sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Ecos Arqueológicos | De Lobato ao Parthenon (Parte 1/2)

Desde criança, descobri-me interessada em arqueologia. Tinha (e tenho) curiosidade para saber mais sobre a história das sociedades, povos e civilizações que nos precederam, sobre quem morou aqui ou ali, como viviam, o que comiam, como eram suas tradições, hábitos, alimentos etc. 
Sim, porque é óbvio que todos os grupos humanos, as sociedades, civilizações e cidades têm  uma “história” construída ao longo do tempo.Não chegamos onde estamos hoje do nada: somos pontos ao longo de uma longuíssima linha.  Eu lia e via parte dessa história pregressa em livros, fotografias, desenhos, pinturas, artefatos cotidianos, ruínas, revestimentos, técnicas construtivas.
 
Boa aluna, sempre gostei de História, mas História Geral era minha paixão; eu me encantava e "viajava". Lá pelos meus 9-10 anos, devorei (mais de uma vez) os dois volumes de Os Doze Trabalhos de Hércules de Monteiro Lobato. A partir daí, a arqueologia e a Grécia entraram no meu radar de uma vez por todas. Os templos, cidades, construções, personagens, arte, conceitos, alimentos, esportes, absolutamente tudo da Grécia me interessava.

Quando cursei a FAU-USP, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, aprendi muito sobre a antiguidade, sobretudo em uma matéria para lá de especial: História Social da Arte, que relacionava arquitetura e urbanismo de uma determinada época com questões outras daquela sociedade: os primeiros grupamentos humanos, núcleos urbanos, relações sociais. Queria saber o porquê das coisas. 

Pesquisas arqueológicas. Divulgação
Depois de formada, trabalhei no Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), Secretaria Municipal de Cultura, em São Paulo: na Divisão de Iconografia e Museus e, em seguida, na Divisão de Preservação. Tive contato, mais a fundo, com o nosso patrimônio, nossas “ruínas” e alguns objetos achados nas pesquisas arqueológicas lá desenvolvidas. No DPH, essas pesquisas não traziam os tesouros do Peru, da Grécia antiga, de Roma ou Pompeia, mas os vestígios de nossos antepassados, “tesouros” que elucidavam modos de vida de tempos anteriores aos daquele momento. 
 
Continua na Parte 2/2.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Ecos Linguísticos | Tauto o quê?

Tautologia. Segundo nossos dicionários Houaiss e Aulete, esse termo aparece em três campos: linguística, lógica e retórica.

Em linguística, tautologia é a repetição (de forma ou significado), um modo de se expressar ou vício de linguagem que consiste em repetir algo com outras palavras. Pleonasmo ou redundância podem ser sinônimos, mas nem sempre. O fato é que, nesse caso, o uso é sempre não intencional, ou seja, não tem o propósito de reforçar ou aclarar a ideia anterior.

 

No campo da lógica, trata-se de uma proposição (composta) sempre tida como verdadeira, já que que o atributo é uma repetição do sujeito (p.ex. o açúcar é doce).

No campo da retórica, é uma expressão que reitera o mesmo conceito já emitido, ou que desenvolve uma ideia citada, sem aclarar ou aprofundar sua compreensão.

Concentro-me na primeira acepção: a repetição da mesma coisa, ou como no título do livro Quase a mesma coisa, de Umberto Eco. Só que no caso da tautologia ou redundância não é quase; é a mesma coisa, só que com outras palavras. Os exemplos mais comuns são os clássicos subir “para cima”, descer “para baixo”, sair “para fora”, "entrar para dentro" etc. Muitas vezes, sem prestar atenção ao que falamos, acabamos sendo bem repetitivos. De qualquer forma, diz a norma culta que essas são construções a serem evitadas... No entanto, atire a primeira pedra quem nunca usou uma dessas famigeradas expressões: 

Certeza absoluta - Se é certeza....
Comparecer em pessoa – Óbvio, não? Virtualmente, jamais!
Conviver junto - Alguém convive separado?
Elo de ligação – Algum elo separa em vez de ligar?
Em duas metades iguais – Metades diferentes só na conta dos “espertos”.
Encarar de frente – Oi? Alguém encara de trás?
Fato real - Se é um fato....
Gritar bem alto - Ai! Gritar baixinho não vai dar certo!
Há anos atrás – Redundância absoluta, use só um deles.
Muito ótimo - Oi? Ótimo já disse tudo!
Online pela internet – Opa, existe algo online fora da internet?
Planejar antecipadamente – Caramba, mas se a ideia é exatamente planejar....
Surpresa inesperada – Se é surpresa é óbvio que é inesperada, não?
Vereador da cidade – Vereador só em cidades, então de Manaus ou Jaú, já está bom.

Convenhamos, os termos sublinhados são totalmente dispensáveis, mas, reforço aqui: o único propósito desta postagem é chamar a atenção para evitarmos tal vício, da próxima vez que formos escrever ou falar. Afinal, atenção é algo a ser aplicado e praticado em todos os momentos da vida; é saudável e necessário aprender algo todos os dias, além de uma forma de treinar os neurônios e evitar outros males!

