sexta-feira, 28 de junho de 2024

Ecos Imateriais | Ética do yoga no dia a dia

Sábio é aquele que percebe que a intuição mística e a ação prática são uma só em sua essência. (Bhagavad Gita).   

Fim de semestre. Tempo de
celebrações, agradecimentos e mudanças. Em primeiro lugar, celebrar e agradecer o final de mais um período, reafirmando nossos compromissos com o Yoga e com a Vida, sempre contando com alunos e amigos que, com sua presença e apoio ativo, nos incentivam a melhorar a cada dia. Depois, tempo de agradecer a convivência quase diária, acolhimento e generosidade de duas queridas, Ana Clara M. Pereira (kaká) e Noêmia Gontijo, que receberam, de braços abertos e por dez anos, o Espaço Dharma de Yoga. Por fim, além de também comemorar e agradecer, chegou o tempo de mudar para uma nova casa, no Parque Boa Vista, em Varginha, iniciando, assim, um novo ciclo. 
 
Por isso, ontem, 27 de junho, o Espaço DHARMA de Yoga reuniu alunos e amigos para uma reflexão importantíssima para todos: a coerência na aplicação prática dos princípios éticos do yoga, conforme compilados por Patanjali no seu Yoga Sutras, por volta de 300 a.C. Muito se fala que o indivíduo deve ser o mesmo seja no tapetinho na sala de yoga, seja na vida. Mas como sabemos que a teoria nem sempre é aplicada na prática, fizemos uma pequena reflexão, a partir de um teste individual, que consistiu em responder (mentalmente) a algumas perguntas e atribuir certo número de pontos a cada resposta. A partir do resultado (não compartilhado), cada um teria em mãos uma medida para avaliar sua conduta em relação a cada um dos dez princípios mencionados, os yamas (refreamentos) e os nyamas (observâncias).   

A título de esclarecimento, yamas são cinco princípios que moldam o caráter do indivíduo para um melhor convívio em sociedade. São eles: ahimsa (não violência em pensamentos, palavras, olhares e ações); satya (veracidade ou não mentir, não dizer meias-verdades, não se iludir e nem iludir o outro); asteya (honestidade, muito além de objetos [o que é óbvio] e que inclui não furtar (do outro) paz, espaço, tempo, direitos, saúde, alegria etc.); brahmacharya (moderação, controle da energia e dos impulsos e excessos em qualquer situação – ao comer, beber, trabalhar, consumir e em relação à vida sexual); e  aparigraha (não possessividade, não acumulação, não ganância, desapego).

Por sua vez, os niyamas, observâncias para um trabalho sério sobre si mesmo, consistem em fazer uma escolha diária, firme e consciente de um modo de ser e de agir no mundo: saucha (purificação, conceito que vai muito além da higiene corporal, envolvendo pureza do que nos nutre - alimentos, pensamentos, emoções, filmes, músicas, ambientes etc.); santosha (cultivo do contentamento e da alegria interior com o que se é); tapas (austeridade, disciplina, resiliência, num esforço vinculado à vontade); svadhyaya (autoestudo e estudo dos textos sagrados e inspiradores); e ishvara pranidhana (confiança, entrega; fazer o nosso melhor em qualquer situação e depois entregar, em essência, o ‘seja feita a vossa vontade’, tão repetido e tão pouco aplicado).

Nosso modo de agir reflete nosso interior e nossas ações acabam mostrando o que somos de fato. Porém, o mais importante é que cada dia traz novas oportunidades para aprendermos e superarmos as tendências negativas. Assim, o teste buscou identificar o modo de cada um perceber e interagir com o mundo, sendo que essa percepção/interação se dá por meio da visão, da audição, do pensamento, do sentimento, do discurso e da ação. Tudo está interligado, mesmo que o indivíduo não tenha essa consciência. A maioria vê, ouve algo e logo analisa, julga, fala e reage sem pensar, por impulso, sem estar presente de fato. A própria psicanálise, por exemplo, enfatiza que é por meio do discurso que revelamos quem somos.Todas essas expressões, na verdade, são um reflexo do que já existe no coração.

A proposta foi, então, tirar a ética do plano teórico e jogá-la na vida real, fazê-la presente em TODAS as nossas atividades, como uma roupa que colocamos, independentemente da ocasião. As lições aprendidas se revelam no cotidiano e, como bem diz o trecho acima, extraído do Bhagavad-Gita, o livro sagrado dos hindus, a VIDA é uma prática viva. 

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Ecos Culturais | Teko Porã

Aqui, no blog Anita Plural, já se falou de conceitos importantes de outros povos como o africano ubuntu (eu sou porque nós somos) e o japonês ikigai (entusiasmo por um ideal). Agora trago um conceito dos povos originários, dos guaranis, em especial: Teko Porã, traduzido como o belo caminho, o bem viver, que fala da inter-relação de todos os seres.

