quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Ecos Humanos | Catadores de Recicláveis

O tema deste post não está todos os dias nas manchetes dos jornais, mas permeia o cotidiano dos cidadãos. O Jornal da USP, em sua edição de setembro, publicou um artigo sobre a tese Análise da integração de catadores à gestão de resíduos para uma transição justa para a economia circular da engenheira ambiental Ana Maria Rodrigues Costa de Castro, pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). 

O artigo trazia dados sobre os catadores de recicláveis, seu papel na economia criativa, mostrando que continuam invisíveis e sem reconhecimento na sociedade, assim como qualquer pessoa em uma função menos “nobre”. No entanto, basta ficarmos alguns dias sem um tipo de serviço, como o dos varredores de rua e dos lixeiros, por exemplo, que já sentimos sua falta. Catadores são trabalhadores informais que coletam, separam e comercializam materiais como papéis, vidros, metais e plásticos, impedindo o aumento exponencial de resíduos nos nossos cursos d’água. Embora a atividade ainda seja tratada como "doação de resíduos, na verdade, é um serviço ambiental que deveria ser pago”, diz Castro. 

Para a pesquisa, a autora conversou com catadores e lideranças de cooperativas daqui e do exterior, e criou diretrizes para políticas de integração entre os envolvidos e governos ou empresas. O objetivo foi propor uma transição justa para a economia circular, prolongar a vida útil dos produtos, favorecer o desenvolvimento sustentável e incentivar novos negócios

Além do Brasil, foram pesquisados a África do Sul, a Índia, o Quênia, o Canadá e os Estados Unidos. Mesmo longe do ideal, o estudo demonstrou que o Brasil aparecia na frente no que se refere ao reconhecimento legal da atividade, leis de inclusão e parcerias entre catadores, empresas e órgãos públicos.  Mesmo assim, a maioria dos municípios brasileiros recicla menos de 3% dos resíduos urbanos e grande parte das cooperativas continua sem contratar e remunerar esses trabalhadores.

As diretrizes propostas na tese alinham-se ao programa Pró-Catador, lançado pelo governo federal em 2023 para fortalecer o grupo e ampliar sua ação na cadeia da economia circular. Citam ainda a organização Pimp My Carroça, que busca melhorar as condições de trabalho e a qualidade de vida dos catadores, reduzir a estigmatização da categoria, com ações como pintura de carroças e o aplicativo (Cataki), que conecta população e catadores, e implementar programas de capacitação como o Pimp Educa, no qual os próprios catadores dão palestras sobre educação ambiental. 

Os dados mostraram que o Sul Global concentra as pesquisas sobre integração desses grupos, em especial a América Latina (68% dos resultados), onde já existem políticas públicas específicas e mobilização social. No plano internacional, das 39 iniciativas de coleta seletiva e triagem pesquisadas, só 13 previam remuneração, o que mostra que essas pessoas ainda não são consideradas “trabalhadores”. 

No Canadá e nos Estados Unidos, em geral, a coleta não é reconhecida como profissão e, em sua maioria, é exercida por imigrantes em situação irregular, o que reforça seu estigma e marginalização. O Canadá apresenta programas com maior participação do setor privado e atividades de conscientização, advocacia e geração de renda, mas a integração ocorre em pequena escala, dentro das próprias comunidades e sem vínculo direto com os sistemas governamentais.  Outro tipo de programa propunha a contratação de catadores pelos organizadores de eventos. Uma vez uniformizados e com equipamentos de proteção individual (EPIs), eles eram treinados para interagir com o público e explicar sua função ali: fazer a triagem de resíduos no local. A ação teve bons resultados quanto à redução do estigma em torno da atividade e reforço de sua importância socioambiental.

Nesse sentido, vale lembrar um dos muitos programas criados pelo então prefeito de Curitiba, o arquiteto Jaime Lerner. O Programa Lixo que não é Lixo, prêmio máximo das Nações Unidas para o Meio Ambiente (1990), estimulava a coleta e a reciclagem, na troca dos materiais descartados por vale-transporte. A família de "folhinhas" era a marca registrada do programa premiado. 
 
Nas cinco regiões brasileiras, as demandas mais frequentes são: valorização e o reconhecimento da categoria, garantia de cidadania e direitos, remuneração justa, capacitação, aumento de renda e oferta de novos serviços, além da coleta e triagem. Um grupo de pesquisadores, catadores e representantes dos setores envolvidos (público, privado e terceiro setor) se reuniu e apresentou 84 diretrizes de integração, divididas em sete categorias: ações aplicáveis a catadores brasileiros e estrangeiros; programas municipais de coleta seletiva e triagem; iniciativas voltadas a catadores individuais; programas de pagamento por serviços ambientais; fechamento de lixões; sistemas de logística reversa; e prestação de serviços pelo setor privado. A autora do estudo avalia que as diretrizes de integração propostas vão contribuir para a discussão de políticas públicas de Economia Circular no Brasil e para criar ferramentas de avaliação dessa integração.

