quinta-feira, 10 de julho de 2025

Ecos Imateriais | A teoria na prática

Além dos inúmeros pensamentos e mensagens conhecidas de Gandhi (1869-1948), há uma frase que me acompanha desde a primeira vez que a li. Está impressa na minha mente, no coração e pregada no mural, bem em frente ao meu computador: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”. Nessa frase curta, mas de grande dificuldade prática, há um convite permanente para quem tem olhos de ver. 
Embora sejamos especialistas em apontar o dedo, julgar e cobrar por mudanças fora de nós, o pacifista indiano nos mostrava que é essencial descobrir nosso papel e nossa responsabilidade na construção de um novo mundo, a partir da ação individual.

A cada dia, vemos a humanidade (só aparentemente?) regredir em termos morais, de respeito, convivência, civilidade e solidariedade, e, se pensarmos bem, a direção já foi dada há muito tempo e por várias tradições. Mohandas Gandhi, por exemplo, chamado de Mahatma (grande alma, em sânscrito), sempre falava de seus dois livros de cabeceira: o Bhagavad Gita (pérola maior do Hinduísmo) e o Novo Testamento, em especial na parte do Sermão do Monte (pérola maior do Cristianismo). Junto com o Gita, esse texto era para ele a mais completa orientação para evolução espiritual do ser humano. Dizia que, se um incêndio destruísse todas as bibliotecas do mundo e só restasse o Sermão da Montanha, nada teria sido perdido.

Gandhi era um satyagrahi, um buscador da verdade e adepto do princípio da não violência. Com suas ações firmes e não violentas, buscava exemplificar sua ação de resistência pacífica para conseguir a independência da Índia do Império Britânico. Com isso, ele buscava ser a mudança que queria ver no mundo.

Então, que possamos ser e viver essa mudança a cada ação nossa, apesar de.

Referências

RODHEN, Huberto. Sermão da Montanha. São Paulo: Martin Claret, s/d. 

GANDHI. Gandhi por ele mesmo. São Paulo: Martin Claret,s/d,

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Ecos Culturais | Congados e Reinados: patrimônio cultural brasileiro

"Onde estiver um homem aí viverá uma fonte de criação e divulgação folclórica. O folclore estuda a solução popular na vida em sociedade."

- Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro


Em 18 de junho de 2025, na 109ª reunião do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foram aprovadas, por unanimidade, e registradas no Livro dos Saberes do instituto as manifestações artísticas tradicionais e populares, conhecidas como Reinados, Congados e Congadas, tornando-se oficialmente Patrimônio Cultural do Brasil. O pedido foi feito há quase duas décadas por diversos grupos, comunidades e lideranças de Goiás, Minas Gerais e São Paulo, mas só agora o pedido foi aprovado. 

Essas manifestações englobam um conjunto diversificado de saberes da ancestralidade afro-brasileira, movidos pela devoção e pela fé, e atualizados por meio da devoção a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Ifigênia, conhecidos pela proteção aos negros. São tradições com mais de 300 anos de história que chegaram ao século 21 com transformações e ressignificações, mas sempre mantendo a identidade fundamental:  a ancestralidade de matriz africana com canto, ritmo e dança. 

Em geral, essas manifestações abrangem festividades que duram vários dias e incluem coroação de reis e rainhas congos (ou do Congo), levantamento de bandeiras, rezas, cortejos e missas. Os grupos mais conhecidos são os chamados massambiques (moçambiques), congos (congados, conguistas, congueiros), catopês (catupés, catopés), marujos, caboclos (caboclinhos, penachos, cabocladas), tamborzeiros, pifeiros, entre outros, além dos reinados (côrtes ou tronos coroados) descritos e registrados por pesquisadores, em diferentes regiões brasileiras, sobretudo em Goiás, Minas e São Paulo

A notícia foi recebida com imensa alegria pelos grupos de Congados e Reinados. As lideranças destacaram que, apesar do preconceito e do racismo ainda presentes na sociedade brasileira, o registro e a proteção darão mais tranquilidade para que essa herança cultural ancestral, há tanto tempo presente na vida desses povos, continue sendo passada, celebrada e preservada pelos descendentes. Afinal, sempre é bom lembrar que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista. 

Segundo a conselheira, historiadora, mestra (detentora) e líder na Comunidade Jongo Dito Ribeiro em Campinas (SP), Alessandra Ribeiro Martins, o tombamento finalmente alcançou comunidades que são fortalecidas culturalmente, em seus saberes e fazeres, por sua resistência às violências da escravização e pelo modo de vida ancestral presente nas práticas cotidianas, nos ritos celebrativos e na criação de comunidades afetivas.

