quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Ecos Linguísticos| Língua falada


Amo a língua portuguesa tão variada, sonora, poética e forte. Nossos termos únicos, verbos, substantivos, adjetivos, expressões e regionalismos são a matéria-prima de nossa escrita, nossa poesia e nossa música. Tudo tem a ver com a beleza da palavra, da língua que, por sua vez, tem a ver com identidade, apropriação do que é nosso e autoestima. Isso se consegue aos poucos, desde tenra idade, por meio do incentivo à leitura, de um processo de desenvolvimento do raciocínio, do pensamento crítico e de elaboração, criando sempre novas sinapses.

Comum a mais de 250 milhões de falantes, a língua portuguesa tem, é claro, muitas diferenças e variantes. Apesar dos diversos sotaques, dialetos e modos  inusitados de dizer a mesma coisa, apesar das nuances entre o português falado aqui no Brasil e o falado em Portugal e em outros países, se destacarmos apenas as regiões de nosso país continental, é sempre uma delícia ver a riqueza e a variedade de nossa língua falada. Sempre me encanto com a origem, a história das palavras, o surgimento de gírias, os modos de dizer e nomear as coisas, as reduções ou junções de palavras, os neologismos, os arcaismos... tudo acompanhando expressões e gestos típicos das diversas regiões. Aliás, acredito que a própria sonoridade e a variedade de formas de expressar a mesma coisa (lembrando Umberto Eco) é que tornam o Português falado aqui no Brasil essa língua bonita, forte e que agrada muito o ouvido estrangeiro. Que o diga Guimarães Rosa, com suas centenas de neologismos...

Ah, sim, além dos sotaques e dialetos locais, os brasileiros, sobretudo os descendentes de italianos, falam também com o corpo, com os olhos e com as mãos. E como gesticulamos.... Mas isso também não é uma delícia? Uma característica encantadora tão nossa, tão própria, tão natural? Certa vez, logo que cheguei em Minas Gerais, perguntei a um mineiro: - Onde fica tal lugar? Movendo os olhos e o queixo na direção do lugar perguntado, respondeu: - Logo ali.  Claro, claríssimo. Entendi, perfeitamente. Em minha defesa, fico com os gestos imprescindíveis das mãos. Prendam as minhas mãos e, como boa descendente de italianos, ficarei muda....  

Dito isso, devo dizer que considero bem desagradável ouvir alguém criticar modos de falar diferentes dos seus, sobretudo de forma arrogante e em tom de desprezo, como se apenas uma forma de se expressar fosse a correta. Ora, para mostrar domínio e conhecimento da língua, não é preciso ser aquele sujeito inconveniente e prepotente, que corrige todo mundo o tempo todo. A língua falada é espontânea e diferente da forma escrita. Esta, sim, segue regras e padrões próprios em registros específicos. Afinal, a língua é um dos pontos que nos une como povo; é viva e não deve nos amarrar, ao menos não na forma falada... É forma de expressão única que deve ser apropriada pelo indivíduo, reforçando sua identidade e sua autoestima; é um laço que nos une como nação.  

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Ecos Culturais | Aprendizado e autoestima


Teodoro Sampaio. Imagem: Divulgação
Uma das observações de um livro que estou lendo sobre Educação, cuja resenha está em andamento, fala de uma atitude deletéria, mas bem comum na nossa historiografia: tornar invisíveis figuras e personalidades negras, sejam eles autores, escritores, poetas, artistas, músicos. Inconscientemente ou não, isso expõe a dificuldade em aceitar o pensamento e a influência dos negros, como se só os brancos tivessem esse poder. 
Não! Isso não é prevenção minha, como alguns vão afirmar, porque basta dar uma olhada nos livros didáticos brasileiros para perceber, por exemplo, o branqueamento (nas fotografias) a que são submetidos grandes nomes da nossa literatura.

Por isso, fiquei muito surpresa e feliz ao saber que um jogo de cartas (20 no total), o Jogo Afro-Históricos, foi desenvolvido pela estudante de design Polianna Silva, com apoio do programa Rumos Itaú Cultural para corrigir, ao menos em parte, essa falha. Brincando, crianças e jovens aprendem a trajetória, a vida, as dificuldades e as contribuições de negros em vários campos do conhecimento. 
Esse tipo de atividade é fundamental para quebrar o paradigma hegemônico, ainda que "inconsciente", de que negros só podem ter ação e papel subalternos. Não! Em todas as raças, cores e etnias, há homens e mulheres brilhantes, lúcidos, resilientes e inovadores. É claro, há muitos outros também como nós, menos lúcidos, menos brilhantes e mais comuns. Normal, não?   
Jogo Afro-Brasileiros. Imagem: Divulgação
Tais jogos têm um valor incomensurável no processo de aprendizagem, porque além de educativos e lúdicos, eles atraem, fazem pensar, esclarecem o conteúdo pedagógico e aumentam a autoestima de membros de determinados grupos. Ao jogar, eles descobrem sobre o outro e se descobrem. 

A título de exemplo, cito algo que acontece comigo. Sou capaz de me lembrar muito bem de todas as capitais dos países do mundo (pelo menos daquele mundo que existia na minha época de ginásio), graças a um jogo de quebra-cabeças que montamos quando eu estava na sexta série, lá nos meus tempos de Colégio Santana, em São Paulo. Lembro-me até hoje do nome da professora, Irmã Zilda, uma religiosa simpática, alegre, com carinha sempre rosada de tanto correr para lá e para cá na aula. Depois o mundo mudou, as fronteiras se modificaram, novos países, novas fronteiras e novas capitais surgiram. Mas aquelas antigas até hoje estão comigo, gravadas no fundo da memória e dali não escapam. 
São iniciativas desse tipo que provam que a educação pode, sim, ser altamente eficaz e simples, ao mesmo tempo.