Todo mundo já ouviu ou percebeu, ao menos uma vez na vida, que nem todo 'religioso' age com profunda religiosidade e que nem todos que têm religiosidade são religiosos. Dito de outra forma, um indivíduo pode demonstrar e agir com sublime religiosidade mesmo sem ser 'religioso'. Explico.
Religião, do latim religio, significa religar (religação) o indivíduo com o divino no seu interior. Daí também advém o termo yoga, do verbo yug – religar o indivíduo à sua parte mais nobre, sua essência divina. Religião, porém, é um sistema formal de crenças, símbolos e rituais de determinada fé, praticado em conjunto e conforme um livro específico: o Alcorão, a Bíblia, a Torá, os Vedas, o Dhammapada etc. Como sistema, toda religião estabelece certo controle ou tutela do comportamento humano, brecando ou estimulando "desvarios", como diz o educador Mário Sérgio Cortella em seu excelente vídeo Religião e Religiosidade. Ademais, nas religiões, a ligação entre o indivíduo e a divindade sempre necessita de um intermediário. Muitos, no entanto, até são criados dentro de determinada religião (ou sistema), mas não a praticam, nela permanecendo apenas pelo rótulo e a sensação de "pertencer” a algum grupo.
Religiosidade, por outro lado, é uma forma de refletir e agir sobre
a própria vida e a prática religiosa. Tem a ver, portanto, com consciência e autoconhecimento. É algo que surge na vida do indivíduo, em algum momento. Assim, a partir de determinado estágio, o homem com religiosidade
desenvolvida é capaz de agir de forma ética, correta, íntegra, sem
tutela ou controle externo. Isso porém não o impede, evidentemente, de praticar
alguma religião. Ora, cada um de nós, porém, tem em si esse canal natural, direto e
sem intermediários com o Criador, com o Divino. É essa conexão individual com o universo,
com a Vida, a Energia Suprema, o Absoluto, a Força Universal, Deus, Alá,
Javé, Brahma, Olorum...Não importa o rótulo e, sim, a conexão sempre presente com
essa força.
Espiritualidade, termo bastante imbricado com religiosidade, leva o indivíduo a buscar a verdadeira essência da religião, do religare, que é cuidar do espírito, buscando essa conexão, além do aspecto material da vida. É a tendência natural de procurar a transcendência, o sagrado e entender as questões sobre a vida e a morte. Independe de quem quer que seja e pode existir dentro ou fora de uma prática religiosa. É como uma marca, um selo, um carimbo profundo e permanente, algo tão entranhado em cada um que, mais dia menos dia, o indivíduo vai sentir a necessidade de buscar por si só essa conexão e poderá encontrá-la, de várias formas.
Coexistência| Memorial
da Fé (2021). Mural de Eduardo Kobra, no muro lateral da
Igreja do Calvário, Pinheiros, São Paulo. Imagem: https://www.eduardokobra.com |
Porém cada um tem seu tempo e sua maneira de chegar a essa religação com o divino em si mesmo. Urgente mesmo é evitar, a todo custo, o preconceito com formas diferentes das nossas de buscar essa religiosidade ou espiritualidade. Infelizmente, mesmo hoje, quase meados da terceira década do século 21, esta parece ser uma lição de difícil aprendizado. A História, porém, está aí e nos ensina que intolerância religiosa e discriminação só causam violência, conflitos e dores. Agir de forma humana e coerente com o que prega o Deus misericordioso e amoroso de sua religião é o que se espera de cada um. O resto é buscar um subterfúgio para mentir para si mesmo.
Referências
https://www.netmundi.org/filosofia/2020/filosofia-religiosidade-e-religiao/
https://www.clinicarezendejf.com.br/religiosidade-e-espiritualidade-na-saude-mental/
https://diferenser.com.br/precisamos-falar-sobre-religiao-religiosidade-e-espiritualidade/
https://www.eduardokobra.com/projeto/6/coexistencia