Há pouco tempo, ganhei da psicóloga
e escritora Cynthia Mesquita Beltrão, dois livros excelentes. Um é o corajoso Incômodo Conto (resenha aqui), de sua autoria, e o outro é uma publicação que considero imperdível,
sobretudo nos tempos atuais, para grande parte da população. Trata-se de Gramática
da Manipulação, de Letícia
Sallorenzo, jornalista e mestre
em Linguística pela Universidade de Brasília. Publicado em setembro de 2018
pela Quintal Edições, o livro é resultado da dissertação de mestrado da
autora e prefaciado pelo jornalista Franklin Martins.
Como
tudo começou? Bem, já durante o governo Lula, a autora e jornalista atuante se percebeu incomodada com as
manchetes publicadas pelos jornais sobre as conquistas positivas daquele período (e não foram poucas): havia a notícia, uma vírgula e um invariável ‘MAS’... Resolveu investir no tema em um
mestrado e, durante o segundo turno das eleições presidenciais de 2014, ela
reuniu um corpus (conjunto) de 340 manchetes de capa e internas, publicadas entre os dias 6
e 31 de outubro de 2014, pelos jornais O Globo e Folha de São Paulo.
A partir desse conjunto, a autora analisou dados discursivos e linguísticos, utilizando-se das três irmãs da Gramática: a Sintaxe (que mostra a função dos termos na frase: sujeito, predicado,objetos, adjuntos); a Semântica (que traz o significado e sentido das palavras) e a Pragmática (que mostra como a ordem e o rearranjo dos termos na frase enfatiza determinados aspectos e não outros). Ao final, concluiu que houve, sim, manipulação da mídia na produção das manchetes.
A partir desse conjunto, a autora analisou dados discursivos e linguísticos, utilizando-se das três irmãs da Gramática: a Sintaxe (que mostra a função dos termos na frase: sujeito, predicado,objetos, adjuntos); a Semântica (que traz o significado e sentido das palavras) e a Pragmática (que mostra como a ordem e o rearranjo dos termos na frase enfatiza determinados aspectos e não outros). Ao final, concluiu que houve, sim, manipulação da mídia na produção das manchetes.
Como
a autora reforça o tempo todo, não se trata de opinião e nem de defender A ou B, mas de um trabalho
científico, embasado em uma série de pesquisas e conceitos teóricos linguísticos e de análise do discurso, provando
que, através da ordem, forma e escolha dos termos das manchetes, o veículo de
comunicação é capaz de alterar, direcionar e influenciar o pensamento do leitor.
Para
leitores atentos e críticos, muitíssimas manchetes, de fato, e não só daquele
período, eram claramente antagônicas e ofensivas a determinado candidato e sempre
tolerantes e lenientes em relação ao outro. Que bom que agora surgiu alguém com
um viés científico para mostrar o que já era claro para tantos que, em
suas leituras, independentemente de sua opção política, conseguem ver o todo de forma crítica, estabelecendo
relações históricas e tendo uma visão refletida dos fatos narrados, sem aceitar, placidamente, o que as manchetes querem impor e convencer como verdade.
O
trabalho de Sallorenzo mostra a construção lenta, consciente, maquiavélica e sub-reptícia,
ao longo do tempo, de conceitos que demonizavam ou marcavam de forma negativa e
belicosa os membros, dirigentes, simpatizantes e ações do Partido dos
Trabalhadores, o PT. O livro elucida o que as escolas não ensinam aos alunos nas
aulas de Português: a importância da sintaxe, da semântica e da pragmática na
interpretação de um texto, o poder e o impacto das palavras escolhidas a
depender de sua adjetivação e da ordem em que aparecem (ou não) na frase e a
importância da sinonímia.
É isso mesmo!
O livro usa conceitos simples da sintaxe e da semântica - verbo,
sujeito, objeto, posição dos elementos na frase - e, de forma agradável, informal e
divertida, vai esmiuçando e deixando muito clara sua conclusão: a manipulação
proposital do leitor pela grande mídia. Mostra que, dependendo de como um verbo
é utilizado nas manchetes o agente da ação pode ser suavizado, escondido ou
simplesmente pode desaparecer. O tipo de verbo escolhido, cuja valência pode ser alterada e, de modo nada ingênuo, a depender da construção e da intenção do editor, induz
à associação de determinada imagem a quem aciona o verbo, a seu agente e assim por diante. O livro é uma aula de Linguística, uma aula de
Política e uma aula de Jornalismo, com “J” maiúsculo, não como temos visto
tristemente, nos últimos dezoito anos.
