quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Ecos Humanos | Dom Hélder Câmara

Dom Hélder. Foto: Acervo Folha PE

Dom Hélder Câmara (1909–1999), cuja sepultura na Igreja das Fronteiras, em Olinda, vive rodeada por aqueles que querem reverenciar o amigo dos pobres, era cearense, humilde, solidário, coerente, corajoso, humanista e aquariano. Tenho profunda admiração pela sua vida e obra: completaria agora 113 anos, se estivesse vivo. Não vou falar muito dessa figura ímpar de batina bege. Quem se interessar pode recorrer aos inúmeros livros que contam sua linda trajetória. Vou apenas dar uma pincelada para, talvez, os mais desatentos.

Bispo católico e arcebispo emérito de Olinda e Recife, desde jovem, Dom Hélder posicionou-se a favor dos mais pobres e dos direitos humanos, o que incluía a concretização de uma utopia de justiça social, amor, alegria, moradia e dignidade para todos. Seu corpo franzino não correspondia à dimensão de seu otimismo, sua alegria e sua fé, contagiantes.

Papa Paulo VI e Dom Hélder. Foto: Divulgação


Um dos defensores da Teologia da Libertação, reabilitada agora pelo Papa Francisco, Dom Hélder teve papel primordial na formação da CNBB na qual atuou como Secretário Geral, incrementou a união entre bispos do país, buscou ajustar os ideais da Igreja Católica aos padrões modernos, em especial na defesa da justiça e da cidadania, consolidou as Comunidades Eclesiais de Base, elaborou projetos e atuou em vários movimentos contra a fome e a miséria. 

Manteve seu compromisso com os oprimidos, defendendo os ideais cristãos de humildade e caridade, em todos os lugares onde atuou: no Ceará (5 anos), no Rio de Janeiro (28 anos) e, em Recife e Olinda, onde permaneceu até sua morte. Entre outros, são exemplos a campanha Ano 2000 sem Miséria, na Fundação Joaquim Nabuco em Recife, a Cruzada São Sebastião e o Banco da Providência, no Rio, cuja meta era oferecer moradia digna aos favelados e auxiliar os que viviam em condições precárias.   

Participou das reformas de base do governo João Goulart, em 1962, mas por seu papel na defesa da justiça, dos direitos humanos e contra o autoritarismo, entrou em choque com a ditadura militar. Em Paris, denunciou em 1970 a prática de tortura e a situação dos presos políticos no Brasil e, em 1971, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, pela primeira vez. No total, foram quatro indicações.

Orador carismático, celebrizou-se, sobretudo fora do país, onde suas ideias se disseminaram. Pregava e era adepto da não violência e de uma igreja simples, voltada para os pobres. Humilde, ativo e coerente, nunca se calou, fez discursos, palestras, escreveu livros, declamou poemas (como os em honra de N.Sra. Mariama, no LP Missa dos Quilombos (1982), de Milton Nascimento, Dom Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra). Publicou livros, traduzidos para mais de 15 idiomas. Sua luta lhe valeu reconhecimento, mais de 700 homenagens e condecorações entre placas, diplomas, medalhas, troféus, comendas de entidades e universidades várias e mais de 30 títulos, nacionais e internacionais, de cidadão honorário e doutor Honoris Causa. Indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz, recebeu diversos prêmios, como o Prêmio Martin Luther King, nos Estados Unidos (1969) e o Prêmio Popular da Paz, na Noruega, no início dos anos 1970.    

Faleceu, aos 90 anos, em Recife, de parada cardíaca.  Em fevereiro de 2008, a Congregação para a Causa dos Santos recebeu o pedido de beatificação e canonização de Dom Hélder, enviado pela Comissão Nacional de Presbíteros (CNP), ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, como uma forma de homenagear e preservar para a posteridade  sua memória e sua trajetória em prol da justiça e da prática cotidiana dos verdadeiros preceitos cristãos. Em dezembro de 2021, no Discurso à Cúria Romana, embora sem citar o nome de Dom Hélder, o papa Francisco lembrou as palavras ditas pelo arcebispo quando este se referia à forma como o chamavam ao se referir à sua ação em relação aos pobres: "Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista."

Outras frases de Dom Hélder Câmara:

— É graça divina começar bem; graça maior, persistir na caminhada certa, mas graça das graças é não desistir nunca.

— Das barreiras a romper a que mais custa e a que mais importa é, sem dúvida, a da mediocridade.

— Se não tentarmos amar do fundo dos nossos corações, tudo se transformará numa angústia profunda. O amor, conforme nos ensinou o Nosso Senhor Jesus Cristo, é a grande mola salvadora da humanidade.

