quinta-feira, 28 de março de 2024

Ecos Urbanos | PIB vs FIB (2/2)

Segue agora nosso post sobre o Butão. Se ainda não leu a primeira parte, leia aqui.

Apesar de não ser tudo cor-de-rosa, apesar dos entraves políticos, conflitos étnicos e da crise de refugiados do país, regra geral, o Butão atua sob a égide do FIB – Felicidade Interna Bruta. Assim, buscando um meio termo entre os aspectos econômico e humano, suas propostas incluem diferentes usos do espaço público, valorizam o contato da população com a natureza e investem em infraestrutura, educação e tecnologias sustentáveis. Nesse processo, são considerados e valorizados aspectos aparentemente subjetivos como relação com a espiritualidade, nível de otimismo dos indivíduos, distribuição do tempo entre trabalho, lazer e/ou estudo etc.

Mindfulness City. Divulgação BIG

Com base nesses conceitos, o escritório dinamarquês BIG (Bjarke Ingels Group) anunciou um projeto para a cidade de Gelephu, perto da fronteira com a Índia. Trata-se da "Mindfulness City" que pretende unir natureza e pessoas, futuro e patrimônio histórico. Em uma área de 1.000 km2, o projeto inclui aeroporto internacional, hidrelétrica, templo e várias pontes com distintos equipamentos urbanos: mercado, clínica médica, universidade, centro cultural e centro espiritual.

Divulgação: BIG

No âmbito urbano, promovendo a biodiversidade com diversos ecossistemas e paisagens naturais, e inspirando-se na arquitetura tradicional butanesa, o desenho da cidade propõe um sistema de bairros projetados ao redor de rios que remetem a campos de arroz, enquanto prioriza a sustentabilidade, usando materiais locais e pavimentos permeáveis para absorção da água da chuva.   

Centro de Felicidade do Butão. Divulgação

Já no âmbito arquitetônico, esses conceitos aparecem no Centro de Felicidade do Butão (Bhutan Happiness Centre), inaugurado em 2015 na capital, Thimphu. Aberto à visitação, o Centro é um local onde todos podem partilhar suas experiências e filosofias sobre a felicidade. Digno representante da identidade cultural contemporânea e tradicional, o edifício usa materiais naturais, como terra, pedra e madeira, energia solar e coleta de água da chuva. Seu programa inclui oficinas e atividades interdisciplinares, muitas vezes pautadas em exercícios que estimulam um olhar introspectivo de autoconhecimento e uma (re)conexão com a natureza.

Tomara que aprendamos algo!

Referências

https://www.archdaily.com.br/br/1011632/big-divulga-projeto-da-mindfulness-city-que-une-patrimonio-historico-e-o-futuro-do-butao?ad_medium=gallery

https://nuvomagazine.com/culture/the-gross-national-happiness-centre-bhutan

https://www.dezeen.com/2023/12/20/big-mindfulness-city-bhutan-temple-dam/

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyey2k6zr7jo

https://noticias.unb.br/artigos-main/6276-o-exemplo-do-butao

https://www.tempo.com/noticias/actualidade/o-encanto-e-os-misterios-do-butao-porque-e-que-e-considerado-o-pais-mais-feliz-do-mundo-geografia.html

https://www.doisniveis.com/doisniveis/limpeza-etnica-o-caso-da-etnia-lhotshampas-no-butao/

https://www.aljazeera.com/program/101-east/2014/5/30/bhutans-forgotten-people

quinta-feira, 21 de março de 2024

Ecos Urbanos | PIB vs FIB (1/2)

Bandeira do Reino do Butão
Um país pequeno, pouco conhecido e situado no sopé da grande cordilheira do Himalaia entre a Índia e a China, tem sido considerado um dos mais felizes do planeta. Sem saída para o mar, sob uma monarquia constitucional, o pequeno reino do Butão tem menos de 40 mil km2 e menos de um milhão de habitantes. A cordilheira do Himalaia, a oeste e norte do país, é o grande destaque do relevo, criando uma topografia acidentada com altos picos e vales encaixados. Assim, para o bem ou para o mal, o país foi sempre isolado e protegido pela cordilheira. A capital é Thimphu, o idioma oficial é o dzonga e a moeda é o ngultrum. Com uma cultura rica e diversa, o país tem no budismo tibetano sua principal religião. As cores da bandeira representam sua prática: a espiritualidade (laranja) e a secularidade (amarelo). A taxa de urbanização é menos de 44% e a maioria dos habitantes mora na zona rural.
 

Na trilha Trans Butão. divulgação

Com esse cenário de vales misteriosos, belas florestas, vilarejos escondidos, fortalezas, mosteiros budistas, propriedades rurais tradicionais e plantações de arroz, o Butão vem se transformando em atrativo turístico e, hoje, a principal dúvida é se e quanto o país deve se abrir ao mundo exterior, sobretudo com a recuperada Trilha Trans Butão (TBT), uma rota de 400 km. Originalmente parte da Rota da Seda, a trilha passa por 27 aldeias, 4 fortalezas/ monastérios, 12 passagens nas montanhas e 21 templos.

