segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Ecos Musicais | Noel Rosa

Adoro sambas, sambinhas e sambões. Lembro-me de que minha mãe e eu cantávamos as músicas de Noel Rosa (1910-1937). Aliás, Dona Adélia sempre gostou de boa música! Lembro ainda que toda vez que ela cantava Rosa Amarela, eu morria de dó do rapaz que não queria nem choro nem vela...

Tempos depois descobri que o cantor e compositor carioca violonista e sambista Noel de Medeiros Rosa foi  um dos maiores artistas brasileiros. Apesar da morte prematura, aos 26 anos, fruto da tuberculose agravada pelas noitadas regadas a música, bebida e cigarros nos cabarés da Lapa, ele teve uma produção inacreditável: em torno de 300 músicas, entre sambas, marchas e marchinhas, em um espaço de pouco mais de 5 anos.

Resultado de um parto difícil e do nascimento a fórceps, o queixo recolhido trouxe-lhe dores e problemas permanentes no maxilar. Cresceu em Vila Isabel, bairro de classe média do Rio, foi alfabetizado pela mãe e chegou a entrar na faculdade de medicina, mas abandonaria o curso por já estar envolvido com a música. Ficou conhecido como "O Poeta da Vila". 

 

Para quem se interessa por música, recomendo muito o livro de Francisco Antonio Romanelli, Roda de samba, roda da vida, citado nas referências. 

 

Em Vila Isabel, hoje está a escultura em fibra de vidro, do escultor Rogério Bonan, réplica da escultura original em bronze e  recolhida pela prefeitura em 2019 depois de ser vandalizada inúmeras vezes. Foto Pedro Teixeira. Imagem: https://diariodorio.com/nova-estatua-de-noel-rosa-em-vila-isabel-e-feita-com-fibra-de-vidro/  Filosofia|Composição: André Filho / Noel Rosa.

Sua obra retratava as mudanças sociais e culturais da época, no início do século 20: as dificuldades econômicas, os dissabores, os amores, encontros e desencontros da vida. Tudo, devidamente filosofado e musicado nas mesas dos bares.  Vale mencionar que, nessa época, havia dois tipos de samba na cidade – o primeiro era dos "intelectuais, boêmios, pequenos comerciantes e operários modestos, ex-escravos e músicos". O segundo se espalhava pelos morros e retratava os dramas e dificuldades econômicas do cotidiano. Era mais improvisado e sempre acompanhado de cavaquinho, cuícas, tamborins, pandeiros e batidas na mesa. Noel Rosa se aproximava da segunda categoria. Talvez por isso mesmo, suas canções mais ouvidas são Conversa de Botequim (1935), Com que roupa (1930) e Feitiço da Vila (1934), todas em parceria com o compositor e arranjador paulista Vadico.

Além de Fita amarela, uma das que minha mãe e eu cantávamos era Filosofia (1933). Aliás, canto até hoje, sobretudo depois que foi regravada por Chico Buarque no álbum Sinal Fechado de 1974. Uma de suas frases me marcou, pois era e é mais atual do que nunca... Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente que cultiva hipocrisia. Abaixo a letra e a gravação original.

 

Filosofia (1933)  (Noel Rosa e Vadico)

 

O mundo me condena, e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber se eu vou morrer de sede

Ou se vou morrer de fome


Mas a filosofia hoje me auxilia

Aa viver indiferente assim
Nesta prontidão sem fim, vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim ..

 

Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo


Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia.  

 

Aqui a versão gravada por Chico Buarque de Holanda. 
 

Em 2010, ano em que o chamado Filósofo do Samba completaria 100 anos, foi homenageado pela Escola de Samba Unidos da Vila Isabel, com o samba-enredo: A presença do Poeta da Vila, de autoria de Martinho da Vila. Nove anos depois, em 2019, foi homenageado pelo Google Doodle, com ilustrações de Olívia Huynh. Em dezembro de 2020, completaria 110 anos. Saravá, Noel!  


Referências
https://www.ebiografia.com/noel_rosa/
https://www.letras.mus.br/noel-rosa-musicas/125751/
Romanelli, Francisco A. Roda de Samba, Roda da Vida. Filosofia de Botequim em Noel, Paulinho e Chico. Edições Aba, Varginha- MG 2015.
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2917/noel-rosa
 

16 comentários:

  1. Parabéns Anitinha pelo texto!
    Viva Noel!Grande compositor.Como deve ter sido bom conviver com ele.Bebel

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  2. O samba é uma de nossas assinaturas genuínas!Nos faz ter orgulho de sermos brasileiros! Um carinho muito grande por Noel Rosa! Gratidão por compartilhat!

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    1. Pois é, e conhecer a história das nossa assinaturas é essencial para preservar nossa identidade cultural, né? beijos, meu bem, obrigada por comentar...

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  3. Ele foi genial! Eu também sei várias canções de cor! Nos anos 60 ou 70, meus pais compravam uma coleção de LPs dos clássicos brasileiros, vinham em capas amarelas e eu ouvia o do Noel sem parar (perigava furar o vinil rsrs). Hoje pouca gente sabe o que "prontidão" ou "pronto" significa ou significava. Mas a canção dá uma boa dica :) Valeu, Anita! Viva Noel! ♥️

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    1. Exato! O vocabulário era riquíssimo, as letras, o ritmo... eu era e sou encantada... Valeu, Telma, beijos

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  4. Parabéns, Anita. Sempre nos enriquecendo com novos conhecimentos. Minha mãe também cantava muito as músicas dele. Saudades, bjs

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    1. Oi, querida, Dona Cibele sabia o que era bom... saudades, também... beijos

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  5. Texto leve, enxuto, bastante fundamentado.
    Bom de ler.
    Parabéns.
    Eneida

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    1. Obrigada, Eneida... a gente vai vivendo e aprendendo, sempre. Obrigada por comentar, bj

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    1. Obrigada, Daniel. O mérito está no seu olhar, porque um músico e luthier sensível como você só poderia gostar...abração

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  7. Anita seu texto encanta e canta Noel Rosa. Com sabedoria e sensibilidade você traz à lembrança este imortal "Poeta da Vila". Parabéns!!!
    Maria Inez Carvalho

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  8. Noel Rosa, cada vez mais inesquecível.
    A gravação é ótima.
    Anita, parabéns de novo pelo texto, que muita gente leia. E também o livro do Romanelli.
    Abs

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    1. Oi Victor, obrigada, meu bem... Apareça sempre, saudades e um abraço

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