O conceito está profundamente enraizado na cosmologia dos povos indígenas, que jamais se colocam como proprietários e, sim, como parte do todo. Como tal, quando houver necessidade, eles têm permissão para usar algo do meio ambiente, mas sempre se lembrando de, antes, agradecer e pedir permissão à mãe natureza, entendendo que tudo está interligado, entrelaçado e, dessa maneira, buscando construir, coletivamente, uma nova forma de bem viver para todos.

Na região de Parelheiros, zona sul de São Paulo, existe um território com o maior número de lideranças femininas do povo guarani. Uma delas é Jerá (pronuncia-se Dirá). Pedagoga pela Universidade de São Paulo, há anos ela luta pela demarcação das terras de seu povo. Diz que o modo de vida dos homens brancos está errado, pois eles acumulam demais, mesmo sem necessidade, desequilibram a vida planetária e não respeitam a natureza que, segundo a cosmologia guarani, surgiu primeiro e, portanto, deve ser respeitada e reverenciada. Diz Jerá: 

“É preciso cuidar daquilo que nos mantém vivos; ter uma cultura de respeitar a natureza, de lidar com a terra, de ter só o suficiente. [...] Não tem guarani proprietário do agronegócio, destruindo terra, envolvido nessa ideia de riqueza, então, esse termo do Teko Porã vai um pouco nessa linha de despertar o homem branco (juruá, em guarani) para essa reflexão, de lembrar-lhe que, a cada dia, temos uma oportunidade de agir diferente, de construir, de consertar."

Daniel Munduruku, outra grande liderança indígena, escritor, ativo difusor da literatura e da cultura dos povos originários, ganhador de inúmeros prêmios, dentre eles o Jabuti de 2017, também nos falou desse conceito na palestra Ancestralidades Indígenas e Dilemas Contemporâneos, proferida em evento promovido pela Universidade Federal Fluminense - UFF, em 2019. 
Por sua vez, a psicanalista Suely Rolnik, escritora e professora da Pontifícia Universidade Católica - PUC-SP, fala aqui do Teko Porã, desse caminho belo, do bem viver e dessa almejada união também no âmbito urbano, sobretudo nos espaços públicos. Afinal, nunca é demais lembrar da complexidade, como nos lembra Edgar Morin em sua Teoria da Complexidade, da diversidade das línguas, das falas, dos saberes, dos modos de vida, tradições e culturas, do conhecimento, do trabalho no campo e na cidade, mas sempre num mesmo e único mundo, com a mesma finalidade, objetivando o todo, o coletivo.

Como conceito, o bem viver abarca quatro dimensões interconectadas: a do indivíduo consigo mesmo (dimensão subjetiva e espiritual); a do indivíduo com os outros (dimensão comunitária); a dele com a natureza (dimensão ecológica) e, por fim, a dele com as forças da vida (dimensão cósmica). Para integrar essas dimensões é preciso questionar o desenvolvimento a qualquer custo, a opressão e a violência da colonização; é preciso reaprender a viver em comunidade com todos os seres, com todas as forças naturais, com a Vida.  Porque, por mais que a meritocracia afirme e queira provar que só depende de “você”, o fato é que ninguém existe sozinho; precisamos uns dos outros, da natureza, das águas, da chuva, dos ventos, da Terra, da nossa Pachamama! O respeito a essas relações de reciprocidade com todas as forças da vida é o que reforça o bem viver, fortalecendo os fios de uma trama que dão sentido à vida, já que a alma é feita do mesmo tecido do mundo em que habita, como mencionado pelas Upanishads, parte final dos Vedas, livros sagrados mais antigos do mundo.    

Referências

https://www.fiquebem.org.br/julho2022/teko-por%C3%A3%3A-a-filosofia-do-bem-viver-na-sabedoria-guarani

https://outraspalavras.net/blog/bem-viver-indigena-caminho-para-reinventar-a-democracia/

https://www.brasildefato.com.br/2018/01/30/cosmovisoes-comunidades-e-resistencias-na-america-latina-o-tecido-vivo-do-bem-viver/   

https://www.youtube.com/watch?v=_0iDKO8I-f8 

https://thegoddessgarden.com/pachamama/     

https://anitadimarco.blogspot.com/2022/04/ecos-imateriais-ikigai.html   

https://anitadimarco.blogspot.com/2018/10/ecos-imateriais-ubuntu.html  

https://anitadimarco.blogspot.com/2020/12/ecos-humanos-dna-e-filosofia-ubuntu.html