terça-feira, 26 de março de 2019

Ecos Urbanos | Marcha das Flores - Brasília

 Brasília e a Catedral. Imagem Anita Di Marco, 2014
 Hoje, trago um filme curto do amigo, arquiteto, professor aposentado e pesquisador sênior da Universidade de Brasília, autor de vários livros e, agora, também de mais de meia centena de filmes: Frederico Holanda. Nascido em Recife, Brasil (1944), ele se formou arquiteto pela Universidade Federal de Pernambuco e é Doutor em arquitetura (Universidade de Londres, 1997).
Mora em Brasília, cidade que o acolheu há décadas e, desde então se emociona com a cidade, apesar de suas contradições e impasses. Defende-a como um verdadeiro filho da terra, embora nem por isso, deixe de ver seus problemas. 

Depois de anos lecionando, escrevendo e publicando, há pouco mais de cinco anos, decidiu-se também a divulgar em vídeo a cidade que ama. Seus filmes têm o olhar delicado e atento ao entorno, mas também aos detalhes, à tradição, às pessoas e à ação solidária. Aquele olhar que busca descobrir e trazer à luz detalhes nem sempre percebidos; aquele olhar que, além das lentes, descortina um tempo sem tempo. Alie-se às imagens, o bom gosto musical do arquiteto que enriquece os filmes, mostrando-nos que urge apreciar a beleza, enquanto podemos...

Aproveitando ainda o mês em que se comemora o Dia da Mulher e a luta contra a violência às mulheres, em geral, o filme aqui apresentado é “Marcha das Flores”, rodado em maio de 2016, tendo como pano de fundo a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios. A trilha sonora musical, conhecida e preciosa, sempre me leva às lágrimas e já faz parte do blog Anita Plural: Maria, Maria de Milton Nascimento (aqui) e Gracias a La Vida, de Violeta Parra, por Mercedes Sosa (aqui).   
 Vídeo: Marcha das Flores. Frederico Holanda em 29 mai 2016 (7:35)

Arquiteto Frederico de Holanda
Referências:

terça-feira, 19 de março de 2019

Ecos Imateriais | Consciência de quem somos


Libertei mil escravos; teria libertado muitos mais 
se soubessem que eram escravos.
 A história da norte-americana Harriet Tubman, nascida Araminta Ross (1822—1913), ex-escrava, abolicionista, enfermeira durante a Guerra Civil americana, depois sufragista e ativista de direitos civis deve ser similar, em muitos aspectos, à história de tantos outros abolicionistas e ativistas, brasileiros ou não. O reconhecimento é que é diferente, muito diferente...  
Nascida em Maryland, aos seis anos começou a trabalhar como escrava doméstica; aos 13, foi para os campos da fazenda onde vivia, viu as irmãs serem vendidas e os pais idosos trabalharem como escravos. Teve uma vida marcada pelas cicatrizes da escravidão, seja pelas chicotadas recebidas, seja pela deficiência permanente, fruto da pancada na cabeça dada por um feitor e destinada a outro escravo, a quem Harriet tentava defender. Mais tarde, ela fugiu, arrumou emprego e moradia na Filadélfia, mas não se esqueceu de seus irmãos de sofrimento. Arriscou a própria vida ou ser recapturada, em 13 missões diferentes, e resgatou dezenas de pessoas, membros da família ou amigos escravizados. Utilizava a chamada Underground Railroad (Ferrovia Subterrânea) e esconderijos secretos de outros ativistas. Pelo sucesso de suas missões de resgate, recebeu o título de “General Tubman”.  

Harriet Tubman, c.1885. Foto adquirida pelo Museu Smithsonian, 
Washington D.C. Foto: Chip Somodevilla/Getty Images.  
 O que me despertou a atenção para tal personagem foi ler, em vários lugares, uma frase sua, a de abertura desta publicação. Mas, como eu disse acima, o reconhecimento de seus esforços é o que diferencia e coroa aquela vida de lutas e a de tantos outros que atuaram e tombaram (e muitos mais que ainda lutam e atuam) em favor de direitos civis e justiça social.  

