quarta-feira, 28 de julho de 2021

Ecos Linguísticos | Vícios de Linguagem

A língua portuguesa é rica e bela, como disse Camões. É sonora, plástica e forte. Difícil, sim, mas nos traz incríveis possibilidades. E é dinâmica, como todas as demais. Mas, embora eu concorde com a inclusão de novos termos, acredito que é preciso evitar os tais vícios de linguagem, para que a nossa fala quanto e a nossa escrita sejam cada vez mais claras e objetivas. A solução passa pela educação (sempre) e pelo ato de ler, cada vez mais. Para citar alguns desses vícios:

Barbarismo e erros de: ortografia (mecher em vez de mexer); acentuação (rúbrica em vez de rubrica), pronúncia (pograma em vez de programa); flexão (poram em vez de puseram); ou de significado (concerto em vez de conserto de uma janela).

Cacofonia e o som desagradável resultante da proximidade de palavras: - Eu não vi ela (um beco?); Me dá uma mão (a fruta?).

Estrangeirismo é outro. Prefiro evitar, no cotidiano, o uso (exagerado) de termos estrangeiros para os quais existe tradução, como por exemplo - printar, deletar, inicializar, monitorizar, entre outros. Temos termos para tudo isso – imprimir, apagar, iniciar, monitorar.

Gerundismo é algo que surgiu com as operadoras de telemarketing e se já era feio antes, agora que se espalhou ficou irritante: vou estar mandando, vou estar verificando, vou estar confirmando. Ora, mande, verifique e pronto. Mais simples, rápido e objetivo.

Pleonasmo vicioso é outro vício que dói, mas é bem comum mesmo nas melhores rodas. A pessoa fala quase sem perceber, depois a ficha cai e ela fica super sem graça. Refiro-me aos tais: subir para cima, sair para fora; entrar para dentro e por aí vai.  

O post foi só para lembrar e valorizar a nossa língua, mas vamos ser sinceros, quem nunca?  

Referências

https://anitadimarco.blogspot.com/2018/02/ecos-linguisticos-ultima-flor-do-lacio-1.html
https://anitadimarco.blogspot.com/2018/03/ecos-linguisticos-ultima-flor-do-lacio-2.html
https://anitadimarco.blogspot.com/2018/02/ecos-linguisticos-portugues-e-o-bicho.html
https://www.normaculta.com.br/vicios-de-linguagem/

terça-feira, 20 de julho de 2021

Ecos Literários | Entrelaçamentos e Inspirações

Desde sempre, as conquistas humanas fazem são parte de uma imensa lista de entrelaçamentos, influências, inspirações, sínteses e complementações. Em qualquer campo. Os próprios filósofos clássicos partiam de aspectos já estudados por seus colegas e, inspirados pelos estudos prévios, eles se aprofundavam e criavam novas possibilidades e formas de pensar, o que permitiu o avanço das teorias filosóficas. Assim é com tudo, com a ciência, a medicina, a engenharia, as artes. Porém, o que não deve acontecer é a apropriação intelectual indevida ou, pior ainda, uma tentativa de apagamento. 

Getty Images.
Apagamento é o que sofreram (e sofrem) inúmeros grupos étnicos, religiosos e políticos pelo mundo afora. É de amplo conhecimento que, no mais das vezes, a história é contada, recontada e oficializada a partir do olhar dos vencedores. Sempre existiram, porém, existem e existirão versões alternativas da história que, em geral, são muito pouco divulgadas, ou divulgadas apenas em determinado setor, por meio de textos, livros, trechos de livro, cartas, obras de arte, fotografias, poemas, canções, projetos etc. Há numerosos estudos sobre o tema, dentre eles pesquisas envolvendo a tradução como ferramenta para criação de versões alternativas da história. E isso ocorreu e ocorre em vários períodos da história. Nada disso é novidade.

Mas voltando, à apropriação indevida. No caso de cidades, por exemplo, não é porque o espaço é público, que não é de ninguém. Ao contrário, todos são responsáveis pelo bom uso e manutenção desse espaço, justamente porque é de todos. Não é porque está na internet que não é de ninguém. Na linguagem acadêmica, isso é plágio e é crime. Alegar o insosso “eu não sabia” não convence, desrespeita e ofende. É preciso honrar a verdade, o conhecimento e a pesquisa.

