segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Ecos Culturais | Pipa, para que te quero!

Quando eu era criança, ouvia falar que, além do Dia dos Pais, agosto é o mês do folclore, dos ventos e - acredite, se quiser – do cachorro louco....Bom, por sorte não tive nenhuma experiência com o dito cujo, mas com relação aos ventos, lembro que, sobretudo aos sábados e domingos, a garotada saía com os pais para empinar pipa, papagaio, quadrado, arraia, raia, pandorga, barrilete, seja qual for o nome dessas famosas estruturas leves e mágicas, produzidas por pais e filhos, em conjunto. Aliás, como a língua é viva e uma das mais importantes manifestações culturais de um país, cada canto do nosso tem nomes diferentes para essas lindas e coloridas estruturas. Viva a diversidade!  

Não conheço ninguém que não tenha brincado com uma delas. Acho que era, e é, uma brincadeira muito prazerosa que reúne a família, os amigos da escola, os vizinhos e permite que a imaginação voe junto com as pipas. Meu pai, Sr. Pascoal (Pasqualino, para os meus tios), era mestre na sua fabricação. Meu marido, também. Ou seja, meus filhos e eu, distanciados algumas décadas, brincamos com coisas similares. Às vezes, não dava muito certo, a pipa não subia, a rabiola se perdia no ar, mas.... tudo valia a pena, como já disse certo Pessoa. 

Linha (ou cordel) para empinar, papel de seda para o corpo e para a rabiola, varetas de bambu e grude, como se chamava aquela cola especial. Não era uma simples cola branca como as vendidas nas papelarias de hoje. Não era Cascolar, Tenaz ou Pritt. Não, mesmo! Tinha que ser feita no fogo com água e farinha de trigo até chegar ao ponto certo, de ficar pegajosa e grudar nos dedos. Daí o nome, grude. Bom, era esse o material necessário para fazer as tais pipas planarem no ar, presas lá no alto por uma ponta e, aqui embaixo, pelo novelo em nossas mãos. À medida que soltávamos a linha, elas subiam e subiam, abrindo nossos sorrisos e fazendo-nos erguer o olhar. Vez ou outra havia certa guerra lá no alto, alguém querendo laçar a pipa do vizinho, mas tudo era diversão. Isso fazia de agosto um mês menos temeroso com o céu salpicado de pipas... As tardes eram longas e coloridas...

Aliás, empinar pipas sempre foi uma grande aventura para muitos povos, uma atividade que reunia magia, beleza e encantamento. O antigo sonho de voar nos remete à mitologia grega. Presos no labirinto de Creta, cuja saída era protegida pelo furioso Minotauro (metade homem, metade touro), Dédalo e seu filho Ícaro tentaram fugir voando, construindo asas com penas e cera. No entanto, Ícaro chegou muito perto do sol, a cera derreteu e ele caiu no mar, afogando-se. Desde então, o homem continuou desafiando a natureza para tentar voar. Talvez, as pipas tenham sido a primeira forma de concretizar essa vontade. 

Embora outros povos como os africanos, os indianos e os polinésios também tenham feito uso delas ao longo de sua história, a origem das pipas é atribuída aos chineses, há mais de 3000 anos. Lá, os famosos objetos voadores assumiam variadas formas de animais: pássaros (símbolo de felicidade), dragões (prosperidade), tartarugas (vida longa), corujas (sabedoria) ou peixes (adaptação). Qualquer que fosse o significado e o formato, acreditava-se que as pipas ajudavam a afastar os maus espíritos.

 Ao longo do tempo, seu uso místico e lúdico foi evoluindo até chegar aos experimentos. Pode-se até mesmo considerar a pipa como precursora das muitas geringonças usadas para voar, como as de Marco Polo, as máquinas voadoras de Da Vinci ou a aeronave Passarola do brasileiro Bartolomeu de Gusmão. Certa pipa teve papel importante na descoberta do para-raios, quando Benjamim Franklin em 1752, em meio a uma tempestade, lançou uma pipa no ar. O objeto parece ter tido ainda um papel nas descobertas de cientistas como Marconi, Graham Bell e outros. 
No Brasil, relatos históricos falam que as pipas trazidas pelos colonizadores portugueses eram usadas pelos quilombolas como sinal de aviso, no caso da aproximação de um perigo. Teriam sido as pipas a inspiração do brasileiro Santos Dumont para criar seu 14-Bis? Aliás, seria o 14-Bis uma pipa motorizada? Hoje, o homem voa nos balões, aviões, foguetes, veículos ultraleves, paraquedas, parapentes, asas-delta e até no bungee-jumping

De qualquer forma, o antigo sonho de estar acima das nuvens se concretizou, em primeiro lugar, no prazer de fazer voar um pedacinho de papel controlado com um novelo de linha. Empinar pipa. Uma brincadeira sadia que se tornou mortal quando alguns indivíduos sem noção e sem coração decidiram utilizar cerol, linha chilena ou aproximar-se de cabos elétricos aéreos. Oxalá, a pipa, inocente e leve, sobreviva mais uma vez.

