sábado, 10 de outubro de 2020

Ecos Humanos | Os novos tempos (Parte 2/2)

Continuação da Parte 1.

Nesses sete meses de 2020, de março a setembro,  a pandemia da Covid 19 veio para nos mostrar que não somos tão poderosos quanto pensávamos nem temos controle de tudo. Apesar do choque, das dúvidas e das perdas, é preciso estar aberto para redescobrir, revisitar conceitos e situações, porque o olhar acostumado, não enxerga mais o “diferente”. Só vê o que teima em considerar “normal”.  

 O momento exige respostas a algumas questões fundamentais: Quem são os privilegiados que podem ficar em casa, encher seus carrinhos com alimentos e assistir às discussões virtuais? Como o Estado, a sociedade e as escolas se mobilizam para ajudar os que não têm acesso à alimentação, à internet, à uma moradia digna ou os que sofrem violência doméstica? Como corrigir esse gigantesco fosso de desigualdade, sempre existente, mas agora escancarado pela pandemia?  Como a questão da pandemia poderia ter sido abordada pelos governos, desde o início, priorizando o ser humano, sobretudo os mais vulneráveis? Como negar o que vemos agora e a necessidade imperiosa de mudança?


É preciso afirmar e reafirmar que o conhecimento ilumina, emancipa e liberta o indivíduo, trazendo-lhe capacidade de reflexão e elaboração do pensamento crítico e, por isso mesmo, nem sempre é bem-visto. A pandemia escancarou a distância entre os que têm muito e os que nada têm e mostrou que, se quiser sobreviver ao caos e aos novos desafios, a sociedade deve mudar. Urgentemente. É tempo de reconstrução, de criar um novo modelo de sociedade. O SUS provou, mais uma vez, seu valor para quem ainda duvidava do papel do maior sistema de saúde pública do mundo e mostraram-se inadiáveis investimentos maciços nos sistemas públicos de saúde, educação, habitação, tecnologia e transporte.   
 

Mobilizar-se para alcançar tais objetivos, democratizando serviços de qualidade, vai muito além da solidariedade surgida nesses tempos. O distanciamento social (ainda que negligenciado por tantos que não acreditam na doença ou recusado por aqueles que nunca pensam no outro) e a quarentena, ainda que falha em alguns aspectos, fizeram muitos perceberem que não precisavam de tanto - tantos bens, tantos objetos e sapatos, tantas roupas e bolsas. Começaram a doar. Mas solidariedade não pode surgir apenas nas grandes tragédias. Deve ser constante e parte do cotidiano de cada um. Tem a ver com o conceito de empatia (identificar-se com o sentimento do outro), e é o mínimo para podermos dormir à noite, certos de que cumprimos nosso dever como sociedade humana. 

 Além disso, é preciso garantir a sanidade mental, o equilíbrio emocional, o poder de raciocinar, resistir e não se deixar abater. Sou daqueles que não acreditam que as pessoas sairão transformadas dessa pandemia. Quem já tinha consciência da necessidade de uma ação empática, e de seu papel ativo na sociedade na busca do bem comum, continuará a agir como tal, mas aqueles ególatras, perdidos em seus próprios interesses, continuarão flanando em torno de seu mundo miúdo e fechado. É só olhar a história da humanidade. Ela se repete.  Hoje, como antes, essa sociedade pragmática e individualista só quer saber da vacina para voltar ao seu chamado “normal”.

 De qualquer forma, apesar dos perigos, se estamos vivos, se temos trabalho, teto e alimento, somos sobreviventes e devemos nos ajudar. Temos um papel nisso tudo que inclui agir no presente para o futuro. Agradeça e reinvente-se. O velho normal acabou. Uma nova era já se inicia e vem derrubando velhos conceitos. O que nos resta é estabelecer novas prioridades, novas formas de agir em relação a nós mesmos, aos mais próximos, aos outros e ao meio ambiente. Uma forma mais feminina, ecológica, coletiva, inclusiva e solidária. A música No novo tempo, de Ivan Lins pode nos dar esse chama de lucidez para criarmos uma sociedade mais humana, justa e compassiva. 

 Termino lembrando a filosofia Ubuntu, que se apoia no profundo conceito que diz Eu sou, porque todos somos, e uma frase de um arquiteto inovador e visionário, criador da cúpula geodésica e que trabalhava para criar um mundo melhor para toda a humanidade. Li e guardei a frase, não a fonte. Um arquiteto que me inspirou durante a faculdade de arquitetura e que continua a me inspirar, Buckminster Fuller (1895-1983): ”Não se pode mudar as coisas lutando contra a realidade atual. Para mudar algo é preciso construir um modelo novo que tornará o atual obsoleto.”   

O atual está se desfazendo. É tempo de criar o novo.

Referências

https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/o-trauma-da-pandemia-nao-vai-nos-redimir-diz-filosofo-mario-sergio-cortella.shtml  

https://www.worldometers.info/coronavirus/? 

https://www.bfi.org/  

https://anitadimarco.blogspot.com/2018/10/ecos-imateriais-ubuntu.html

7 comentários:

  1. Texto bonito!Real! Temos que mudar pra melhor,enxergarmos o outro como Jesus disse:Amei vos uns aos outros como eu vos amei.Bebel

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, querida! Pois é... e até hoje não aprendemos quase nada... Ainda temos um longo caminho pela frente... bjs

      Excluir
  2. É tempo de criar o novo, partindo do conhecimento existente e revestindo-nos de uma sensibilidade , humildade e empatia que nossas crenças e valores sustentam . Helena

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  4. Anita, bom ler um texto lúcido e sensível, num momento em que a bestialidade parece dominar o mundo. O nosso normal era odioso e o novo anormal aparece como este espaço de tensão entre o velho normal e o futuro incerto, porque não sei se aprenderemos as lições que a "anormalidade" poderia nos ensinar.
    Anne

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. OI, Anne. Verdade, é como se fôssemos um grito parado no ar.... Acho que um dia as mudanças vão acontecer, só não sei quando.... Obrigada, meu bem, por estar aqui. Uma honra,,, beijos

      Excluir
  5. Sim. A situação é mais complicada do que pensamos.
    Até ser solidário, nestes dias, é perigoso.
    Só a mudança de muitas realidades pode trazer alguma esperança.

    ResponderExcluir