicos, falta divulgação e a quantidade de imóveis disponibilizados é insignificante. Mas o que muitos parecem esquecer é que todos nós – ricos, pobres, medianos ou paupérrimos - ficaremos velhos. É aí que entra o "coração" nos projetos e nas novas propostas.

Moradia p/ Idosos, Suíça. Peter Zumthor. Divulgação
Em outras palavras, movimentos sociais, entidades, conselhos, sociedade civil e Estado não podem se furtar a essa ação, fazendo cada um seu papel - reivindicar, pesquisar, discutir, buscar e propor alternativas diferentes e políticas públicas que ofereçam essa modalidade de  moradia como serviço (e não como produto), seja a partir da construção, reforma e adaptação de edificações existentes, seja com aquisição de unidades para formar um estoque de imóveis destinados a esse público tão esquecido. Aliás, essas unidades deveriam ser oferecidas como aluguel, seja auxílio aluguel ou locação social (serviço surgido após a segunda guerra), mas sempre aluguel, sem possibilidade de venda e transferência de propriedade. Assim, esses aluguéis ficam livres da pressão do mercado. Afinal, se funciona em outros lugares, por que não funcionaria aqui? Continua no próximo post.

Referências

https://jornal.usp.br/atualidades/vida-saudavel-apos-os-60-anos-pede-moradia-conectada-as-emocoes/

https://www.atlasofplaces.com/architecture/homes-for-senior-citizens/

https://www.jornal3idade.com.br/?p=11002

https://www.wikiwand.com/pt/Peter_Zumthor 

11 comentários:

  1. Muito bem pensado, Anita. É algo em que a sociedade precisa pensar. Eu já tinha pensado nisso, ainda que apenas no plano individual, tipo juntar amigos, comprar um terreno legal etc, mas este assunto tem que entrar na ordem do dia para sindicatos, previdência social e previdência privadas É outras instituições. Este tem que ser um tema de Estado. O problema é que, com o Estado cada vez menor, o debate sobre o direito a envelhecer dignamente vai sempre ser empurrado para debaixo do tapete. Mas não desanimemos!!!

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  2. Penso sempre no envelhecer e na autonomia que pretendo ter durante o maior tempo possível de vida, mas não tinha me atentado para as implicações da arquitetura nesta autonomia. Adorei a oportunidade desta perspectiva no seu texto. Necessário!

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  3. Obrigada por comentar, mas vc não deixou o nome. De qualquer forma, o tema é fundamental e não podemos desanimar.....abraços

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  4. Nosso relógio biológico pode ser atrasado pela ciência, mas o tempo é inclemente e sutilmente abate sobre corpo e mente. Assim é que, quando os sinais dele começarem a surgir, gostaria de juntar os amigos coetâneos - cada qual com sua casa adaptada para a idade - em um condomínio com grande área comum para encontros, festas e recreação. Segurança, enfermeiras, médicos, cuidadores teriam que ser objeto deste projeto. Com a população ficando mais velha espanta-me que o mercado ainda não tenha acordado para a implantação e venda de um local assim. Todos os amigos ficam seduzidos com essa ideia quando a coloco em pauta. Além disso,nada mais a comentar sobre esta excelente exposição, Anita! Um grande abraço!

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    1. Obrigada, Lilian. Mas como eu disse nem todos teriam esse privilégio, então, a sociedade e o Estado precisam pensar nisso também. Abracos

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  5. Muito bom Anitinha! Essa é uma preocupação de muitos de nós.É uma pena que muitos neste Brasil que ficam idosos não tem amparo de familiares,poder público etc.
    Aqui,perto de onde moro,será construído um condomínio para idosos onde terá prédio residencial e outro com academia,salas médicas,lugar para recreação e mais coisas que não me recordo agora.Tudo para o idoso,terá até botão de pânico dentro de apartamentos para uma situação de emergência onde o idoso será atendido de imediato.Imagina o preço de um lugar deste.Infelizmente não é para todos.

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    1. Então, pensar com o coração é essencial, né! Obrigada, querida!

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  6. Excelente Anita, uma reflexão importante para as nossas cidades e uma importante preocupação para os arquitetos e urbanistas e cidadãos no geral, precisamos lutar por cidades mais inclusivas e incluir tem que significar juntar e atender bem a todos.

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    1. Isso mesmo.... o termo inclusão é bonito na teoria, nas na prática falta muito ainda, né? Sei que vc é um dos que procura aplicar na prática há anos. Parabéns pelo seu trabalho e obrigada. Abs

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  7. Excelente seu artigo Anita! Numa época em que se impõe a eterna juventude, onde a velhice é ignorada como uma verdade a ser negada, faz-se urgente pensarmos nisto!

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  8. Nem me diga, Teresa, tem mais dois no forno sobre moradia e um chegando sobre essa verdade da velhice! Bjs e obrigada

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