Eis aqui
um exemplo simples para despertar a curiosidade dos leitores: o
uso do verbo atacar. Verbo denota
ação e, no caso, sempre a existência de um sujeito. A pergunta que aparece de imediato
quando se lê esse verbo é: quem ataca? A
jornalista responde, como qualquer um responderia: um animal ataca, um sujeito louco,
descontrolado, raivoso. Pois bem, em quase 100%
dos casos analisados, dentro das 340 manchetes, o sujeito era Dilma ou alguém
ligado ao PT. Por outro lado, o verbo criticar denota alguém que
pensa, um sujeito moderado, de fala mansa, que usa o raciocínio. Em suas análises, o sujeito do
verbo criticar, em todas as ocorrências, referia-se a Aécio. Então, nas manchetes, Dilma atacava e Aécio
criticava. Ora, o que esses veículos
queriam provar com essa escolha de verbos? Quem ou o que defendiam?
Entrevista no TUTAMEIA (tutameia.jor.br). |
Em outro caso, quando na manchete o verbo vira substantivo - nominalização em Linguística - o agente da ação desaparece porque o que aciona o verbo passa a ser uma coisa inanimada, ou seja, omite-se um dado importante da mensagem. Sallorenzo
salienta ainda que, embora não seja a única culpada, a mídia colaborou e
colabora de forma descarada para esconder determinados fatos, suavizar outros, moldar
opiniões, esconder responsabilidades e criar versões que interessam a ela, mídia.
No entanto, trata-se de uma edição tendenciosa, ideológica e parcial. Tudo o que um
bom jornalismo não poderia ser. E não estou falando de colunistas, de
articulistas ou de analistas (?). Estou falando da imprensa que narra o dia a
dia da sociedade e de forma isenta. Pelo menos é essa sua função, ou deveria ser. Em uma época
em que a internet mudou o conceito de jornal escrito e, parafraseando o tradutor
e linguista italiano Umberto Eco, "deu voz a uma multidão de
imbecis", é patente que os jornais perdem, a cada dia, um pouco mais da credibilidade.
E ainda, tiveram a coragem de chamar de "sujos" os blogues e jornais virtuais que questionavam e denunciavam tal manipulação.
Infelizmente,
é fato que grande parte da população brasileira só lê manchetes que têm consumo
imediato, não se detém em uma leitura mais profunda e, muito menos, lê com olhar
atento e criando uma linha de pensamento paralela, questionando e desenvolvendo a
análise crítica. Depois desse livro, cuja leitura deveria ser obrigatória em todas as escolas de jornalismo
e de ensino médio do país, espero sinceramente que as pessoas nunca mais
leiam manchetes de jornais ou ouçam noticiários de rádio e TV da mesma
forma, mas comecem a questionar o uso dos termos, a forma como a notícia é
dada e comecem a entender o que foi dito com base em uma análise que não exclua a indispensável dimensão histórica.
Para quem
quiser ouvir da própria jornalista suas explicações esclarecedoras, recomendo a
excelente entrevista (10 min) que ela deu ao GGN (jornal do Luis Nassif), do qual é colunista. Vale
assistir.
Livro: “Gramática
da Manipulação”
Por Letícia
Sallorenzo
Quintal
Edições, BH, 2018.
Venda:
loja.quintaledicoes.com.br
Referências:
Tem coisas que a gente nem imagina que possam haver.Muito esclarecedora esta pesquisa. Parabéns à você por nos brindar com Estes conhecimentos
ResponderExcluirBJ
IONE
Puxa, muito obrigada por sua resenha! Que bom saber que meu livro está cumprindo com seu papel de desnudar os mecanismos de construção de manchetes e de ideias e ideologias!
ResponderExcluirAdorei ler essa resenha! Mais uma vez, muito obrigada! <3
Olá, Letícia! Parabéns pelo seu texto e por sua pesquisa. São vozes corajosas que se unem e desmascaram o que está por aí. Grande abraço e obrigada pelo retorno. Sucesso em suas novas pesquisas e lutas.
ExcluirAnita
Maravilhosa explicação, Anita! Mostra como somos manipulados por textos que geram ódio e ironia! Como é importante estarmos atentos! Isto ocorre demais nas manchetes!
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