Em nota, a atual gestão do Iphan, órgão responsável pela salvaguarda de nosso patrimônio em todas as suas nuances e formas, salienta que vem priorizando a ancestralidade africana e indígena e os patrimônios culturais afro-brasileiros.  A propósito desse tombamento, Leandro Grass, presidente do Iphan, destacou que esse foi um “ato de reparação histórica, de justiça social que resgata a ancestralidade africana e mantêm vivas nossas tradições.” Tião Soares, diretor de Promoção das Culturas Tradicionais e Populares do Ministério da Cultura, reforçou que, como símbolo de resistência e fé, “o reinado se ergue como um farol na penumbra da indiferença, iluminando os caminhos da proteção, valorização e do respeito, e é um convite para dançar com os ancestrais, ouvir suas vozes e vibrar com a força da tradição.”   

Viva a nossa imensa, ampla e diversificada tradição cultural. Um riquíssimo cadinho que vamos preenchendo e misturando ao longo de toda a nossa História.

Referências

https://folclorevertentes.blogspot.com/p/links-importantes.html  

https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/noticias/reinados-e-congados-sao-reconhecidos-como-patrimonio-cultural-do-brasil  

Imagens: https://www.todamateria.com.br/congada/  

https://www2.ufjf.br/noticias/2024/08/12/mostra-reverencia-jongo-congado-e-folia-de-reis/  

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Ecos Culturais | Ah, as festas juninas!

Junho é mês das festas juninas, de longe as minhas preferidas ao longo do ano. O Natal vem em segundo lugar!   

É verdade que, nem sempre, consigo ir a alguma grande festa, mas gosto do tema e até já fiz minha comemoração aqui em casa com tudo aquilo a que temos direito – pipoca, amendoim torrado, vinho quente (melhor do que quentão para mim), canjica, toalha xadrez e, é claro, fogo (pode ser com fogão de lenha, lareira ou aquecedor mesmo). Afinal, o calor do fogo não pode faltar, porque calor humano é o que tem de sobra nessas festas com a sanfona, a viola, as músicas, as danças, as pessoas a caráter, alegres, cantando e dançando, as deliciosas comidas, as bebidas típicas, bandeirinhas coloridas, a quadrilha, o casamento caipira, o padre, o correio elegante... Tudo uma delícia, momentos de encontro e descontração, vividos com a alegria típica das mais puras manifestações culturais populares do nosso país.  

Mas se tudo isso já é assim tão divertido, aqui no Sudeste, imagine nas diversas cidades do Nordeste. Se a região, naturalmente, já transborda alegria, encantamento, gentileza, boa comida, cantoria e dança o ano todo, imagine agora nas festas juninas. Um dia, sabe-se lá quando, ainda vou a Caruaru, Campina Grande, Petrolina, Aracaju ou.... mas vou.

Vejam as quadrilhas, por exemplo. Relativamente simples, mas sempre agradáveis desde sempre, hoje, elas são cheias de bossa, novidades e, até mesmo, vêm se transformando, no Nordeste, em verdadeiros espetáculos de canto, dança, fantasias e significados temáticos. Um show de cultura popular viva! Não deixe de ler, nesta edição da Cajueira (aqui), a matéria sobre as festas juninas locais, mostrando os principais temas dos diversos grupos da região, quase como grandes sambas-enredo contando histórias, discutindo, questionando e protestando.

Viva o Nordeste, viva a cultura brasileira, viva as festas dos santos festejados em junho!

Referências

https://anitadimarco.blogspot.com/2015/06/cultura-tradicao-yes-nos-temos-festas.html

https://anitadimarco.blogspot.com/2019/06/ecos-culturais-yes-viva-sao-joao.html

https://cajueira.substack.com/p/as-mensagens-e-significados-das-quadrilhas 

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Ecos arquitetônicos | Novos usos em edifícios religiosos


A mudança de uso de edifícios históricos, inclusive religiosos, e as muitas e necessárias adequações para acomodar o novo uso já foram tema aqui no blog Anita PluralSe ainda não leu, leia aqui, aqui e aqui, por exemplo, três pequenos textos sobre o tema. As várias intervenções de retrofit, na área central de muitas capitais brasileiras, só para citar uma modalidade, são práticas atuais. Ao redor do mundo, essa mudança de uso ocorre, basicamente, em função do alto custo de manutenção dos imóveis e da diminuição da intensidade de uso. Na Europa, a justificativa é a diminuição do uso religioso de templos, igrejas e santuários. Alemanha, Países Baixos, Bélgica, Estados Unidos e Coreia do Sul, por exemplo, estão entre os países que, apesar de cuidar de seu patrimônio religioso, não hesitam em mudar o uso para preservar o bem histórico. Segundo amigos holandeses, é totalmente normal  modificar o uso de edifícios religiosos naquele país, uma vez que muitos não mais acreditam em nenhum deus. Os novos usos são os mais variados e incluem bibliotecas, centros culturais, livrarias, moradias, lojas, clínicas, cafés e até piscinas.
 
