quinta-feira, 16 de maio de 2024

Ecos Urbanos | A natureza não tem culpa

Enchentes no RS, 2024. Divulgação
Neste momento, tenho comigo uma mistura de sentimentos: tristeza diante do desastre climático que se abateu sobre o Rio Grande do Sul; alegria por ver a solidariedade das pessoas; indignação por ver os oportunistas se aproveitando da dor alheia, os negacionistas de plantão divulgando mentiras deslavadas e notícias falsas, e por ver os roubos surreais que temos visto acontecer. 
 
Tenho também algumas certezas: esses e outros eventos climáticos extremos não são fatos isolados; o mundo mudou, o clima mudou e tais acontecimentos serão cada vez mais recorrentes; as pessoas sem noção ou compaixão que têm coragem de roubar ou desviar recursos numa hora dessas não têm qualificação; há a necessidade imperiosa de mudanças na fiscalização, no planejamento e na implantação das nossas áreas urbanas.  Mas a maior certeza é que grande parte dos políticos deve, urgentemente, mudar seu foco e suas prioridades. Quem se candidata a algum cargo público, seja ele qual for e em nível for, deve reler os filósofos (Platão e Aristóteles em especial) e, por princípio, desejar e buscar o bem comum, servindo às pessoas, às cidades, e não a si próprio e aos “seus”. 
 

Dizem que grandes absurdos não conseguem ser expressos por palavras e como estou perplexa e  triste, cedo a palavra ao querido amigo Carlos Sá, de Sobradinho, no Distrito Federal, com seu artigo Sem Choro Nem Vela, escrito há mais de dez anos para o jornal O Nosso e que será reeditado na edição de junho. Palavras proféticas e terríveis. Tristes trópicos, como disse quase profeticamente o antropólogo Claude Lévy-Strauss (1908-2009).

 Sem choro nem vela (Carlos Sá*)

 “Terra és o mais bonito dos planetas, estão te maltratando por dinheiro, tu que és a nave nossa irmã”  (O sal da Terra - Beto Guedes e Ronaldo Bastos).

Num antigo artigo que escrevi para O Nosso, há mais de dez anos, eu dizia que as mudanças climáticas vieram pra ficar. Agora, diante dos eventos que vemos e vimos acompanhando, posso dizer que além de se tornarem coisas corriqueiras no nosso dia a dia, elas deverão se intensificar.

Escrevo essas linhas enquanto todos acompanhamos, pela TV, a tragédia que se abate sobre o Rio Grande do Sul, um estado que, há pouco tempo, experimentou secas fora do padrão usual e agora está literalmente debaixo d’água.

Como diz uma velha e sábia tia, Deus perdoa sempre; o ser humano, às vezes; mas a Natureza, nunca. Nesses tempos estamos experimentando a conta que está sendo cobrada pelo nosso desrespeito e arrogância em nos acharmos donos do planeta, não respeitando suas leis e seu destino.

Por isso, diante desses tempos devemos começar a nos adaptar aos dias que virão, com muita sabedoria e calma, procurando mostrar, aos que ainda duvidam dessas mudanças, que o tempo da cobrança já chegou e vai continuar. Quem não aprende por bem, por mal aprenderá. Essa é a lei e contra ela não tem choro nem vela.

*Carlos Sá é jornalista e colaborador do boletim O Nosso, da Fraternidade Eclética Espiritualista Universal (FEEU), Brasília. (E-mail: carlitos.way@uol.com.br)


Jardins de chuva. Divulgação

No entanto, sempre há algo que podemos fazer, como indivíduos, como sociedade e como poder público, sobretudo no nível local: priorizar o ser humano e o coletivo, ajudar, informar-se nos lugares certos, aprender, modificar hábitos e atitudes cotidianas, alterar a legislação, parar o desmatamento, respeitar as leis ambientais, criar sistemas sustentáveis para escoamento e reaproveitamento das águas pluviais, utilizar pisos drenantes, diminuir a impermeabilização das cidades e das nossas casas, reabrir córregos canalizados, criar corredores verdes, parques lineares, cidades-esponja, parques alagáveis, jardins de chuva, enfim, respeitar a mãe Terra.

Referências

Ghisleni, Camilla. "Enchentes no Rio Grande do Sul: a tragédia das cidades não resilientes". 13 Mai 2024. ArchDaily Brasil. Disponível em <https://www.archdaily.com.br/br/1016391/enchentes-no-sul-do-brasil-a-tragedia-das-cidades-nao-resilientes>. Acessado 14 Mai 2024. ISSN 0719-8906

https://anitadimarco.blogspot.com/2021/05/ecos-urbanos-jardins-de-chuva.html

https://www.archdaily.com.br/br/01-166572/parque-manancial-de-aguas-pluviais-slash-turenscape?ad_medium=widget&ad_name=more-from-office-article-show 

https://www.archdaily.com.br/br/1009218/estrategias-urbanas-anti-inundacao-em-cidades-latino-americanas

https://www.archdaily.com.br/br/985555/parque-rachel-de-queiroz-architectus-s-s

https://www.archdaily.com.br/br/991236/parque-linear-do-corrego-grande-ja8-arquitetura-viva

https://www.archdaily.com.br/br/954815/projeto-transforma-espacos-ociosos-em-hortas-urbanas-em-roraima  

https://www.feeu.org/jornalonosso/categories/palavra-do-mestre 

terça-feira, 7 de maio de 2024

Ecos Humanos | Crianças e as redes (2/2)

Este post é continuação do anterior, então, se ainda não o leu, clique aqui.