João Cabral. Imagem: Divulgação

O fato é que, ao longo da história, um conhecimento pode inspirar e disparar uma série de estudos derivados. Mas é preciso respeitar essa inspiração, o ponto inicial, a trajetória, o tempo, o esforço de outros e a verdade de todos os grupos. Só assim crescemos, como humanidade. É preciso pesquisar, respeitar, refletir e ousar. Afinal, a pesquisa parte de um ponto de vista inicial, como diz o teólogo Leonardo Boff, mas esse ponto é a visão que se tem a partir de um ponto. Pode haver outros, então, além de “revisitar” – como querem as novas formas de expressão – esse ponto de vista, é preciso citar e reverenciar o ponto inicial, o já feito, o já pesquisado, o já lançado, o já vivido. Ou o primeiro grito, como no poema Tecendo a Manhã, do João Cabral, lembrado pela colega tradutora Telma Franco Diniz. 

Tecendo a manhã

(João Cabral de Melo Neto, 1920—1999)

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzam
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Publicado no livro A educação pela pedra (1966). In: MELO NETO, João Cabral de. Obra completa: volume único. Org. Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p.345. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira)

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Ecos Humanos | Trabalho e Emprego

Em algum momento, em algum lugar, lembro-me de ter lido ou ouvido do carismático educador e filósofo Mário Sergio Cortella uma frase que me encantou – uma dentre as tantas que tenho comigo.  Na ocasião, ele mostrava a diferença basilar entre os termos emprego e trabalho. Dizia que emprego é fonte de renda mensal, ao passo que trabalho é fonte de vida, alegria e realização. 
Como curiosidade, Cortella citou o lema da Ordem dos Beneditinos, fundada por São Bento (Benedetto de Nursia), no século VI: Ora et Labora (Ore e trabalhe). Comentou ainda que outra regra da ordem dizia que era proibido resmungar. E continuava: “Vejam só! Não é proibido discutir, debater, mas resmungar é proibido, porque todo aquele que vive resmungando não faz a sua parte: – "Credo, que horror! Alguém tem que fazer alguma coisa”! E, além de resmungão, dizia Cortella, esse indivíduo é pessimista, porque nada faz e espera a ação dos outros. Já o otimista, aquele que faz acontecer, ainda que com receio, vai em frente, pega o chifre pelo boi, aproveita a oportunidade e faz o seu melhor sempre...  

Comparação simples, porém verdadeira.  Daí a importância de trabalhar no que nos torna felizes e, desde cedo, tentar identificar a nossa vocação. Não adianta disfarçar, porque para bom observador é evidente a relação do indivíduo com seu trabalho (ou emprego). Um gosta do que faz e, mesmo quando não é o que mais queria, cumpre sua tarefa da melhor forma possível. É ético e comprometido. O outro faz o mínimo possível porque “aquilo” é "só" seu emprego, seu ganha-pão. Talvez este último não tenha tido a sorte de descobrir do que gosta, ou pior, não tenha tido sequer a chance de procurar descobrir. De qualquer forma, a atitude no trabalho muda tudo e esse indivíduo tem uma grande chance de ser infeliz.  

Afinal, como cantava Gonzaguinha, é preciso reconhecer "a beleza de ser um eterno aprendiz". Em vez de reclamar, é melhor cumprir o lema beneditino, porque a oração, o entusiasmo, a boa vontade e a alegria são atitudes que deixam tudo mais leve, mesmo o trabalho pesado e enfadonho. Sempre aprendemos algo e sempre alguém nos ensina, ou melhor, todo nos ensinam: aprendemos o que fazer e como agir, ou o contrário - o que não fazer e como não agir. De qualquer maneira, sempre podemos aprender. Por fim, o que é feito com o coração se desenvolve mais e melhor, frutifica mais rapidamente e inspira mais. Tudo é uma questão de escolher o conceito certo: você tem um emprego ou um trabalho? Seu copo está meio cheio ou meio vazio?  