 

Além disso, o país tem chamado a atenção mundial por ter unido o ótimo ao bom em sua forma inovadora de melhorar o nível de vida da população, integrando e respeitando a cultura, o meio ambiente e, sobretudo, o bem-estar espiritual e material  dos butaneses. Para a monarquia, era preciso criar um índice que também levasse em conta  aspectos culturais, espirituais, psicológicos e ambientais. Esse indicador, portanto, deveria avaliar, não só o aspecto econômico, mas sobretudo focar no bem-estar humano, no uso dos recursos naturais e no uso equilibrado do tempo. Sem dúvida, um objetivo moldado pelo budismo, como mostra a própria constituição butanesa que, em seu no artigo 9, afirma: “O Estado deve esforçar-se para promover as condições que permitam a busca da Felicidade Nacional Bruta”.

Assim, em uma admirável ousadia, no ano em que ingressei na faculdade de arquitetura da USP, em 1972, o Butão criou, com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o PNUD, seu principal indicador, o chamado FIB - Felicidade Interna Bruta (Gross National Happinnes [GNH], na sigla em inglês), em contraposição ao Produto Interno Bruto (PIB). Ao priorizar a felicidade e o bem-estar da população, mais que um indicador, o FIB é um catalisador e indutor de mudanças. Quando vistos por um ocidental, os pilares que compõem esse índice podem parecer estranhos, mas são o que deveriam ser: boa governança, um sistema político com transparência e medidas anticorrupção; desenvolvimento socioeconômico sustentável e equitativo; promoção da cultura e fortalecimento das tradições locais; preservação e conservação ambiental, numa relação direta entre cidadãos e os meios naturais. Esses pilares articulam-se em nove campos: padrão de vida (relacionado à segurança financeira e à qualidade habitacional), educação e saúde (incluindo instalações e equipamentos, sem feudos), governança, cultura (tradições), vitalidade comunitária (sensação de pertencimento e segurança na comunidade), resiliência ecológica, uso equilibrado do tempo e bem-estar psicológico.

Tiger's Nest, no Butão, construído no séc. 8
Parece um conto de fadas, não? Pois é a mais pura verdade. Acha pouco? Com sua indústria hidrelétrica vital (maior fonte de exportação), parques nacionais e florestas ocupando metade da área do país, o Butão conseguiu o feito de reduzir as emissões de carbono a zero e de priorizar, no planejamento urbano e na arquitetura, a felicidade da população e o meio ambiente. O resultado é um dos países menos corruptos do mundo, que tem educação pública de qualidade, acesso gratuito à saúde, analfabetismo inexistente, quase 100% de suas crianças na escola, acesso geral à água potável, reformulação de toda infraestrutura do país, economia em crescimento e aumento da expectativa de vida. Seus índices de desigualdade são baixos, a pobreza (praticamente imperceptível) diminui ano a ano, o meio ambiente segue no centro de tudo e os serviços urbanos – sistema viário e de mobilidade, uso do espaço público e da natureza – são programados para atingir esse equilíbrio, convergindo sempre para o bem-estar da população. 

O resultado desse investimento no ser humano foi o salto do FIB, em 2022, quase atingindo 80% do total (FIB de 0,781) em uma escala de 0 a 1. A propósito, um artigo de janeiro de 2023 do Correio Braziliense (ver aqui) nos informa ainda que, desde, 2009, o conceito do FIB foi incorporado à educação, por meio da Escola Verde (Green School), cuja missão é alcançar uma educação holística que inclui conhecimento, meio ambiente, cultura, valores acadêmicos, espiritualidade, ética e estética, visando “formar verdadeiros seres humanos  em que a retidão e as condutas sejam moldadas e aperfeiçoadas no dia a dia”. Um lindo projeto de educação que une mente e coração. 
E, olhem só, que orgulho! Nosso grande mestre, o educador brasileiro Paulo Freire, preterido por tantos míopes, serviu de inspiração a essa inovação educacional, aliando autodesenvolvimento e autonomia.

Sem a menor dúvida, esse país cheio de História e histórias tem e teria muito a nos ensinar, se o Ocidente tirasse a venda de seus olhos para tudo que é diferente. (Continua no próximo post).

Referências

https://www.archdaily.com.br/br/1012337/felicidade-interna-bruta-como-politica-publica-o-caso-de-butao

https://brasilescola.uol.com.br/geografia/butao.htm

https://www.nationalgeographicbrasil.com/viagem/2023/01/conheca-o-butao-pais-com-zero-emissao-de-carbono-e-que-leva-a-felicidade-a-serio

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyey2k6zr7jo

https://noticias.unb.br/artigos-main/6276-o-exemplo-do-butao

 https://www.tempo.com/noticias/actualidade/o-encanto-e-os-misterios-do-butao-porque-e-que-e-considerado-o-pais-mais-feliz-do-mundo-geografia.html

https://www.transbhutantrail.com/

https://www.mochilaoadois.com.br/butao-pais-da-felicidade/