A tragédia da disseminação insana e
irresponsável das chamadas notícias falsas (nada de nome em inglês), que
nada mais são do que mentiras deslavadas, virou um problema crônico, danoso e muito perigoso. Infelizmente, num país em que a grande maioria da população
teve um letramento insuficiente, sobretudo uma população que tem cor, classe e região, a questão da interpretação de texto é
complicada. Se muitos não entendem um texto pequeno, um cabeçalho até, como vão
entender e discernir a verdade da mentira? O falso do verdadeiro? A realidade
da canalhice? O fato real da manipulação? Já falei sobre isso a partir da
resenha do livro Gramática da Manipulação da jornalista Letícia
Salorenzzo (aqui).
Em maio de 2025, o premiado jornalista Leonardo Sakamoto, professor, doutor em Ciências Políticas e colaborador de vários veículos de notícias, publicou a coluna Brasil analfabeto midiático crê
em tudo o que vem do zap e compartilha fake. Vale muito a leitura! Crítico talentoso e sagaz, ele
fala que, sim, "é verdade que falta amor no mundo, mas falta também capacidade
de interpretação de texto". Certíssimo! Ele ainda cita uma pesquisa da Ação Educativa que
alerta para a incapacidade de ~33% da população de ler compreender mensagens de
forma eficaz. Isso quer dizer que, ao menos, pensar criticamente utilizando a dimensão histórica em torno de qualquer fato está a anos-luz de 33% da população brasileira.
Essa porcentagem representa indivíduos sem habilidade e pensamento crítico para discernir e
entender o que leem e, por isso, acabam acreditando em tudo o que se compartilha nas
redes sociais e, pior, de forma acrítica passam adiante o que leram. No mais das vezes, sem questionar a veracidade do
conteúdo, porque a falsa informação atende ao que pensam. No artigo, Sakamoto ressalta que “se o analfabetismo funcional é
terrível, o analfabetismo midiático é uma desgraça”.
Infelizmente, sabemos que, se nossa
capacidade de compreender um texto é baixa, não é melhor o conhecimento da
história real do Brasil, que exige estudo, tempo, análise, desconfiômetro,
questionamento, pensamento crítico e, sobretudo, uma bibliografia adequada e ampla, escrita por personagens com variados pontos de vista, não só o defendido pelos vencedores. Porque, na grande maioria das vezes, a história é contada pelos vencedores, pelos colonizadores, pelos dominadores: homens de uma elite branca, machista e
preconceituosa. É urgente trazer à luz outras visões, falas de outros lugares, com outras percepções, outras conotações e vivências.
Calma, não adianta brigar. Isso é fato. Eu vejo a história, a
partir do meu ponto de vista, da minha perspectiva de mulher branca, mais velha, trabalhadora, escolarizada, de
classe média, com curso superior e pós-graduação. Essa visão será diferente daquela de uma mulher negra, sem escolaridade, da classe baixa, trabalhadora e mais jovem; ou de um indígena, ou de um quilombola, ou... É evidente que a história será vista com outros olhos, a partir
de outros pontos de vista. Isso é o tão falado "lugar de fala" e não significa o que
eu falo, mas de onde eu falo, ou seja, de que lugar, de que vivências, de que pontos de vista... Enquanto isso,
o que podemos fazer? Reivindicar uma educação de
qualidade e oportunidades para todos, além de ampliar o lugar de fala dos que falam e escrevem sobre a história.
Na questão midiática, inclusive, os tais
algoritmos criam bolhas e aumentam essas diferenças, porque, de modo geral, a tendência é cada grupo se fechar e ficar só naquele círculo, sem relação com
quem pensa diferente, sem ouvir vozes vindas de outros personagens, diferentes de nós. Esse isolamento,
essa bolha em torno de um modo de agir e pensar, não faz bem a nenhuma
sociedade.
Alerta. Desenvolver o pensamento crítico é fundamental e faz bem à saúde mental e emocional do praticante, portanto, à sociedade como um todo.
