sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Ecos Humanos | Música e Dança em Santo Agostinho


É muito bom receber comentários dos leitores do Blog Anita Plural. Muitos são bem interessantes e enriquecedores, em especial nas postagens referentes à cultura em geral. Um dos últimos comentários recebidos veio de Fábio Zaidan, um dos amigos que fiz em Cunha. Ele citou Santo Agostinho (354-460), pensador e teólogo da filosofia patrística e influência clara em vários filósofos como São Tomás de Aquino, João Calvino e Martinho Lutero, por exemplo. No dia anterior, por coincidência (coincidência?), a amiga Liliam Moreira Tiso, entusiasta e estudiosa das terapias alternativas, em especial da dança circular,  tinha me enviado uma oração atribuída a Santo Agostinho, na qual ele falava sobre a dança em geral, louvando essa arte como uma saudável ligação entre corpo, mente e alma.  
Por falar em dança circular, a foto ao lado é de um grupo de dança circular, da focalizadora Vivian Daré Miguel, professora dessa atividade no Sesc-Varginha. Só lembrando que a dança circular (ler aqui) é uma das terapias alternativas do SUS, sendo muito utilizada em São Paulo, por exemplo, nos parques, ao ar livre ou em grupos fechados. Seu potencial e seus efeitos incluem o desenvolvimento da coordenação motora, da lateralidade, além de aceitação, concentração, companheirismo, respeito mútuo e por aí vai. Pelo grau de concentração que exige, não deixa de ser uma forma de meditação, que descansa, alivia o estresse, descansa a mente e reequilibra o emocional. Quem sabe do seu valor não a deixa escapar.   


De qualquer forma, a maioria das pessoas parece viver no automático, sem ter consciência de que nosso corpo é instrumento de trabalho, além de templo do espírito. Quem já tem essa consciência sabe que é primordial cuidar do corpo com bons hábitos, bons exercícios, boa alimentação, boa leitura, boas companhias, respeitando os tempos de descanso e de trabalho, enfim, tratando o corpo com o cuidado, o respeito e a dignidade que esse templo merece. Então, como para bom entendedor, meia palavra basta, aqui vão as citações de Santo Agostinho.

Sobre a dança: 

Ela libera o homem / do peso das coisas materiais / para formar a sociedade.

Louvada seja a dança / que exige tudo e fortalece / a saúde, uma mente serena e uma alma encantada.

Eu louvo a dança

Louvo a dança, pois ela liberta o ser humano do peso das coisas - une o solitário à comunidade.

Louvo a dança, que tudo pede e tudo promove: saúde, mente clara e uma alma alada.

Dança é a transformação do espaço, do tempo e do ser humano, este constantemente em perigo de fragmentar-se, tornando-se somente cérebro, vontade ou sofrimento.

A dança, ao contrário, pede o homem inteiro, ancorado no seu centro.

A dança pede o homem liberto, vibrando em equilíbrio com todas as forças! Eu louvo a dança!

Ser humano, aprende a dançar, caso contrário, os anjos do céu não saberão o que fazer de você. 

Já com relação à música, em seu tratado De Musica (Sobre a Música), Santo Agostinho a definiu como uma ciência ligada à ordem, à harmonia, ao ritmo e à métrica. Para ele, a música era uma manifestação da ordem universal, como uma escada para a elevação espiritual do ser humano na direção da Harmonia e da Verdade, um meio para contemplação do Absoluto.   São frases que outorgam à música a capacidade de demonstrar amor, intensificar a oração e a conexão espiritual com o divino. O mesmo acontece com o canto, que ele traduziu como forma de louvor e oração, intensificando essa conexão. Basta lembrar dos Salmos e das diversas passagens de louvor, alegria e gratidão, em forma de canto e de dança.  

"Cantar é próprio de quem ama".

"Cantar é rezar duas vezes" ou "Quem canta reza duas vezes".

