sexta-feira, 26 de abril de 2024

Ecos Imateriais | Tempo de brincar

Encontrar indivíduos que sofrem de ansiedade crônica tem sido cada vez mais comum e não só nas grandes cidades. Uma sensação indefinida de fazer 500 coisas ao mesmo tempo, de sempre deixar algo para trás, de nunca ter tempo para algo diferente e prazeroso, de nunca ter tranquilidade e a impressão de um vazio constante, jamais preenchido. O pior é que não são só adultos que sofrem desse mal; jovens e crianças também. Para todos recomendo o yoga, a meditação, o estar presente, a atenção plena naquilo que você estiver fazendo. Como dizia, há tempos, lá em São Paulo, o coordenador da equipe de jovens e ansiosos arquitetos do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), "Vamos por partes; uma coisa de cada vez". Esse estar presente controla a respiração, fecha seu cone de interesse num único ponto e diminui a sensação de ansiedade resultante de um ângulo que se abre, cada vez mais. Mas neste post, vou me ater às crianças. 
 
Para começo de conversa, hoje, as crianças precisam ter agenda para organizar suas atividades – escola, ortodontista, balé, natação, judô, kumon, inglês, música, reforço, orientação, catequese... fora o tempo gasto nas redes sociais em jogos, fazendo ou assistindo a filmes de autopromoção, violência etc., desviando o foco e aumentando o isolamento social, entre outras coisas. Aliás, esse é um tema espinhoso e difícil que merece um post separado. Mas, voltando às atividades infantis - Ufa, cansei!
 
Os pais justificam dizendo querer preparar  a criança para o futuro. Mas... e o presente? É evidente que o excesso de atividades rouba das crianças o tempo para brincar, conversar com seus botões, suas bonecas, ursinhos e amigos invisíveis. A psicologia nos ensina que até os sete anos, toda criança tem amigos invisíveis, certo? Pois bem, tempo livre sem nenhuma atividade é crucial. A criança precisa de contemplação, de brechas na agenda, de tempo e espaço, de silêncio e tranquilidade para crescer e se tornar um ser humano equilibrado. Na velocidade, no excesso, na cobrança e na ansiedade não se percebe o pequeno, o detalhe, a minúcia; não sobra tempo para ver, apreender, analisar e, muito menos, entender.

Divulgação. Getty images

É nesse tempo ocioso, brincando, que a criança amplia a socialização, questiona, tenta entender fatos ocorridos, desenvolve habilidades físicas, psicomotoras e emocionais, explora, analisa, aprende, reinventa e elabora situações que acontecem na sua vidinha. E quando falo em tempo livre, ocioso, refiro-me também ao tempo de convivência, de troca e de conversas com os pais, avós, primos, com a família, porque embora a criança aprenda muito mais com o exemplo, as palavras e as conversas têm peso e ensinam consideração, respeito, compaixão, solidariedade, humanidade, empatia.

Divulgação. Getty images

O fato é que não somos máquinas, não temos que fazer tudo e estar prontos para a vida aos 10 anos de idade! Ser criança é não ter preocupações, é poder não se ocupar, além dos deveres e tarefas normais (às vezes, nada normais) da escola. É fundamental viver e saborear o tempo, a passagem das horas, o clima, o ritmo da respiração, dos batimentos cardíacos, da natureza, da vida. É urgente que as crianças retomem o contato direto com a natureza – correr, pular, subir em árvores, colocar o  pé no chão, pisar na grama, na areia, na terra, na poça d’água. É saudável e necessário sentir as diferentes texturas e temperaturas do meio ambiente nos pés, nas mãos, no corpo todo. É fantástico descobrir a vida brotando poderosa na natureza!

Claro, sempre haverá o momento de aprender outras línguas, música, natação, judô, ballet e tudo o mais que você acha que seu filho pode precisar, um dia. Mas, talvez o melhor exercício que sua criança pode fazer, enquanto ainda pode, é brincar, estar junto, ouvir histórias e conversar, de preferência com você. Mas não acredite só em mim; converse, estude, pesquise e leia Paulo Freire, Piaget, Maria Montessori, Vygotsky, Freud, Winnicott, entre tantos outros.