Referências

https://mundoeducacao.uol.com.br/gramatica/tautologia.htm

https://mundoeducacao.uol.com.br/gramatica/tautologia.htm 

https://www.preparaenem.com/portugues/tautologia.htm

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Ecos geográficos | Tristes Trópicos

São deprimentes, estarrecedoras e chocantes as imagens mostrando as condições humanitárias, sanitárias e de saúde do povo Yanomami. São pesadas, vergonhosas, revoltantes e não refletem a menor gota da tal caridade preconizada por uns e tão cobrada por outros, mas só na teoria, porque sua prática tem sido exatamente o inverso. Ao mesmo tempo, quem tem olhos de ver, percebe uma total inversão de valores da sociedade. Tristes Trópicos, tristíssimos. De novo, o antropólogo francês Lévi-Strauss estava certo... 

Lamentavelmente, é tragédia anunciada. No final da década de 1970, lembro-me de ter participado de manifestações em defesa dessa etnia, já ameaçada. E essa é só uma. Outras tantas existem e isso não é “fake”, notícia falsa, mentirosa ou inventada. Basta pesquisar em veículos sérios (não em grupos de WhatsApp, FB e congêneres) sobre as atividades ilegais de garimpo, extração de madeira, narcotráfico e crime organizado em toda a Amazônia.

Já existe um sem número de documentários sobre o tema, dentre eles: A Última Floresta, trailer aqui, escrito por Davi Kopenawa Yanomami e Luiz Bolognesi. O filme aborda o cotidiano do povo Yanomami, sua origem, o avanço do garimpo ilegal e suas consequências trágicas, bem como o feitiço do ouro. Uma das frases mais fortes do documentário é do próprio Davi Kopenawa que, há poucos dias, esteve nos Estados Unidos, a convite da Universidade de Princeton para expor e discutir, mais uma vez, a situação de seu povo: 

As mercadorias deles podem enfeitiçar a gente. Eles parecem bons. Querem ajudar. Mas quando você fica sozinho, ninguém se importa com você e você passa fome. Tem fome e não tem o que caçar. Não te dão um lugar para dormir. Somente na nossa floresta você pode dormir em paz.  (Davi Kopenawa)

Destaco, também, a animação Amazônia sem Garimpo, narrado em yanomami, legendas em português, com direção, produção e roteiro de Tiago Carvalho. A animação é fruto de um trabalho realizado em parceria com a Fundação Osvaldo Cruz - Fiocruz para avaliar o impacto do mercúrio, usado no garimpo em áreas protegidas, metal que envenena animais, rios por décadas e centenas de quilômetros e os povos da floresta. É preciso conhecer o povo yanomami:

Os brancos não nos conhecem. Seus olhos nunca nos viram. Seus ouvidos não entendem nossas falas. Por isso, eu preciso ir lá onde vivem os brancos. (Davi Kopenawa)

Outra reportagem do lúcido jornalista Bob Fernandes (aqui) traz os capítulos de uma verdade chocante que muitos insistem em negar.  E, mais uma vez, a literatura se apresenta e eu me lembro de Saramago em seu Ensaio sobre a Cegueira. 

Divulguem sem dó, mostrem a premência de sacudir as pessoas, de conscientizá-las sobre a urgência de salvar os povos originários, os primeiros habitantes e, junto com as florestas que eles protegem, o oxigênio da Terra. Eles têm direito às suas terras, à saúde, a viverem sua cultura, suas tradições e seu modo de vida em ambiente protegido. Todos têm. 

Uma sociedade, uma mídia, um 'mercado' e os grupos que destroem o próprio indivíduo, sua própria herança ancestral, tradição e natureza estão fadados à destruição. Tristes trópicos, triste mundo. Que despertemos, que tenhamos consciência e  saibamos dizer não à banalização do mal e, sobretudo, interromper essas tragédias anunciadas; que saibamos aproveitar nossa rica diversidade, honrar nossa humanidade, nossa estada aqui na Terra, fazer jus à riqueza do nosso país e compartilhá-la com todos aqueles que aqui vivem. Respeitar, honrar e possibilitar vida digna a cada ser humano (e não apenas a alguns) é dever de toda sociedade civilizada e o ponto central de todas as religiões. 

Referências

Amazônia sem garimpo: https://www.youtube.com/watch?v=WAVOR3Ob1_g&t=3s

Bob Fernandes: Um Brasil doente finge não ver o genocídio dos Yanomami, não ter sido golpeado pelos militares, no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=gsHAbPdqIH8

Documentários sobre indígenas: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/8-documentarios-sobre-as-culturas-indigenas/

Filme A última floresta: https://amazoniareal.com.br/a-ultima-floresta-e-um-olhar-de-urgencia-pela-protecao-dos-yanomami-diz-diretor/

Jornalismo do Centro do Mundo: https://sumauma.com/

Netflix: https://www.netflix.com/br/title/81503933