terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Paisagem & Patrimônio | O caso da liteira de Varginha

O grito, do pintor norueguês Edvard Munch. 1873


 É triste perceber a falta de profissionalismo das pessoas, no dia a dia, nas mais variadas situações. Mais triste ainda e mesmo inadmissível é perceber isso em órgãos e profissionais que deveriam zelar pelo bem público. Lamentável notar a persistência do jeitinho brasileiro, de forma equivocada e desrespeitosa. Desanimador constatar as decisões inadequadas e caricatas de pessoas que deveriam dar o exemplo de consideração pelo que é de todos – de cidades a bens públicos. São pessoas que agem inadvertidamente, como se todos os demais membros da comunidade fossem tolos, inocentes úteis, seres ineptos e ignorantes quanto a qualquer que seja o assunto.  
Ninguém pode saber tudo, é  evidente. Porém, quando não se sabe como proceder em determinadas situações, técnicas ou não, deve-se ter a humildade de buscar informações com quem domina o assunto; deve-se consultar os órgãos competentes em outras instâncias. Deve-se estudar, pesquisar e agir de acordo com os cânones específicos do tema. Aliás, isso não é o que se aprende a fazer na escola? Pesquisar, analisar e refletir? Deveria ser.

Qualquer bem material ou imaterial que constitua parte do patrimônio cultural de um povo deve ser sujeito a um tratamento respeitoso e correspondente à sua condição de “bem componente do patrimônio cultural”. Além disso, esta classificação deve atender a determinados critérios técnicos que justifiquem sua inclusão naquela lista de bens protegidos: valor artístico, afetivo, arqueológico, arquitetônico, paisagístico, ambiental etc., ou seja, qualquer bem só deve ser tombado ou protegido (sim, há vida e outras instâncias além do tombamento) quando, de fato, atender a um destes critérios, decisão que cabe aos profissionais da área. Nenhum bem pode servir como mero coadjuvante no sentido de fazer número e, consequentemente, mais verbas, junto às instituições superiores de defesa do patrimônio cultural. 

Um caso tem alcançado repercussão na mídia. Trata-se de antiga liteira do século XIX, utilizada pela família do primeiro prefeito de Varginha, Major Matheus Tavares (1841-1906). À época, carregada por escravos ou animais, por meio de varões nas suas duas laterais, o veículo servia para o transporte de senhoras. Para que coubesse nas novas instalações do Museu Municipal de Varginha, a peça teve seus varões serrados. Duas fotos publicadas no link abaixo não deixam margem a dúvidas. Na primeira foto, a liteira aparece com os varões intactos, no antigo endereço do Museu, na Praça Matheus Tavares, perto da estação ferroviária. 

  
 Já nesta foto, no novo endereço, na Praça Benedito Valadares, liteira aparece com os varões serrados.(Imagens: Blog do Madeira). 

Ações do Ministério Público, investigações internas da própria prefeitura e explicações são necessárias e bem-vindas.
O presidente da Academia Varginhense de Letras, Artes e Ciências, José Roberto Sales, decidiu redigir uma nota sobre o assunto 


NOTA À IMPRENSA DA ACADEMIA VARGINHENSE DE LETRAS, ARTES E CIÊNCIAS SOBRE OS DANOS OCASIONADOS À LITEIRA DA FAMÍLIA DE MATHEUS TAVARES DA SILVA SOB A GUARDA DA FUNDAÇÃO CULTURAL DO MUNICÍPIO DE VARGINHA E ALOCADA NO MUSEU MUNICIPAL ONEYDA ALVARENGA