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Ecos Urbanos | Civilidade e Urbanidade

Sevilha. Foto: Anita Di Marco
Sempre gostei de caminhar pelas cidades. Seja como turista ou na minha própria cidade, caminhar é essencial, além de muito salutar. É só caminhando que descobrimos os tesouros escondidos de cada lugar: a vida dos moradores e não dos turistas, o restaurante que só os locais conhecem, a papelaria que vende aquelas lapiseiras que você sempre quis, um aconchegante e improvável café, aquele artesanato local bem típico e especial, a relação de cumplicidade e apoio entre vizinhos, as histórias e memórias dos moradores, as joias arquitetônicas escondidas que não constam de nenhum guia... 
É caminhando também que se percebe a relação de civilidade e urbanidade dos cidadãos com o espaço urbano: praças, largos, espaços públicos e privados acolhedores, seguros e limpos; ruas e calçadas com boa manutenção, sem lixo no meio-fio, com lixeiras, placas de sinalização, iluminação, bancos e outros elementos do mobiliário urbano bem conservados; equipamentos públicos não vandalizados que encantam o olhar e convidam à permanência; fiação enterrada, ao menos como desejo para um horizonte próximo, vegetação adequada em ruas, praças e jardins garantindo um microclima confortável de proteção aos ventos e às altas temperaturas; fachadas comerciais ativas bem cuidadas, ruas agradáveis aos olhos com bolsões de vegetação e placas comerciais discretas projetadas de forma harmoniosa, sem querer competir em tamanho com as demais e sem invadir o espaço do pedestre, também demonstram o cuidado com a cidade e com o cidadão.

Museu do Amanhã, RJ. Foto: Lucas Di Marco Alves
Esse cuidado na gestão dos espaços (públicos e privados) e do ambiente urbano, em geral, cria uma paisagem que reforça positivamente a imagem da cidade, agradando moradores e visitantes. Alie-se a isso  serviços de qualidade (habitação, saúde, educação, cultura e lazer para todos), estoque de terras públicas para equipamentos sociais e áreas verdes, uma rede viária (e cicloviária) segura, ampla e bem cuidada, um ótimo sistema de transporte público e tem-se a receita para uma cidade eficiente, agradável e acolhedora que respeita seus cidadãos e é respeitada e cuidada por eles.  

Utopia? Não. Já vi e vivi esses espaços. Como a casa maior de todos nós, a cidade não deve perder essas características de eficiência, aconchego, segurança, dimensão estética e aspecto agradável aos olhos, aos deslocamentos, à permanência. Tais noções devem ser permanentes naqueles que habitam e, sobretudo, nos que constroem as cidades.  E falo não só do setor público; o setor privado também deveria se preocupar mais com o ambiente urbano, abrir-se mais para acolher o cidadão criando espaços semipúblicos, propícios à troca, à convivência, à simples permanência e observação passiva da vida na cidade. 

SESC Pompeia, SP. Foto: Anita Di Marco.

Alguns ótimos exemplos desses espaços são o térreo do Conjunto Nacional, o vão livre do MASP, a entrada do Instituto Moreira Sales, só para ficar em São Paulo. Ou ainda os edifícios do SESC Brasil afora; ou os inúmeros largos e praças nas cidades mais antigas, ou os calçadões nas cidades litorâneas, ou.... A vida fica mais leve quando nossos olhos e sentidos são tocados e sensibilizados pela dimensão estética desses espaços. Não precisam ser imponentes, muito pelo contrário, mas devem ser espaços bem cuidados, despertar o olhar e acolher o cidadão.

É fato que, em muitas cidades, há edifícios cuja implantação no lote considera e respeita o pedestre, favorecendo essa sensação de espaço semipúblico, de sala de estar urbana, mas a grande maioria ainda cria barreiras, muitas vezes disfarçadas. A cada novo projeto de edificação ou de espaço aberto, arquitetos e urbanistas são convidados a fazerem mais e melhor, a serem generosos com as cidades e seus cidadãos. Afinal, é preciso ter sempre em mente que quando projetamos e construímos edifícios, conjuntos, casas e praças estamos ocupando e conformando pequenos trechos da paisagem da cidade que queremos. 