Repetindo o que sempre diz e repete a professora e
filósofa Marilena Chauí: pensar leva tempo e, portanto, moldar o pensamento crítico leva
mais tempo ainda. Por isso, é preciso treinar desde cedo esse olhar e esse pensamento crítico; é preciso ensinar a questionar e buscar a veracidade das informações; é preciso pensar criticamente, discernir e assumir a
responsabilidade de não compartilhar textos mentirosos. Sakamoto, a esse respeito, ainda diz que “O letramento midiático é
tema urgente no Brasil e no mundo para garantirmos um debate público
saudável e o arrefecimento da ultrapolarização burra, que tenta destruir a
diferença.”
Concluindo seu desabafo, Sakamoto lista dez
regras para contribuir com esse processo de alfabetização midiática da população. Transcrevo o decálogo ípsis líteris:
1) Não compartilharás conteúdo noticioso sem antes checar a informação;
2) Não divulgarás notícias relevantes sem atribuir a elas fontes primárias de informação;
3) Postagens "apócrifas", sem fonte, jamais serão aceitas como instrumento de checagem ou comprovação;
4) Não esquecerás que informação precede opinião;
5) Não matarás - sem antes checar o óbito;
6) Lembrarás que mais vale uma postagem atrasada e bem checada que uma rápida e mal apurada. E que um número grande de likes não garante credibilidade;
7) Serás assertivo apenas naquilo que tens certeza do que diz;
8) Não se esquecerás que apuração precede pitaco;
9) Não terás pudores de reconhecer, rapidamente e sem poréns, o erro em caso de divulgação ou encaminhamento de informação incorreta;
10) Na dúvida, não compartilharás. Pois, tu és responsável por aquilo que repassas. Ou seja, se der m..., você também é culpado.O jornalista e professor de jornalismo termina seu desabafo com um alerta: “Burrice não é
falta de um conhecimento específico, nem a diferença nos padrões de fala, mas a
atitude daquele que menospreza o conhecimento, seja ele qual for [...] e essa
burrice mata o futuro!”
Referências
https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2025/05/05/o-brasil-analfabeto-midiatico-cre-em-tudo-que-vem-do-zap-e-compartilha-fake.htm
https://anitadimarco.blogspot.com/2019/04/ecos-literarios-gramatica-da-manipulacao.html
Notícia falsa, de fato, não precisa de nome inglês. Não que nomes de procedência estrangeira devam ser abominados (até futebol é nome inglês, sem falar nas toneladas de palavras hoje corriqueiras que foram importadas do francês...), mas notícia falsa não passa do que é, pura e simplesmente.
ResponderExcluirExatamente, mas se temos palavras nossas, por que usar as estrangeiras, certo? Mas também há aquelas que são correntes no mundo e até no VOLP...valeu e obrigada por comentar....
ExcluirBellissimo articolo,non conoscevo il giornalista e scrittore Sakamoto, visto che siamo nell'era della comunicazione e informazione digitale......., corrisponde alla verita' in quanto in tutti i paesi del mondo esiste l'analfabetismo mediatico e tutti ne siamo colpiti.Ciao un grande abbraccio Tonino
ResponderExcluirÈ vero, Tonino... E viva educazione di qualità per tutti! Grazie e un grande abbraccio!
ExcluirPerfeito! O problema de novo está na falta que faz a formação das pessoas
ResponderExcluirQue falta faz um Paulo Freire, não é, Anita. E a falta uma alfabetização que ajude a entender e a querer mudar o mundo não é um problema só do Brasil. Vide rapidamente os 'lideres' dos EUA, Itália, Hungria, Israel... Zé Marcelino
ResponderExcluirNem me diga, Zé, e pensar que aqui muitos não só o ignoram, mas também o abominam, enquanto ele é valorizado, respeitado e pesquisado em todo o mundo....abração...
ExcluirTexto muito importante e necessário. Este sim deveria "viralizar" principalmente entre as famosas " tias do zap" . E, é isso mesmo! Chega de nome em inglês!
ResponderExcluirObrigada, Daniel!!!! Valeu, abração
ExcluirExcelente e importante texto/tema nos dias de hoje.
ResponderExcluirParabéns Anita!
Parabéns Anita! Importante e providencial artigo sobre a questão das fake News. Cada vez mais precisamos ficar atentos para não repassarmos informações enganosas e fraudulentas. Abs.
ResponderExcluir