A ACADEMIA VARGINHENSE DE LETRAS, ARTES E CIÊNCIAS – AVLAC fundada em 21 de fevereiro de 1960 é uma associação cultural da sociedade civil, sem fins lucrativos, e de declarada utilidade pública municipal e estadual.
A AVLAC tem sido instada pelos meios de comunicação social do município e pelos cidadãos varginhenses a declarar publicamente seu posicionamento em relação ao dano sofrido pela liteira exposta no Museu Municipal Oneyda Alvarenga o que faz pela publicação da presente Nota à Imprensa.
CONSIDERANDO que a referida liteira é uma peça histórica de relevância para a história municipal, tendo pertencido à família de Matheus Tavares da Silva (1841-1906), presidente da Câmara Municipal de Varginha (prefeito) na primeira administração municipal iniciada em 1882, 
CONSIDERANDO que a liteira é uma peça museológica rara por sua originalidade, autenticidade, integridade física e dimensões, com capacidade de transportar em seu interior quatro pessoas sentadas,
CONSIDERANDO que a liteira é uma peça única composta por duas partes: a cabine e dois varões de sustentação com 446 centímetros cada,
CONSIDERANDO que, por sua função, esses varões são indissociáveis do conjunto da peça uma vez que era necessário atrelá-los a burros ou a cavalos conduzidos por escravos para que a liteira pudesse ser utilizada como meio de meio de transporte,
CONSIDERANDO que a liteira estava intacta com sua cabine e varões quando se encontrava exposta no edifício sede anterior do Museu Municipal, localizado na Praça Matheus Tavares da Silva, nº 178, centro, até o início de outubro de 2013, conforme incontestáveis provas documentais constantes das fichas cadastrais do Museu Municipal e da ficha de inventário do COPAC – Coordenadoria do Patrimônio Cultural de Varginha, provas iconográficas (fotografias e audiovisuais produzidos por órgãos públicos, particulares e emissoras de televisão) e provas testemunhais representadas pelas declarações de dezenas de munícipes,
CONSIDERANDO que, atualmente, a liteira encontra-se danificada por ter tido os varões de sustentação serrados,
CONSIDERANDO, portanto, que não há dúvida nenhuma de que a liteira sofreu grave dano em sua estrutura estando sob a guarda e responsabilidade do poder público municipal e que qualquer negação das autoridades públicas municipais é um atentado aos fatos,
CONSIDERANDO que os órgãos públicos responsáveis pela guarda, manutenção e preservação da liteira são a Fundação Cultural do Município de Varginha e o Museu Municipal Oneyda Alvarenga sob sua gestão,
CONSIDERANDO que é de competência do poder público municipal zelar pela conservação e manutenção dos objetos históricos sob a sua responsabilidade e guarda legal,
CONSIDERANDO que os servidores públicos municipais, funcionários terceirizados ou ocupantes de cargo público comissionado por indicação política têm a responsabilidade legal, ética e funcional de zelarem pela manutenção e conservação dos bens públicos sob a sua guarda,
CONSIDERANDO que existe uma comprovada materialidade do dano causado, mas que sua autoria ainda não foi identificada,
CONSIDERANDO a possibilidade da ocorrência de novos danos ao patrimônio histórico e cultural do município sob a responsabilidade do poder público municipal,
CONSIDERANDO os recentes avanços civilizatórios da nossa sociedade, a maior consciência de cidadania dos brasileiros, e que a população brasileira não tolera mais autoridades públicas que se envolvam com práticas de gestão que possam ocasionar qualquer tipo de dano aos bens públicos,

A ACADEMIA VARGINHENSE DE LETRAS, ARTES E CIÊNCIAS sugere:
QUE a PREFEITURA MUNICIPAL DE VARGINHA determine a imediata instauração de uma Sindicância Administrativa Investigatória para apurar a responsabilidade da autoria do dano ocasionado à liteira por ter tido serrados seus varões de sustentação,
QUE a PREFEITURA MUNICIPAL DE VARGINHA dê ciência do feito (dano ao patrimônio público municipal) ao Ministério Público para a tomada das providências legais cabíveis,
QUE em todas as instâncias de apuração haja celeridade, transparência e lisura na investigação dos fatos para que o(s) responsável(is) seja(m) identificados(s) e punido(s) na forma da lei,
QUE, após a conclusão das investigações, a PREFEITURA MUNICIPAL DE VARGINHA providencie a restauração da peça danificada.

Varginha, 31 de janeiro de 2017
José Roberto Sales
Presidente
Referências/Imagens:

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Yoga & Vida | Shantala e a flor de Lótus


 

“É no lodo que o lótus finca raízes, é nas águas turvas e pútridas que ele medra, irresistivelmente atraído por essa luz que ele desconhece mas pressente e que o estica, o atrai, o levanta e o obriga a elevar-se e que, de repente, ele encontra quando, ao chegar à superfície, supera. Agora, glorioso, ele se abre, desabrocha; e cego, ofusca a todos com seu indizível esplendor”. 
-Frédérik Leboyer

Certa vez, o obstetra francês Frédérik Leboyer, que já buscava formas de humanizar o parto desde a década de 1960, presenciou uma cena tocante, em uma favela de Calcutá, na Índia: uma jovem mãe paralítica massageando seu bebê com extremada dignidade, remetendo à beleza daquela flor que cresce no lodo. Emocionado, o médico pediu para fotografá-la e escreveu o poema acima.

Há anos, logo que comecei a dar aulas de yoga, ainda no inesquecível Centro de Estudos de Yoga Narayana, em São Paulo, fiz o curso de Shantala. A professora, já falecida, havia aprendido a técnica na Índia, no início da década de 1970. Infelizmente, só me recordo de seu primeiro nome - Jocely,  mas lhe serei sempre grata.

Mais tarde, ainda em São Paulo, aplicamos (meu marido e eu) a massagem em nossos filhos (maravilhosa sensação em nós e neles também, porque relaxaram e se entregaram ao sono dos justos). Depois, já em Varginha, acabei repassando a técnica para algumas entidades, berçários e creches públicas, sempre sem nenhum ganho financeiro, apenas na certeza de difundir aquela técnica maravilhosa e propiciar àquele serzinho um toque amoroso, de intimidade e afeto, estreitando, ainda mais, os vínculos sagrados entre pais e filhos. Valeu a pena!   

Em tempo, Shantala é o nome daquela jovem mãe indiana que massageava seu bebê~; é o nome da técnica e ainda do livro escrito por Leboyer e publicado pela Editora Ground em 1976: “Shantala – a arte de massagear com amor”.  


Para sempre Namastê Jocely, Namastê Shantala e Namastê Leboyer!