Beleza de estudo, não? Só assim avançamos, com dados concretos e bem dimensionados. E viva a universidade pública que abre as portas para a ciência e para as pesquisas que procuram entender, analisar, aprender e propor medidas para melhorar a qualidade de vida da população em geral, nos mais diversos setores.   

 

Referências

https://jornal.usp.br/ciencias/catadores-de-reciclaveis-sao-essenciais-para-economia-circular-mas-seguem-sem-reconhecimento/

https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/procatador/programa-pro-catador

https://pimpmycarroca.com/?srsltid=AfmBOoowH76tK_N1_N4LYP2D2wqmYlzjhQ4hvl8JwmxRFk67I1hLWjCv

https://www.gazetadopovo.com.br/curitiba/familia-folha-vai-voltar-com-traco-de-ziraldo-para-curitiba-aumentar-o-lixo-reciclado/

https://pimpmycarroca.com/?srsltid=AfmBOoqLkMqTLU8mBI0JKZeVAUTdd5pphkt85S-3OducGIJ_cjjd_GX9 

https://www.institutojaimelerner.org/prefeitura

https://bairru.com.br/o-legado-de-jaime-lerner-para-curitiba/ 

Ana Maria Rodrigues Costa de Castro, anamcastro@usp.br 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Ecos Linguísticos | A riqueza da “última flor do Lácio”


O português é uma das quatro línguas derivadas do latim, ou seja, é uma língua românica ou neolatina. As outras são o francês, o espanhol e o italiano, correto? Pois nossa língua já foi chamada de “última flor do Lácio” por ninguém menos que o jornalista carioca, escritor e poeta parnasiano Olavo Bilac (1865–1918).

 
O chamado “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, em seu soneto Língua Portuguesa, qualificou-a de inculta e bela. “Inculta", por ser a última língua derivada do latim vulgar, então falado na região italiana do Lácio, pelos mercadores, camponeses, soldados, povos vencidos em batalhas e trazidos escravizados à capital do império romano. Era, portanto, a língua da camada mais popular da sociedade, diferentemente do latim clássico, falado correntemente nos ambientes mais nobres, religiosos, militares e intelectuais. Mas Bilac chamou-a também de “bela”, porque, ainda que inculta, a língua portuguesa continuava sendo bela. 

Bem, os que trabalham com a língua no seu dia a dia já sabem disso - que ela é bela, mas aqui quero lembrar uma das muitas outras riquezas do português: a quantidade de expressões idiomáticas. Em geral, a maioria usa o sentido figurado (conotativo) das palavras e não o denotativo, o real do dicionário. Assim, só para lembrar algumas dessas expressões bem criativas, seguem alguns exemplos conhecidos por nós, nativos, mas nem tanto por outros povos:  

 

Abotoar o paletó/ bater as botas – morrer
Amigo da onça – falso amigo
Andar nas nuvens – estar distraído
Armar um barraco – criar confusão
Arrancar os cabelos – ficar muito estressado
Arregaçar as mangas – pôr-se a trabalho
Balde de água fria – saber de algo desanimador
Bater na mesma tecla – insistir no mesmo assunto
Botar a mão na massa – trabalhar sem medo
Cair a ficha – entender algo que não estava claro
Chutar o pau da barraca – perder a paciência de forma drástica 
Dar o braço a torcer – ceder, admitir um erro, voltar atrás
Engolir o disco – tagarelar
Estar nas nuvens – estar longe com o pensamento, em devaneio.
Fazer algo com o pé nas costas – fazer com facilidade
Manter boca de siri – guardar segredos
Mudar de pato para ganso – mudar de assunto
Pôr a boca no trombone – revelar um segredo
Quebrar galho – dar uma ajuda
Tirar de letra – fazer algo com facilidade
Virar o disco – mudar de assunto
Voltar à vaca fria - voltar ao assunto inicial

E por aí vai... Claro, a lista é imensa, mas isso tudo é um estímulo à leitura, num tempo em que as pessoas parecem ler cada vez menos literatura e mais e mais textos curtos (e muitos sem noção) das mídias sociais. Quanto mais lemos, mais aumentamos nosso vocabulário, nosso repertório e o conhecimento dessas ricas expressões! Que tal, vamos “tocar em frente”?

Referências

https://www.todamateria.com.br/conotacao-e-denotacao/

https://www.significados.com.br/flor-do-lacio/

https://www.migalhas.com.br/depeso/346858/ultima-flor-do-lacio