Cortesia de © MVRDV, Zecc Architecten.
Um caso bem recente vem justamente do Sul dos Países Baixos, de Heerlen, cidade com cerca de 90.000 habitantes. Trata-se da igreja de São Francisco de Assis que irá abrigar uma piscina pública. Construído há pouco mais de um século, o edifício é tombado e sua estrutura, muito bem conservada. Como os serviços religiosos foram diminuindo até serem interrompidos em 2023, surgiu a proposta de transformar seu uso para, ao mesmo tempo, garantir uma utilização ativa e proteger o patrimônio. Aliás, a proposta é parte de um projeto mais amplo de transformação do centro histórico da cidade. A prefeitura instituiu um concurso para escolher um novo uso comunitário para o imóvel e a proposta vencedora foi a dos escritórios MVRDV e Zecc Architecten. Apelidado de Água Santa, o projeto propôs manter a função social do imóvel e preservar seus elementos históricos, a partir de uma abordagem moderna que respeitasse e integrasse passado, presente e futuro. O prazo para a entrega é final de 2027.  
 
Cortesia de © MVRDV, Zecc Architecten
Os desenhos divulgados pelo escritório mostram como ficará a proposta: o púlpito, por exemplo, será usado como lugar do salva-vidas e, além de utilização da nave central e das laterais, os arquitetos propuseram a inserção de um piso móvel. Bem, nunca vi piso móvel; até agora eu conhecia teto móvel, como o da Sala São Paulo (ver aqui). Enfim, o novo piso trará flexibilidade ao uso do antigo edifício e irá adequar-se às atividades propostas: se elevado, o piso esconderá a água, criando uma superfície para eventos culturais e sociais; se rebaixado, criará uma fina lâmina d'água dando a impressão que os usuários caminham sobre a água. 
 
O fato é que a mudança de uso, quando bem fundamentada, aumenta a vida útil de qualquer imóvel e, este é um princípio da boa arquitetura: busca-se utilizar bem os recursos existentes, sobretudo os ambientais, preservar as estruturas em bom estado e priorizar a adequação do imóvel a novos usos, em vez de optar pela pura e simples demolição. Assim, trabalha-se em prol do meio ambiente, os custos são reduzidos, aumenta-se a eficiência ambiental e garante-se uma vida útil mais longa à estrutura em questão.  

Referências:

ttps://anitadimarco.blogspot.com/2023/08/ecos-arquitetonicos-espacos-de-adoracao_11.html

https://anitadimarco.blogspot.com/2023/08/ecos-arquitetonicos-espacos-de-adoracao.html

https://anitadimarco.blogspot.com/2015/03/paisagem-construida-sala-sao-paulo.html

https://anitadimarco.blogspot.com/2022/02/ecos-urbanos-o-palazzo-que-virou.html

https://mymodernmet.com/heerlen-church-pool-mvrdv-zecc/

https://www.euronews.com/culture/2025/04/19/dutch-architecture-studios-design-a-church-turned-pool-where-you-can-walk-on-water

https://www.dezeen.com/2025/04/17/holy-water-swimming-pool-mvrdv-zecc-architecten-church-netherlands/

https://www.archdaily.com/1029185/mvrdv-and-zecc-architecten-to-transform-vacant-church-into-public-swimming-pool-in-heerlen-the-netherlands?utm_medium=email&utm_source=AD%20EN&kth=539,924 

https://www.archdaily.com/915700/rethinking-sacred-spaces-for-new-purposes?ad_medium=widget&ad_name=related-article&ad_content=1029185

https://www.archdaily.com/927944/restoration-of-abandoned-church-connects-man-nature-and-god?ad_medium=mobile-widget&ad_name=related-tags-article-show

https://commonedge.org/what-would-jane-jacobs-do-toward-a-new-model-for-houses-of-worship/

Antonia Piñeiro. "MVRDV and Zecc Architecten to Transform Vacant Church into Public Swimming Pool in Heerlen, the Netherlands" 17 Apr 2025. ArchDaily. Accessed 6 May 2025. <https://www.archdaily.com/1029185/mvrdv-and-zecc-architecten-to-transform-vacant-church-into-public-swimming-pool-in-heerlen-the-netherlands  

As imagens são cortesia dos escritórios © MVRDV, Zecc Architecten.