Referências

https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/brincar-na-educacao

https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/pediatras-destacam-a-importancia-das-brincadeiras-para-o-desenvolvimento-infantil/

https://www.pedagogia.com.br/artigos/jogoebrincadeiranaeducacaoinfantil/index.php?pagina=2

https://educacaointegral.org.br/reportagens/tedio-tempo-livre-tem-potencial-criativo-para-as-criancas-diz-autora/

 

20 comentários:

  1. Pois é , Anita eu sempre dizia que os filhos nasceram pra voar, mas como é difícil fortalecer suas asas , num sistema que massacra a autonomia e o pensamento próprio, em nome da liberdade individual.

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    1. Por isso a necessidade das conversas, do estar presente....é um tempo que será recompensado....abraços

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  2. Isso, isso, isso. Uma vez me disseram que eu era saudosista. O tempo está desmentindo.Brincar com a criança ,não é perder tempo. É ganhá-lo. Parabéns.,amiga.
    Ione Paiva

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    1. Exatamente, meu bem, nós sabemos disso, né? Saudades ..bjs

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  3. Acho que vc deveria escrever estas crônicas no Estadão, na Folha, no jornal Metropoles, na Revista Marie Claire, Uol, Terra.... Os leitores querem textos leves mas que fazem refletir a modernidade com inteligência.

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  4. Muito bom , como sempre, o seu texto Anita. Faltou carregar mais nos efeitos nocivos do celular p as crianças !

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  5. Muito bom - como sempre - o seu texto.......faltou "carregar mais " no assunto - os males que o celular faz as crianças !

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    1. Olá, com certeza, mas era muito para um só post. A questão dos celulares está no forno, obrigada

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  6. Perfeito, querida!
    As conexões nunca foram tão indispensáveis como na contemporaneidade... nem tão raras.
    Enquanto adultos, sofremos com uma rede social, espiritual, profissional, afetiva e familiar enfraquecida e isso nos adoece. Pense no mal irremediável que isso faz no desenvolvimento infantil... tragédia anunciada. Chega de nos indignar, é hora de agir! É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança... estamos juntas neste propósito nobre e urgente!
    Parabéns pelo texto, pela inspiração e pela iniciativa.
    Bjsss

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    1. Érica, querida, só podia ser você... Seguimos juntas... sempre na batalha... Beijos e saudades

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  7. Muito bom Anitinha! Seu texto nos chama atenção para os cuidados em relação às crianças no mundo de hoje.Bel

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    1. Querida vovó Bebel....aproveite e curta seus netos, como vc sabe fazer... Bjs

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  8. Dedicare del tempo a se stessi,lettura,gioco o altro significa prenderci cura di noi stessi ,ma il vero problema oggi è che siamo sempre presi dal lavoro per rincorrere il dio denaro e,così facendo trascuriamo tutto ciò che ci circonda.Per questo siamo sempre più stressati.

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    1. Ciao Tonino, vero, ma non possiamo perdere di vista la bellezza, la natura, il contatto con gli amici, vero? Tuo nipote ne ha bisogno; ne abbiamo bisogno... abbracci

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  9. Obrigada pelo alerta… e me fez pensar … … ontem com sobrinhos netos … vendo-os brincar … percebi esta necessidade de “dar espaço para as crianças contemplarem” , como colocou no texto , e então estar ao lado de bebês/ crianças, estar presente , atenta …e deixá-las brincar com naturalidade … a gente sente a brisa do lugar… obrigada ! IsaRe

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    1. Oi, querida, a contemplação é essencial para todos nós, né? Vc bem sabe.....beijos

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  10. Parabéns Anita! Achei lindo você falar das texturas e temperaturas! Antes as crianças tinham um tempo dilatado para brincar. Hoje, elas falam como os adultos que o tempo está passando muito depressa! Ah, que infância feliz eu tive!

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