Hoje, depois de alguns anos da existência das redes sociais, uma grande quantidade de profissionais das áreas da saúde e da educação, amparados pela ciência, pesquisas e vivência pessoal, vêm alertando a sociedade sobre o mal causado às crianças e aos adolescentes a partir do uso irrestrito e abusivo das redes sociais, telas, celulares e eletrônicos, em geral. Alertam para a relação comprovada entre esse uso e inúmeros problemas de saúde física, mental e emocional como depressão, ansiedade, insônia e (pasmem!) mudança (diminuição ou aceleração) do tempo natural de desenvolvimento, maturação cerebral e as devidas consequências, inclusive em função dos estímulos visuais desses eletrônicos.

Em outras palavras, o mau uso (ou excessivo) pode afetar a formação de jovens e crianças causando: diminuição da atividade física e afastamento da natureza, com a consequente perda de habilidades motoras, físicas e mentais; perda da capacidade de comunicação, elaboração, interação e empatia; aumento da intransigência, da solidão e da baixa autoestima, em função da comparação com os "modelos" criados pelas redes. Além disso a criança fica sujeita a inúmeros perigos como golpes, assédio, perseguição e abusos sexuais online, violência, aliciamento, constrangimento, automutilação, roubo de dados pessoais, conteúdos e pedidos impróprios de redes de pedofilia, mutilação, dependência e outras questões médicas e de saúde pública.

Sem dúvida, a tecnologia é um ganho imenso para a sociedade, não tem volta, mas até que ponto devemos ser escravos dela? Escravos displicentes e inconscientes? Infelizmente, como bem disse o linguista, filósofo e tradutor italiano Umberto Eco, a internet deu voz a milhares de imbecis. Crianças não têm malícia, conhecimento ou discernimento suficientes para se protegerem e, por isso, os pais têm obrigação de impor regras e falar abertamente a eles dos riscos envolvidos. Sobretudo porque as plataformas, em geral, são projetadas para colocar em prática poderosos métodos de persuasão visando manter os usuários cada vez mais envolvidos. Portanto, elas também devem ser reguladas, responsabilizadas e cobradas quanto à transparência e ações nesse sentido, mas nada exclui a presença e a fala responsável de um adulto consciente.

No caso de adolescentes, já que o uso é inevitável, uma conversa franca, aberta e didática com pais, professores e responsáveis pode mostrar os riscos e prevenir (mas não impedir) que esses jovens sofram as consequências do mau uso. Nos Estados Unidos, um estudo recente detectou que, de quase sete mil jovens pesquisados entre 12 e 15 anos, “os que passavam mais de três horas por dia nas redes sociais tinham o dobro do risco de sintomas de depressão e ansiedade do que os não usuários”. Já a redução do uso de mídias sociais mostrou melhorias na saúde mental.

Um último alerta aparentemente incontestável, mas sempre necessário: as redes sociais são um universo abstrato, irreal, fictício e ilusório, onde tudo pode ter sido inventado, com dados bem distantes da verdade e, enquanto o jovem fica ali fechado, vivendo e acreditando naquele mundo virtual, a vida aqui fora está passando. Como bem dizia a letra da música “Beautiful boy”, de John Lennon “Life is what happens to you while you are busy making other plans”.

Um dos profissionais que mais alertam os pais nesse sentido é o pediatra e sanitarista Daniel Becker (Instagram @pediatriaintegralbr) que traz conversas valiosas sobre temas ligados às nossas crianças. A esse respeito, a própria Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) criou um manual para ajudar os pais a entenderem com o que estão lidando. 

Em tempo. No Senado Federal, está em análise o Projeto de Lei 2.628/2022, que proíbe a criação de contas em redes sociais por menores de 12 anos de idade.  

Referências

https://surfshark.com/pt-br/blog/perigo-das-redes-sociais

https://www.fadc.org.br/noticias/redes-sociais-criancas

https://www.cnnbrasil.com.br/saude/redes-sociais-apresentam-risco-profundo-de-danos-para-criancas-alerta-cirurgiao-geral-dos-eua/  

https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-09/exposicao-excessiva-de-criancas-em-redes-sociais-pode-causar-danos

https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/sem-abusos-mais-saude/