Arquitetura parece estar em voga, de novo. A retomada do papel da arquitetura para a melhoria das cidades, dos espaços públicos e privados parece estar em alta e as mulheres da área também. Nada mais justo e merecido. Na verdade, já passou da hora desse papel vir à tona. Mas não se trata de reverenciar uma ou outra estrela da arquitetura, surpreendente autor(a) de obras faraônicas ou megaestruturas. Não! Falo dos arquitetos do dia a dia, preocupados com uma ação projetual refletida, pensada para melhorar a qualidade de vida do outro, seja por meio da habitação, dos espaços comuns privados e públicos, e das cidades em geral.
Afinal, desde as cavernas, nosso primeiro abrigo, a arquitetura continua abrigando nossas atividades cotidianas: moramos, estudamos, trabalhamos, nos tratamos, fazemos compras, nos divertimos, nos exercitamos e passeamos em espaços construídos (ou naturais), abertos ou não, públicos ou privados.
Arquiteta Nádia Someck. Divulgação |
Pela primeira vez, desde sua criação, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-BR) elegeu, no início de 2021, uma mulher: a professora, arquiteta e urbanista Nádia Someck, egressa da FAU-USP e hoje professora da FAU-Mackenzie. Defende uma pauta de inclusão, de diminuição da vulnerabilidade da habitação, moradia para todos, aplicação da lei de Assistência Técnica à Habitação Social (ATHIS), a proteção e uso do patrimônio cultural, a importância do papel social do arquiteto na sociedade, entre outras metas.
Arquiteta Ermínia Maricato. Divulgação |
Ermínia Maricato, outra arquiteta, urbanista e professora da FAU-USP, foi a primeira mulher a ganhar a Medalha de Ouro, o prêmio máximo da Federação Pan-americana de Associações de Arquitetos (FPAA). O prêmio inédito, no final de 2020, foi um reconhecimento do trabalho incansável da pesquisadora e ativista incansável em prol da reforma urbana no Brasil e da qualidade de vida das cidades e dos cidadãos. Aliás, o tema, muito discutido na Assembleia Constituinte de 1988, entrou, pela primeira vez, como um capítulo da nossa Constituição Federal. Ermínia também participou da criação do Ministério das Cidades, sendo sua primeira secretária-executiva.
Outras
profissionais destacadas pela FPAA foram as arquitetas Dora Monteiro e Silva de
Alcântara, defensora da preservação do patrimônio cultural e do ensino
da arquitetura brasileira, e Margareth Aparecida Campos S. Pereira, nas áreas
dos estudos culturais. O arquiteto
Gilson José Paranhos de Paula e Silva foi destacado como referência na área de habitação
social e o prêmio Arquiteto das Américas coube ao colega uruguaio Hector Vigliecca, radicado no Brasil há mais de 40 anos e outro
grande defensor da habitação popular de qualidade.
Lina Bo Bardi. Divulgação |
Outra arquiteta, em voga há alguns anos é Lina Bo Bardi (1914-1992). Autora de projetos icônicos como o MASP e o SESC
Pompeia, este recém-eleito uma das 25 obras em concreto mais importantes do mundo nos
últimos 25 anos, Lina Bo Bardi
recebeu, postumamente, o Leão de Ouro da Bienal de Veneza pelo conjunto da
obra. Uma bela homenagem, sem dúvida, mas acredito, como tantos outros admiradores de sua obra, que esse prêmio, como qualquer outro, deveria ser dado em vida,
sempre.
SESC Pompeia - Foto: Anita Di Marco |
Também egressa da FAU-USP, a professora e pesquisadora Ruth Verde Zein é outra profissional que veio para ficar, chacoalhar conceitos e estruturas cristalizadas, apontar a constante desvalorização das pesquisas realizadas ao sul do Equador e provar seus argumentos com base em dados e números. Autora de inúmeros livros, premiada pela Capes como autora da melhor tese de doutoramento, em 2006, ela recebeu, em julho último, o Bruno Zevi Book Awards 2020, de acordo com o Comitê Internacional de Crítica da Arquitetura – CICA, pelo seu livro Critical Readings. O livro bilíngue, publicado pela Romano Guerra
Editora em parceria com a Nhamerica Platform, teve a versão para o inglês assinada por mim e pela tradutora Ann Puntch (in memorian).
Por fim, o Pritzker 2021, prêmio máximo da arquitetura mundial, foi dado a um casal, Anne Lacaton e Jean Philippe Vassal cuja visão e ação profissional coerente enfatiza que "a arquitetura mais simples deve acolher o habitar e não só o olhar". Na sua prática, é possível identificar uma atuação que prioriza o coletivo, soluções generosas e assertivas. Algumas de suas frases mostram a que vieram:
Lacaton e Vassal. Divulgação |
“Os edifícios iconográficos como os construídos em cidades como Xangai ou Dubai, que aparecem em revistas, ou os espaços espetaculares, são feitos para ser olhados de fora. São imagens de representação. Arquitetura é outra coisa. É estar dentro. É habitar".
"Arquitetura também é um ato político. Devemos manter a ambição do espaço e o prazer de habitar. É preciso integrar este modelo na economia".
"Não podemos criar espaços que criem constrangimentos. A ideia é encontrar as soluções mais simples. É o grande desafio da arquitetura deste tempo."
"Devemos ensinar a olhar e refletir. Olhar é a chave da aprendizagem. [...] Ensinamos que é mais importante olhar para a cidade do que para o computador e que é preciso encontrar as suas ideias não a partir da teoria, mas da observação e da reflexão. Ensinamos a coragem de ter opiniões e a liberdade de pensar, de sonhar e de realizar o sonho
"Em primeiro lugar a arquitetura deve ser um ato de generosidade".
https://expresso.pt/cultura/2016-09-15-Arquitetura-e-um-ato-de-generosidade
https://www.dezeen.com/2021/04/22/jean-philippe-vassal-face-to-face-podcast-interview/
https://www.caubr.gov.br/arquiteta-e-urbanista-nadia-somekh-e-eleita-presidente-do-cau-br/
https://caubr.gov.br/erminia-maricato-e-a-primeira-mulher-a-receber-a-medalha-de-ouro-da-fpaa/
https://vitruvius.com.br/jornal/news/read/3221