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Ecos Culturais | Arte e Ciência

Até pouco tempo, acreditava-se que a Loba Capitolina, escultura símbolo da fundação de Roma, fosse obra do período etrusco,~500 anos antes da era cristã. Leia aqui sobre a lenda da loba que teria alimentado os gêmeos Rômulo e Remo. O post chegou à Bahia e de lá recebi um generoso comentário que gerou este novo post. Foi da querida amiga Silvia La Regina, que conheci há muito tempo em Roma e reencontrei há poucos anos aqui no Brasil em um evento de tradução. Hoje tradutora, como eu, e professora universitária, Silvia me encaminhou um artigo do jornal italiano La Repubblica falando sobre a idade real da obra, bem mais recente do que se imaginava até então. Nada como ter ter amigos atentos, antenados e muito bem informados. Silvia sabia de tudo isso e me falou da recente descoberta feita pelos arqueólogos e pesquisadores italianos: o fato é que a famosa Loba Capitolina é, na verdade, da Idade Média, provavelmente do século XIII da nossa era.  

La Regina.(Gregorio Borgia) 
Anna Carruba. (Daniela Cogliani)

Atribui-se a definição da origem etrusca ao alemão Johann J. Winckelmann em meados do século XVIII; a data foi aceita por séculos, até que os pesquisadores italianos Anna Maria Carruba e Adriano La Regina chegaram à data real, a partir de pesquisas e sofisticados recursos tecnológicos atuais, impensáveis na época de Winckelmann. Segundo Carruba, historiadora e pesquisadora também responsável pela restauração da peça entre 1997 e 2000, vários testes e pesquisas constataram que a escultura havia sido feita com uma base em cera persa fundida em só jato. Tal técnica era característica do período medieval e, portanto, inexistente em épocas anteriores. Além disso, o professor La Regina, que era o superintendente arqueológico de Roma quando morei na cidade eterna, em 1982, e o coordenador das novas pesquisas, destaca que a superfície da peça não apresentava os sinais dos bronzes antigos. Os estudos foram a origem do livro de Carruba, La Lupa Capitolina. 

A reportagem do jornal La Repubblica diz que a notícia contrariou diversos setores, embora dúvidas sobre a origem da loba já tenham surgido anteriormente. O primeiro a duvidar de sua antiguidade teria sido Emil Braun (1854), secretário do Instituto Arqueológico de Roma. Depois, foi a vez do técnico em conservação do Museu do Louvre Wilhelm Fröhner (1878) que percebeu na peça características da era carolíngia e, mais tarde, Wilhelm Bode (1885), diretor do Museu de Berlim, que também incluía a escultura no rol das obras de arte medievais. Ao longo de todo o século XX, porém, essas observações foram deixadas de lado e caíram no esquecimento. Os estudos continuam, mas já se sabe que a terra para a fusão vinha do vale do rio Tibre, região de Roma a Orvieto e já se reconhece essa técnica adotada na época medieval, documentada a partir do século XII. Além disso, testes de carbono 14 e termoluminescência realizados e repetidos muitas vezes, nos últimos anos, indicam um período bem pontual do século XIII.

É só uma mentirinha, diriam muitos, talvez escondida para não destruir mitos confortáveis, pseudoverdades estabelecidas e interesses outros, mas que se prolongou por séculos. Ocorre que a verdade é a verdade. Ela sempre chega. Aliás, nada como a ciência, não? E ver pessoas que ainda duvidam dela, em pleno século XXI, é inacreditável. Basta pensar no que a ciência nos trouxe hoje - vacina em tempo recorde para uma doença até então desconhecida e uma imensa rede de cabos de fibra óptica que permitem que bilhões de bits de dados digitais percorram imensas distâncias em instantes. Enfim, a questão das "mentirinhas" é tema para outro post, mas na verdade, não sei se terei espírito para fazê-lo.  

Referências

https://roma.repubblica.it/dettaglio/la-lupa-del-campidoglio-e-medievale-la-prova-e-nel-test-al-carbonio/1485581
http://www.pangea.news/anna-maria-carruba-intervista/
https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2008/07/080710_roma_loba_dg