Referências

https://www.infoescola.com/biografias/dom-helder-camara/
https://www.ebiografia.com/dom_helder_camara/
http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=11573&cod_canal=44
https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/605785-o-papa-francisco-santifica-dom-helder-aquele-que-chamavam-comunista
https://www.ihu.unisinos.br/605756-o-flagelo-da-pandemia-um-teste-e-uma-grande-ocasiao-para-nos-convertermos-e-recuperarmos-a-autenticidade-constata-o-papa-francisco
http://acervocepe.com.br/
https://www.hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/colunas/irlan-melo-1.540331/dom-h%C3%A9lder-c%C3%A2mara-e-a-teologia-da-liberta%C3%A7%C3%A3o-1.554541

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Ecos Urbanos | Arquitetura Hostil (2)

Igreja. Campinas. Foto: Ag. Notícias das Favelas

Retomando o tema “arquitetura hostil”, publicado aqui. Cansamos de ver essas “estratégias projetuais” para espantar os indesejados ou aporofobia (aversão aos pobres), mas nos acomodamos. Parece ser mais fácil se indignar quando essas atitudes de hostilidade ou preconceito ocorrem lá fora, com obstáculos ao nosso ir e vir nos espaços públicos ou com atitudes de segregação em escala urbana como houve (ou há), por exemplo, nos Estados Unidos, na África do Sul, na Inglaterra, ou aqui mesmo, mas longe das nossas vistas. A distância parece sempre suavizar, na nossa consciência, o ocorrido. Difícil é reagir quando a coisa acontece no nosso universo imediato. É tomar consciência e olhar esses comportamentos mais de perto e se indignar com a desumanização das nossas cidades. Difícil é romper a barreira do nosso comportamento “distraído”, superar o hábito e os chamados espaços “exclusivos” para projetar espaços de inclusão. 

Difícil parece ser pensar em um desenho urbano seguro para todos, na subdivisão do território com responsabilidade e propor (no caso do investidor) ou exigir (no caso do poder público) projetos de loteamentos mais responsáveis, mais humanos, com desenho urbano adequado, com ruas traçadas de acordo com as curvas de nível, sem remoção da cobertura vegetal, com lotes dignos para áreas verdes e institucionais (não em pirambeiras), em terrenos aptos a receber bons equipamentos e serviços. Responsabilidade para que os futuros moradores e/ou usuários tenham segurança ao construir e ao utilizar esses espaços. Claro, não se pode controlar tudo, como as intempéries, por exemplo, mas pode-se controlar a nossa ação à luz da ética. Se cada um fizer sua parte...

Em um de seus muitos artigos, o arquiteto mineiro Fernando Luiz Lara, professor do Departamento de Arquitetura da Universidade do Texas, em Austin, questiona a tal da exclusividade e alerta os colegas arquitetos "que projetam a cidade e esses espaços de exclusão":

A exclusividade só existe porque alguém é excluído. Exclusividade e exclusão são dois lados da mesma moeda. Se todos fossem incluídos não haveria exclusividade, nem no condomínio, nem na moda, nem no restaurante. (1)

Em função de denúncias, o senador Fabiano Contarato (1966), na época na Rede-ES e, hoje, no PT, propôs o projeto de lei PL 488/2021 (ver tramitação ), chamada Lei Padre Júlio Lancelotti, que "veda o emprego de técnicas de arquitetura hostil, destinadas a afastar pessoas em situação de rua e outros segmentos da população, em espaços livres de uso público". Aprovado no Senado, o projeto aguarda aprovação na Câmara dos Deputados.      

Essa "distração", essa banalização (do mal) como dizia a filósofa alemã Hannah Arendt, é o que mantém a roda girando e girando; é o que mantém o status quo de uma parcela da população que sempre grita quando alguém propõe algo diferente, coletivo, inclusivo, com regras para o benefício comum. Somos um povo plural, multirracial e multiétnico. É preciso exercer e aproveitar essa rica diversidade, em favor de todos, em todos os campos e em toda sua extensão. Será impossível pensar e criar uma sociedade mais igualitária, mais humana e uma cidade mais justa, mais democrática, acolhedora e segura para todos, se continuarmos sustentando os mesmos modelos e recusando-nos a pensar e a romper padrões simplesmente porque "sempre foi assim"!

Referências

(1) https://revistaforum.com.br/blogs/urbanidades/o-desenho-do-racismo/

https://revistaforum.com.br/noticias/espacos-de-exclusao/

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/02/03/O-que-%C3%A9-arquitetura-hostil.-E-quais-suas-implica%C3%A7%C3%B5es-no-Brasil

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59898188

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/03/31/vai-a-camara-texto-que-proibe-arquitetura-hostil-a-populacao-de-rua-em-espaco-publico 

https://www.archdaily.com.br/br/973752/arquitetura-hostil-quando-as-cidades-nao-sao-para-todos?utm_medium=email&utm_source=ArchDaily%20Brasil&kth=539,924