Referências

https://www.casadosaber.com.br/autores/santo-agostinho 

https://ecclesiae.com.br/sobre-a-musica?srsltid=AfmBOooMwFrea9pII8grYqyjAKeRc22DskRo-PIX14mzRx3_IhMp5RQ7

https://seer.ufu.br>indep.php>article>dowload.pdf

https://www.dancadesalao.com/agenda/stoagostinho.php   

file:///C:/Users/Anita/Downloads/crisger,+em+pauta+26+artigo+2.pdf

https://portal.sescsp.org.br/online/artigo/compartilhar/10815_POESIA+DO+MOVIMENTO

https://50emais.com.br/dancar-e-remedio-por-isso-santo-agostinho-escreveu-o-poema-eu-louvo-a-danca/

http://www.mundobailarinistico.com.br/2013/10/oracao-da-danca-oracao-de-santo.html 

AMATO, Rita de Cássia F. – Santo Agostinho. De Música. Educação e filosofia, v. 15, nº 30, jul./dez.2001. pp. 131-163.  

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Ecos Imateriais | Yoga e a falácia do desempenho (2/2)

Já falamos (leia aqui) sobre o significado da atenção plena, do estar presente na prática do yoga e na vida. E em algum lugar deste blog também já falamos que não adianta nada fazer uma postura perfeita, linda e permanecer nela, mas ser incoerente, violento, desonesto, desumano, egoísta e por aí vai. É importante lembrar que, além dessa atenção em qualquer atividade, além da prática dos asanas e pranayamas (exercícios respiratórios), dos bandhas (contrações musculares), kryas (técnicas de limpeza), exercícios de abstração dos sentidos, concentração e meditação, yoga pressupõe estudar e aplicar seus admiráveis princípios éticos, os chamados yamas e niyamas, decálogo compilado pelo sábio indiano Patanjali (lê-se Patânjali), por volta do século III a.C. 

O ser humano se desenvolve e evolui a partir da observação continuada e corajosa de si mesmo, do autoconhecimento, do voltar-se para a própria essência, observando-se, analisando-se com coragem, procurando melhorar, estudando e aplicando os yamas e niyamas na vida diária. São cinco yamas e cinco niyamas. Os primeiros sãonão-violência, verdade, honestidade, controle da energia, desapego; e os niyamas são: pureza, alegria interior, disciplina/persistência, autoestudo e entrega. Sintetizando, esse estudo é o que mais me emociona e me inspira no yoga: o movimento contínuo de aprimorar-se um pouco mais a cada dia, tornar-se melhor para os outros e não melhor do que os outros, como sempre destacava o querido professor José Hermógenes. Sim, sou uma das privilegiadas que tiveram aulas com ele, com Shotaro Shimada, Maria Helena Bastos Freire, Celeste Castilho e outros que já partiram, mas deixaram sementes fecundas. 

Estudados, aplicados, relembrados e praticados todo o tempo, os yamas e niyamas reforçam essa busca de aprimoramento individual. Com a prática, eles acabam ficando introjetados na pessoa e mudando seu modo de agir no mundo. É impossível separar um do outro, pois estão profundamente interligados. Podemos começar por qualquer um deles e logo estaremos praticando todos ao mesmo tempo. Fácil não é; é desafiador, trabalhoso, exige coragem, coerência, honestidade, esforço, disciplina, entrega e muito mais. Mas é o nosso caminho: evoluir. 

Por isso, o yoga é uma dádiva, porque cada ação nossa tem a possibilidade de alterar o todo e isso exige responsabilidade. Como num imenso jogo de dominó, no qual o movimento de uma única peça (a primeira a tombar) vai formando um contínuo, sucessivo e orgânico desenho do conjunto, uma mudança de atitude sincera de alguém influencia seu entorno imediato e além, e além, e além... como o seixo jogado na superfície calma de um lago que forma infinitos círculos concêntricos. Vamos?    

