sexta-feira, 19 de abril de 2024

Ecos Humanos | Inspiração do Sul Global (Sri Lanka) (2/2)

Se não leu o post anterior, leia aqui para entender a história.

Os irmãos de Vos. 
Como já mencionei, anos depois do curso de especialização que fiz no Iccrom, em Roma, voltei a entrar em contato com meu colega do Sri Lanka, o arquiteto Ashley de Vos, ainda que só por e-mail. Relembramos fatos, souvenirs e velhas histórias; rimos das nossas manias, pausas para café, gafes, aulas e seminários, trocamos informações atualizadas sobre outros colegas e a família. Com a esposa Fatma, Ashley teve dois filhos: o arquiteto Ashvin de Vos (1977), hoje morando e trabalhando em Londres, e a reconhecida bióloga e pesquisadora Asha de Vos (1979), que ama o mar e a vida marinha e coleciona prêmios e homenagens.    

Admirada com essas referências, comecei a acompanhar o trabalho dela e fiquei impressionada com o conhecimento, o entusiasmo, a determinação, o senso de coletividade e a dimensão humana dessa jovem mulher. Depois do curso superior em Saint Andrews (Escócia), fez mestrado no Lincoln College em Oxford (Inglaterra) e doutorado na Austrália. Foi alvo de ataques, ironias e preconceitos e, como toda mulher que se destaca, sobretudo no Sul Global, foi subestimada. Apesar disso, jamais desistiu. Criou uma organização sem fins lucrativos, a Oceanswell, para pesquisar a vida marinha no Sri Lanka.  

Capa da Revista Conservation Science & Practice

Como primeira pesquisadora da National Geographic em seu país (2016), atraiu os olhares da mídia internacional. Em 2018 fundou o Projeto Baleia Azul e nunca mais parou de pesquisar, estudar, navegar e falar sobre a proteção dessas baleias e do meio ambiente marinho. Dentre os muitos prêmios recebidos estão: Senior Advisor do Oceana; membro sênior do TED Senior Fellow; Pew Fellow em Preservação do Ambiente Marinho (2016); Prêmio Sri Lanka do Ano (LMD (2018); Uma das 100 mulheres mais influentes no mundo em 2018 (BBC 100 Women);  Young Global Leader e Prêmio Alumni Global do British Council (2018), pelo Fórum Econômico Mundial; Destaque em Conservação da Vida Marinha pela Duke University (2019); Prêmio Maxwell-Hanrahan Award em Biologia de Campo, 2020; Heroína do Mar de 2020, pela revista Scuba Diving Magazine; Prêmio Liderança Global pela Tallberg-SNF-Eliasson (2021); Equality and Diversity Champion of the British Ecological Society (2023);e Membro da Academia de Ciências da Califórnia (FY24 Osher Fellow) (2024), por enquanto...

Asha de Vos no seu meio. Divulgação

Além disso, foi homenageada, pelo parlamento de seu país como uma das Doze Mulheres que Provocam Mudanças no Mundo e é a única de Sri Lanka a ter seu retrato pendurado no Lincoln College (UK) onde fez mestrado. Em janeiro de 2024, ganhou uma página inteira, dentro da série Turning Point do The New York Times (aqui). No artigo, Asha de Vos faz afirmações que deveriam ser mostradas em imensos murais e divulgadas mundo afora. Declara que, ao procurar apoio para construir um projeto de longo prazo e pesquisar as baleias na sua região, “especialistas do norte global tentaram trazer suas equipes para fazer a pesquisa, baseando-se na suposição de que eu, alguém do sul global, não poderia estabelecer uma pesquisa no meu quintal”. Ou seja, no lugar onde ela nasceu e viveu a maior parte de sua vida.   

Asha de Vos e pesquisadores, em Portugal

Asha de Vos discute ainda algo muito comum a nós, brasileiros, nos meios acadêmico e científico: a ciência colonial ou ciência de paraquedas, que sustenta que o sul global deveria se ater a aproveitar as oportunidades em lugar de criá-las, o que perpetua falsas narrativas sobre a capacidade de equipes locais [...] Pesquisadores não locais vão ao sul global, fazem a pesquisa e vão embora sem investir na vida local ou em infraestrutura, usando populações autóctones numa colaboração desigual, sem reconhecimento ou crédito.

Apesar de admitir que, no passado, diversas equipes de cientistas que chegaram "de paraquedas", no sul global, “expandiram a exploração, a ciência e a conservação, suas ações também criaram um estrangulamento ao progresso e a falsa percepção de que um punhado pode salvar o todo.” Não pode, enfatiza ela e conclui dizendo que o fato de criar projetos que privilegiem as prioridades locais, ainda que nem sempre alinhadas com os desafios globais, leva a soluções contextualmente apropriadas. E termina apelando para a inclusão equitativa:  

        [...] Apesar das linhas que vemos nos mapas, o nosso oceano é um grande reservatório de água. É nosso patrimônio comum.  O conhecimento técnico e a capacidade de inovação não nos levarão muito longe na conservação desse recurso vital se não fizermos um esforço consciente para sermos inclusivos e equitativos. A maior parte das áreas costeiras do mundo situa-se no sul global – onde o talento é distribuído igualmente, mas as oportunidades não. O sucesso na preservação do oceano só virá quando reconhecermos que a proteção do maior ecossistema do mundo requer a maior equipe do mundo. (Asha de Vos)

Asha e os pais, Ashley e Fatma

Com apoio e exemplo dos pais, determinação e coragem, sem perder foco, dimensão humana e senso de justiça, Asha de Vos venceu barreiras em seu próprio país e abriu novos campos nos mares de Sri Lanka, pesquisando, criando centros de pesquisa e conservação, incentivando jovens biólogos e pesquisadores, advogando por ações de educação ambiental e marinha, escrevendo, dando palestras, divulgando seu trabalho, defendendo o lugar devido às mulheres na ciência e na vida e denunciando qualquer preconceito de origem, raça, cor, gênero e religião. 

Mesmo assim, afetuosa e sabiamente, ela sempre volta tanto física como simbolicamente ao lugar onde tudo começou: os ancestrais, o colo e o afeto dos pais. Um belo exemplo do sul global de entusiasmo, inspiração, força de vontade e de como dignificar a própria origem. De uma parte do sul global para outra: que continuemos a seguir adiante, sem jamais desanimar, apesar de...  

Referências 

https://oceanswell.org/

www.ashadevos.com/

https://www.seema.com/everything-about-asha-de-vos-marine-biologist/

https://www.britishecologicalsociety.org/bes-awards-2023-meet-the-winners/

https://www.pewtrusts.org/en/projects/marine-fellows/fellows-directory/2016/asha-de-vos

https://explorers.nationalgeographic.org/directory/asha-de-vos

https://education.nationalgeographic.org/resource/til-whale-poop-helps-keep-our-oceans-alive/

https://www.nytimes.com/2023/12/05/special-series/ocean-conservation-global-south-diversity.html

https://www.scientificamerican.com/article/the-problem-of-colonial-science/

4 comentários:

  1. Importante texto sobre Esha de Vos

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  2. Excelente texto!! Que possamos aproveitar essa determinação e garra da Asha de Vos, para nossos projetos!!! Obrigada Anita querida!!! Fátima Terra

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  3. Que bacana o texto e a história de Asha de Vos. Parabéns pelo texto e a ela por tudo que faz e tem feito.Bebel

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  4. Lindo texto! A família de Vos é sucesso, hein? E quão importante termos pesquisadores com consciência política/ social! Sim, Asha é um exemplo para mim e deveria ser para todos os biólogos! Excelente trabalho!
    D.B.Ortega

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