Em abril de 2016, sob a presidência de Barack Obama, ficou definido que, a partir de 2020, ano do centenário do direito feminino ao voto nos Estados Unidos, a nota de vinte dólares passará a estampar o rosto de Harriet Tubman, substituindo a imagem do ex-presidente Andrew Jackson, escravocrata assumido e apoiador da tomada de terras dos povos indígenas. Apesar de inúmeras críticas, a foto do ex-presidente será mantida, só que na face traseira da nota. O nome de Harriet Tubman surgiu vitorioso em consulta popular entre 15 candidatas, dentre elas Rosa Parks e Eleanor Roosevelt. Quase 40% do total dos participantes da enquete escolheram a ex-escrava e ativista. Mas, não se enganem, nada acontece sem luta, nem tampouco é dado de mão beijada. A conquista se deve ao esforço do grupo Women on 20s (Mulheres nas Notas de 20) que, desde 2015, vinha pressionando o governo para que as cédulas do país, hoje ilustradas só por homens, também tivessem figuras femininas.  

A historiadora Kate Larson é autora da biografia de Tubman: Bound for the Promised Land-Harriet Tubman: portrait of an American Hero (Destinada à Terra Prometida-Harriet Tubman: retrato de uma heroína americana, em tradução livre).  No livro, Larson conta que, sem nunca ter sido alfabetizada, Tubman atuou de forma muito mais corajosa e eficaz do que muitos membros da Academia. Mesmo assim, levou 30 anos para conseguir do governo americano a pensão que lhe era de direito como “veterana” da Guerra Civil.

O reconhecimento de seu esforço, além de sua figura na nota de 20 dólares, também pode ser entendido pelo fato de a ativista ter dado seu nome a dois parques norte-americanos. Enquanto isso, aqui no chamado país do futuro (sabe-se lá quando esse futuro chegará...), o reconhecimento de nossos verdadeiros líderes, sobre os quais a História oficial não fala às claras, e a tão sonhada igualdade (ao menos de oportunidades) entre homens e mulheres segue o caminho inverso: uma realidade cada vez mais distante. 

Ainda que a maioria discorde de nós e de nossas opiniões, é absolutamente libertador tomar consciência de quem somos de fato. É um conforto, um alívio e um elemento essencial para a construção de uma boa autoestima ter consciência do que nos move, do que nos sustenta e das justificativas reais de nossos modos de pensar e agir. A ex-escrava e ativista Harriet Tubman está na História pelo que fez por si e pelos outros, por ter desenvolvido a consciência de quem era, de fato, do que era justo e por ter lutado para alcançar essa justiça. 

Diariamente, somos bombardeados por milhares de informações, superficiais no mais das vezes, quando não falsas. Junte-se isso à deficiência na nossa formação, à falta de prática e hábito de usar o tão precioso tempo para desenvolver o pensamento crítico (sim, porque desenvolver o pensamento leva tempo) e cria-se uma geração (ou mais de uma) que repete e defende informações, frases e conceitos sem uma análise crítica, séria, aprofundada e embasada em uma dimensão histórica mais ampla.  Ah, como fazem falta as aulas de filosofia e sociologia...
 
É vital, portanto, tomar consciência de quem somos, como estamos em relação a nós e aos outros, quais são nossos ídolos, se nossa ação é coerente com o que pensamos, sentimos e falamos, e se fazemos ao outro aquilo que gostaríamos que ele nos fizesse. Simples assim, numa fórmula que nos foi dada há mais de 2000 anos. É importante tomar consciência de quem somos e questionar o que nos é dito. Caso contrário, corremos o risco de continuar sendo conduzidos como gado e, ainda que neguemos, continuaremos cegos que se consideram livres, quando de fato, somos escravos da opinião alheia, da mídia, da moda, da educação deficiente e da ausência de um pensamento crítico desenvolvido.

Referências:
https://www.womenon20s.org/ 
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/20/internacional/1461172106_807682.html