Para terminar, deixo aqui uma frase, significativa e perfeita para mim, que fala da nossa responsabilidade diante da vida. J. R. R. Tolkien, autor da saga "O Senhor dos Anéis" e professor da Universidade de Oxford, dizia: "All we have to do is to decide what to do with the time given to us".  (Tudo o que temos a fazer é decidir o que fazer com o tempo que nos é dado). 

Referências

TAIMINI, I.K. A ciência do yoga. 3. ed. Brasília: Teosófica, 2004.

HERMÓGENES, J. O essencial da vida. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2005.

RODRIGUES, M.R. (org.) Estudos sobre o Yoga. São Paulo: Phorte, 2006.

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Ecos Imateriais | Yoga e a falácia do "desempenho" (1/2)

Yoga é um antigo e amplo sistema de autoconhecimento, uma filosofia de vida e um caminho de espiritualidade. Mas, quando nos deparamos com imagens em jornais, revistas e sites, o que mais vemos são posturas, no mínimo estranhas. No entanto, o principal foco dessa prática antiquíssima, com a qual a Índia presenteou a humanidade, não é a execução quase acrobática da postura (asana, em sânscrito) ou no desempenho quase atlético do praticante, mas no que existe por trás dessa ciência milenar que preserva toda uma tradição espiritual de autoconhecimento e integração com o Ser maior. 

Sim, é verdade, as posturas movimentam todo o corpo, trabalham a flexibilidade, fortalecem, alongam, massageiam músculos, órgãos e plexos, mas, sobretudo, levam o praticante a desenvolver a consciência corporal, prestar atenção na respiração, aquietar a mente, silenciar pensamentos e emoções, ou seja, manter a atenção no momento presente. A cada prática, treinamos tudo isso durante a execução dos asanas, das técnicas respiratórias e de concentração para alcançarmos essa integração com nosso eu mais profundo. Desenvolver a atenção no momento presente é um treino para colocar-se inteiro em qualquer atividade na vida diária, evitando assim a tão comum dispersão que nos leva a desconsiderar outras falas, cometer erros bobos e esquecer tarefas simples. Afinal, aquele que se exercita no tapetinho e o que atua na vida prática são um só.  

O yoga parte do mais denso para o mais sutil, ou seja, do corpo para atingir a alma, o SER. Seu objetivo maior está no próprio significado do termo sânscrito yug: unir, integrar. A um só tempo, portanto, yoga é meio e fim, caminho e meta. Assim, através do trabalho sobre o corpo, a respiração e a mente, cada praticante avança em direção ao autoconhecimento, aquieta seu emocional e harmoniza o próprio ser, percebendo a essência divina que habita em cada um. Por isso, o yoga pede de cada um uma atitude de reverência em relação à própria prática e à sua parte mais nobre, a essência.    Assiduidade também é importante, claro, pois a natureza não dá saltos. O corpo responde na medida em que se aprende a lidar com ele, de forma calma e constante. É importante persistir para se atingir a postura confortável, a ser mantida com ausência de esforço e estado de presença. Patanjali dizia que asana é sinônimo de estabilidade e conforto, e a prática não deve provocar dor ou desconforto. É preciso usar de moderação e respeitar os próprios limites. 

A partir da prática regular e frequente, do contato cada vez mais reiterado com a essência, é possível começar a pensar, falar, sentir e agir a partir desse recanto interior de paz e harmonia, o que nos trará mais equilíbrio, saúde mental, emocional e física para enfrentarmos o dia a dia com mais serenidade. Afinal, yoga é uma viagem individual para dentro de si mesmo; é um processo de autoconhecimento e de transformação que só depende do praticante.

Referências

TAIMINI, I.K. A ciência do yoga.3. ed. Brasília: Teosófica, 2004.

HERMÓGENES, J. O essencial da vida. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2005.

RODRIGUES, M.R. (org.) Estudos sobre o Yoga. São Paulo: Phorte, 2006.