Na tradição ocidental, falar é bastante estimulado, inclusive com uma série de cursos que preparam o indivíduo para se expressar melhor. No entanto, escutar é bem menos estimulado. Manter o silêncio, então, nem se fala. Por outro lado, a tradição oriental
busca, desde cedo, cultivar o silêncio e o escutar, que é diferente de ouvir. Escutar pressupõe bem
mais que perceber sons pelo sentido da audição. Significa estar atento ao que
se ouve e acolher o que o outro lhe diz. É interromper qualquer atividade - o celular, a leitura, a televisão - e olhar nos olhos do outro para escutá-lo
por inteiro. É abrir-se para o que o outro tem a dizer, fale ele com os lábios, as mãos ou o olhar. Escutar/ser escutado é algo tão importante na vida que
eu me abstenho de falar sobre o tema. Trago aqui um texto ímpar, profundo, que
nos fala à alma e nos leva a refletir sobre como ouvimos e escutamos, de fato.
O texto é de um autor querido que me acompanha há anos e cujos livros, a exemplo da xícara de Drummond, me olham lá da estante, ao lado de outros tantos autores que também sabiam escutar, que me ensinam e me acompanham desde que os conheci. O autor do texto abaixo é o mineiro Rubem
Alves (Boa Esperança,1933—Campinas-SP, 2014).
...
Escutatória
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a
falar... Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego
para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia
é um monte de ideias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver,
é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro: não é bastante ter
ouvidos para ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.
Daí a dificuldade:
A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um
palpite melhor... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a
dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...
E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito
melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais
constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais
bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os
Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência
com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio.
Vejam a semelhança...
Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano,
ficam assentados em silêncio...
Abrindo vazios de silêncio... expulsando todas as ideias
estranhas. Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente,
alguém fala.
Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito,
pois o outro falou os seus pensamentos. Pensamentos
que ele julgava essenciais. São-me estranhos.
É preciso tempo para entender o que o outro
falou. Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades:
- Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou.
Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você
terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.
- Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que
você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim.
Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O
que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando
cuidadosamente tudo aquilo que você falou. E, assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio
dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa
a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência...
E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das
palavras... No lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral
submersa.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica
fechada. Somos todos olhos e ouvidos.
Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da
filosofia, ouvimos a melodia que não havia...
Que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no
silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza
mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da
gente se juntam num contraponto.
Referência:
Que beleza! Saber ouvir o outro é escuta lo com a alma.No silêncio se escuta o que há de mais puro.Parabéns Anitinha!!
ResponderExcluirQuerida Bebel, descobri que era você pelo "Anitinha"! Um beijo, querida, saudades
ExcluirReflexão profunda e necessária. Ótimos textos!
ResponderExcluirIncrível sabedoria. Muito útil para os dias de hoje...
ResponderExcluirOlá, José Mário, sempre foi e sempre será, né? abraços
ExcluirGrande Rubem Alves! Esse senhor é, sem sombra de dúvidas, uma das minhas maiores fontes de inspiração pra escrever. Eu o amo profundamente!
ResponderExcluirNão é? Ele é maravilhoso! Obrigada, Isaías, pela presença. Grande abraço
ExcluirAnita, sábias palavras. Agradeço à você por mais um texto que, na verdade, é um presente.
ResponderExcluirOi, Silvia, eu é que agradeço por você estar sempre presente, beijo grande
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