Diz a nossa Constituição
Federal de 1988 que a educação é um direito de toda criança e educação é a base para o
desenvolvimento pleno, crítico e profundo do ser humano. Se a educação formal (ensino fundamental e médio) pressupõe convivência e aprendizado de conteúdos, é em casa com a família que a criança, desde a mais tenra idade, vai aprender valores morais como ética, justiça,
dignidade. Uma não dispensa a outra, ao contrário, ambas devem caminhar juntas
por toda a vida, pois é desde cedo que o caráter do indivíduo começa a se formar.
Pois bem, em maio de 2022 a Câmara dos Deputados em Brasília aprovou em caráter de urgência o texto base do projeto que regulamenta a educação domiciliar aqui no Brasil, o tal "homeschooling". Por sua vez, o Senado já declarou que o projeto não será discutido em caráter de urgência. Ao defender a educação domiciliar, alguns dizem que é direito da família escolher e que há milhares de famílias que poderiam dar essa formação em casa. Como assim? Esse tipo de educação é aplicado em países estruturados e desenvolvidos. Pode até funcionar nesses lugares e em situações excepcionais, mas, para começo de conversa, quem aqui no país tem condições de dedicar (ou pagar alguém que se dedique) 6 horas diárias aos filhos como na escola e ensinar-lhes todas as matérias de matemática a física, de trigonometria a química orgânica? Hoje terceiriza-se tudo, mas convenhamos, raras são as pessoas com condições de oferecer tudo o que a escola formal oferece....
Então, vale exercitar o raciocínio, tão bem desenvolvido na
escola formal. Pensemos em quem poderia,
por exemplo, ter esse modelo de educação: navegadores como os
da família Schurmann, ou membros das poucas casas reais existentes no mundo. Aliás, os próprios Príncipes William e Harry da Inglaterra estudaram em escolas particulares, seletivas, mas oficiais. Mais alguém? Talvez grupos que queiram reforçar determinadas tradições e/ou linhas
religiosas, preservar a criança de algum tipo de intimidação
e até mesmo evitar a convivência com outras classes sociais e
outros modos de pensar. De qualquer forma, trata-se de uma exceção à regra.
Educação de qualidade pressupõe oportunidades iguais a todos e boas escolas, bons professores e boas bibliotecas são só o começo, porque na escola não se aprende só português ou geografia. Frequentar a escola também significa ter contato com o outro, conviver com os diferentes, criar vínculos, aprender a discernir, apoiar, discordar, imaginar, refletir, deparar-se com situações estranhas, desenvolver a empatia, o pensamento crítico e tomar posição, ou seja, escola é uma fase essencial da vida e da formação do indivíduo.
Por ocasião da pandemia de covid-19 com o consequente ensino remoto, pesquisas recentes
(além daquelas futuras ou em andamento) demonstraram índices assustadores de diminuição
da capacidade de aprendizagem, de aumento da violência
doméstica, da fome e de problemas emocionais causados
pela falta de socialização e interação. São números que mostram uma realidade futura desoladora, para não dizer trágica.
Da mesma forma, a educação domiciliar, que priva o aluno do convívio com os colegas, promove o isolamento, uma visão de mundo unilateral e a falsa sensação de autossuficiência, mas não necessariamente de autoconfiança. Somos seres gregários por natureza, vivemos em sociedade e a escola é um local de aprendizado e exercício prático da cidadania, de formação democrática, de desenvolvimento de competências e sensibilidade, portanto, um lugar que forma e forja o indivíduo. É imprescindível que a sociedade reflita e exija políticas públicas inclusivas que assegurem educação de qualidade para todos. Só assim deixaremos de ser taxados como um país “não sério”, como mencionado por certo ex-presidente francês.
Referências
https://novaescola.org.br/conteudo/1546/por-que-dizer-nao-a-educacao-domiciliar
https://www.cenpec.org.br/noticias/nao-a-educacao-domiciliar
https://www.youtube.com/watch?v=CehGbj_hNNg&feature=emb_imp_woyt
Excelente análise, Anita. A educação não é do interesse apenas da família, mas da criança e de toda sociedade. Uma criança educada em lar violento vai achar que a violência é a forma de resolver os conflitos. Ninguém vive numa bolha, por isso a melhor educação ocorre nu.a escola pública é diversa. E ASSIM NOS PAISES QUE deram certo.
ResponderExcluirConcordo totalmente com sua exposição, estou com um grupo de alunos que ingressou durante a pandemia, sem contato com colegas e vida acadêmica nos últimos anos dois anos, onde o aluno deve ser o protagonismo da construção do seu próprio conhecimento, isso faz uma grande diferença.
ResponderExcluirMuito bom seu texto Anitinha!Concordo com tudo que nele está escrito.Existem lares e lares.É importante a socialização da criança ao mundo lá fora.
ResponderExcluirConcordo com sua visão, Anita. Só de pensar o trabalho que vai ser, mais tarde, para reparar os estragos... melhor seria investir, como diz você, em políticas públicas inclusivas.
ResponderExcluirPerfeita a sua avaliação! Infelizmente, as autoridades responsáveis por este trabalho deixam o assunto de lado e, por conta disso, sofreremos os efeitos por um longo período!
ResponderExcluirÉ certamente um tema polêmico este. Aqui na Austrália a educação domiciliar é regulamentada e controlada - é preciso apresentar anualmente um planejamento de estudo e e um relatório para cada criança. No Brasil, infelizmente a escola ainda é o lugar onde mais se descobre casos de violência domiciliar; além da marmita escolar ser importante para a nutrição em localidades mais pobres. A escola sem dúvida estrapola a atribuição de ser um local de ensino, apenas. .
ResponderExcluirPor outro lado, eu adoraria poder escolher os conteúdos e a forma com que meus filhos deveriam estudar. Ou até poder escolher quem seriam seus tutores - contratando um professor particular. Também existem grupos voltados para a socialização de crianças desescolarizadas, inclusive grupos de estudos.
Pois é, Joana, na Austrália pode fazer sentido, na Suécia, na Dinamarca etc., não aqui! Não como política geral!
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