Há meio século, fui aprovada em um dos
vestibulares mais concorridos do país, o da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, a conhecida FAU-USP. Uma honra e um privilégio ter sido aprovada e cursar aquela escola. Um dos maiores privilégios
que já tive. Outro
foi ganhar uma bolsa de estudos para o curso de especialização em Roma,
no Iccrom, instituição que também trago no coração com muita honra (ver
Como cusco me levou a Roma),
em Roma. Aliás, duas bolsas que, juntas, formaram uma só, já que do
Iccrom veio a segunda para complementar a primeira, concedida pelo
governo italiano. E por cada um dos muitos privilégios que tive, ao
longo da minha vida, eu agradeço e tento passar adiante, como uma
corrente, por meio das minhas ações.
Mas voltando à FAU, lugar marcante onde convivi, durante cinco anos, com grandes colegas, muitos dos quais se tornaram amigos do peito, com brilhantes professores e pesquisadores, arquitetos críticos e inovadores, e urbanistas sonhadores, solidários e humanos. Humanos, sim. Nossa principal e mais profunda característica. E, às vezes, tão menosprezada. De que vale a arquitetura sem humanidade? De que vale nosso mundo, nossa
ciência, nossa tecnologia sem humanidade?
Porque
o que importa é o indivíduo. É para beneficiar o ser HUMANO em geral, branco,
negro, amarelo, vermelho, brasileiro ou não, que aprendemos, refletimos, estudamos e nos desenvolvemos nas mais diversas
áreas – arquitetura, engenharia, física, química, medicina, antropologia, pedagogia, geografia, ecologia..., porque o objetivo final é melhorar a qualidade de vida
integral de toda a população.
Para isso, são essenciais laboratórios, bibliotecas, centros de estudo, pesquisas, extensão universitária e a aplicação prática do conhecimento adquirido em prol da sociedade. Esse é o objetivo de toda universidade pública; por isso é preciso exigir educação básica e pública de qualidade, é preciso resistir e impedir que a universidade pública seja desvalorizada, vilipendiada e privatizada, porque educação é um direito de Todos.
Com todo respeito que tenho pelos baianos e por seus poetas, não foi a Bahia, mas a FAU-USP que me deu régua e compasso; me deu colegas amigos e professores amigos, me deu conteúdo, repertório,
arte, cultura, senso crítico e infinitas oportunidades para refletir, questionar, discutir, entender, mudar e agir. A FAU-USP nunca saiu de mim, nem vai sair, embora eu já tenha saído
de lá há 45 anos. Privilégios a gente incorpora, mas é preciso lembrar de honrá-los! Sempre.
Parte da turma da FAU-USP 1972-76. Foto: Masahiro Watabe, super fotógrafo da turma. |
O recente encontro do grupo, para comemorar os 50 anos de entrada na FAU, foi mais leve, mais sentido, mais afetuoso. Sem tantos grupinhos, sem tantas reservas ou "estrelas". Éramos apenas arquitetos, colegas, parceiros de estudos, de projetos e de turma. Parceiros de uma época importante da vida de cada um.
Envelhecemos todos. Seguimos novos rumos, nem sempre na arquitetura, mas o fato é que nós, alunos da turma da FAU-USP 1972/76, trabalhamos duro, tropeçamos, levantamos, vencemos, perdemos e aprendemos. Mas também amadurecemos, ganhamos cabelos brancos, óculos de grau, corpos mais cheios, sorrisos mais abertos, olhares mais acolhedores, abraços mais afetuosos. Ganhamos senso de pertencimento, maturidade, humanidade e consciência de finitude.
Afinal, são 50 anos (mais os 17 daqueles jovens vestibulandos). E a inevitável pergunta que me vem à mente, 50 anos depois de ler nosso nome naquele jornal, deve ser respondida, individualmente, na solidão de seu quarto. Ou talvez deva ser feita desde cedo a qualquer um, para ensinar o ser humano a refletir sobre o tempo. No entanto, em geral, nós só a fazemos quando percebemos, no corpo e na alma, que envelhecemos. A pergunta é: O que fizemos, o que fazemos e o que pretendemos fazer com o tempo que nos foi/é concedido?