Referências

https://www.portalsaofrancisco.com.br/curiosidades/historia-da-pipa
https://escola.britannica.com.br/artigo/pipa/481662#toc-288985

21 comentários:

  1. Logo se ve que, pelas fotos, o meu forte não era soltar pipa !! Mas que era divertido era... :)
    Me lembro da primeira pipa que o pai ajudou a fazer ! Que luta ...

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    1. hahaha, você era pequenininho... foi o maior esforço e a pipa era meio pesada...., mas foi divertido mesmo, né?

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  2. Cerol e linha chilena, matam a brincadeira e pessoas. A Humanidade andando para trás a cada dia!

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    1. Pois é, Eustáquio. depois fui ver que linha chilena é produzida industrialmente e nasceu em BH. confesso que o cerol já me deixava de cabelo em pé...Imagine isso, então, realmente, dá um desânimo... Obrigada por participar... um abraço

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  3. Como era bom brincar. Chegava em casa, ralada e suja. Qdo não levava uns petelecos por ter sumido junto com a molecada. Hoje a linha chilena acabou a inocência da brincadeira. Bons tempos

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    1. Pois é, muito triste. Acho que vender ou usar minha chilena é falha de caráter, mesmo!!!!! Abraços

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  4. Anita que saudades vc trouxe hoje, para mim. Soltar pipa,ou papagaio como era por nós chamado. Reuníamos muitas crianças para preparar o grude, as varetas de bambu e o papel de seda. Encantador. Soltar o papagaio, vê-lo no alto era motivo de vitória e grande conquista. Obrigada pela lembrança escrita com um toque de criança e poetiza.

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    1. Você não assinou, mas também é um poeta. Obrigada, são coisas que vão pulando na frente dos meus olhos e vou transcrevendo loucamente .. a memória é intrigante. Abraços

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    2. Maria Inês, descobri quem era! Obrigada, querida...

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  5. " Brincando a criança aprende o que ninguém pode ensinar"

    Adorei. Bjs

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    1. Você, como professora de Brinquedos Cantados, sabe bem do que estamos falando, né? Obrigada, querida! Beijos

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  6. Amei, especialmente as fotos do seu filhote ♥️😊🤗😘♥️

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  7. Telma, não é uma graça? ... Eu babo com essas expressões dele.. hahahahah. Obrigada, meu bem. Beijos

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  8. Anita, que nostalgia deliciosa! Brinquei de pipa quando criança, mas estava longe de ser habilidosa. Corria até cansar tentando fazer ela voar. Sempre era outra pessoa quem conseguia levantá-la para mim. Obrigada por nos presentear com o seu texto e a chance de reviver nossas lembranças de infância. Um beijo!

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    1. Oi Silvia, obrigada, meu bem... do jeito que você gosta de correr, dever ter perseguido muitas pipas na sua infância...um beijo, querida

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  9. Minha amiga Emanuela Silva postou um comentário e eu o excluí sem querer, mas ela reuniu pipas e piquenique. quer coisa melhor para as crianças?
    Neste sábado fui fazer Pic Nic com meus filhotes e soltamos pipa! Eles passaram horas voando com aquele pedacinho de seda! Aprendi muito hoje com vcs! Gratidão a todos!
    Emanuela

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  10. Anitinha!com certeza a pipa ajuda a colorir o céu e trás alegria a todos que participam deste contagiante momento.Bebel

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  11. Oi Amiga, que bom relembrar das coisas boas...
    Comigo a pipa nunca subiu, eu preferia observar e permitir que meus pensamentos voavam junto com elas
    Outra lembrança gostosa é de um pique nique com as meninas no Ibirapuera, ficamos encantados com tantas pipas no céu, lindo!!! Bjs pra todos

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  12. Lá na minha cidade, Pitangueiras, além de pipa, papagaio, conhecíamos também por cartola (geralmente um papagaio com rabiola mais curta, ou até mesmo sem rabiola - nesse caso tinha grandes franjas, que saíam de seus dois lados inferiores). Havia também a capucheta, um tipo de pipa muito simples e que não precisava de varetas.
    A sensação de empunhar a linha com a pressão do vento sustentando o papagaio ou pipa era única, sem similares, mágica.

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    1. Olha só, capucheta eu não conhecia. vivendo e aprendendo. Obrigada, Victor!

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