quinta-feira, 30 de março de 2023

Ecos Imateriais | Respiração e vida

Em inglês, existe uma expressão intrigante: “take for granted”. Em português, pensando no trivial, no corriqueiro (não em Direitos Humanos, algo totalmente legítimo), seria considerar algo - um afeto, uma amizade, um emprego ou posição - como certo, óbvio, permanente, inquestionável e sem nenhum condicionante. Ora, sabemos, ou deveríamos saber, que mágica não existe, que tudo passa (até a própria vida) e nada é para sempre. Como dizia meu avô italiano, tudo na vida é passageiro, menos o cobrador e o motorneiro! (Desculpe-me, caro leitor,  mas essa é para meus irmãos e meus primos, netos do vô Chico). Ei, família!

Vamos supor que o indivíduo vá atrás de algum sonho (óbvio, sem passar por cima de ninguém) e consiga atingir sua meta. Plantar uma árvore, escrever um livro, aprender um idioma, qualquer coisa... Porém, mais do que apenas chegar lá, é preciso manter essa conquista (de novo, sem pisar em ninguém), com constância e e zelo - regar a planta, estudar e praticar a nova língua, aprender sempre, dando sempre o seu melhor etc. Mas voltando à expressão 'take for granted', provavelmente, aquilo que mais se aproxima do seu sentido seja o amor de mãe, em princípio, incondicional... Será mesmo? A história e a realidade nos dizem que nem sempre é assim. De qualquer forma, não é por ser incondicional que não deva ser cultivado e cuidado com zelo e carinho, como uma delicada flor.   

Mas, veja só! Existe, sim, algo inquestionável e ao qual todos temos direito: a respiração. A maioria de nós respira de forma mecânica e quase nem percebe como respira. Só toma consciência desse movimento sutil e vital do corpo quando fica sem ar por questões físicas ou emocionais. Tomemos a quietude, como exemplo. Objeto do desejo de muitos, não é fácil alcançá-la, muito menos mantê-la. O mundo à nossa volta quer atividade constante, ruído e movimento. Mas a sabedoria oriental nos diz que, no olho do furacão, é possível atingir essa quietude interna, apesar do movimento exterior. Que não se espere, porém, que o mundo pare - pensamentos, ruídos, tumulto, agitos continuarão a existir. Tudo depende de nossa disposição, força de vontade, prática e treinamento no domínio da mente. 

Antes de tudo, mais do que almejar a quietude, é preciso tomar consciência do ato de respirar e perceber a respiração como âncora, na qual devemos fixar nossa atenção em busca dessa quietude. Alguém mostra-se mais sereno não porque ficou sem pensamentos (impossível mesmo), mas porque não se deixou perturbar, não se apegou, não reagiu a eles, deixando que sigam seu caminho. Afinal, pensamentos existem como nuvens no céu - vêm e vão. Então, deixe que passem. Como? Fixando a atenção na respiração. A cada novo pensamento que surgir, gentilmente, volte à atenção para sua âncora. 

É evidente que, quando inquietos e com a "cabeça cheia", não somos a melhor versão de nós mesmos para decidir qualquer coisa. Então, a partir de agora, comece a prestar atenção na respiração e aproveite esse presente que lhe é dado de forma inquestionável: inspire, deixe que o ar entre e preencha seus pulmões da linha da cintura até a parte alta do peito, absorva o prana/energia universal e expire e, ao expirar, junto com o ar solte ansiedade, temores, dúvidas. Após alguns instantes, as preocupações e os pensamentos ficam distantes por um tempo, o tempo necessário para você entrar em quietude interna e se equilibrar. Aí, sim, mais tranquilo, sereno e equilibrado, você tomará decisões mais acertadas. Com consciência plena, respiramos melhor, pensamos melhor, falamos melhor, agimos melhor, erramos menos, cuidamos melhor de nós mesmos, do outro e vivemos melhor. Todos nós, porque respiração é a própria vida! Aliás, essa pequena prática de prestar atenção em si mesmo, na respiração, já é uma meditação. Parabéns, você aprendeu a meditar, aí mesmo, sentado ou em pé, apenas sendo, prestando atenção na respiração e no seu silêncio interior!

sexta-feira, 24 de março de 2023

Ecos Linguísticos | Não custa lembrar

Todo mundo sabe que o português é uma língua difícil, cheia de regras e senões, mas também é muito rica. Adoro! E ler boa literatura é o melhor remédio para aprender a escrever bem. De qualquer forma, ninguém é perfeito, deslizes acontecem e todos cometemos erros. A língua falada, no entanto, é diferente da língua escrita e na hora de escrever um texto, ou fazer uma entrevista de emprego, ninguém quer marcar um gol contra, não? Então, seguem aqui algumas dicas sobre as confusões mais comuns entre nós, falantes da língua portuguesa.  

1—A #HÁ (Ou havia)
A – indica futuro. Ex.: Embarco para Roma daqui a 3 horas.
Há – indica passado. Ex. Eu o vi há uma hora. Havia dois anos que não nos víamos.

2— AO ENCONTRO # DE ENCONTRO
Ao encontro de: na direção de, na mesma linha, a favor. Ex. Sua fala foi ao encontro do meu pensamento.
De encontro: na direção contrária, em antagonismo. Ex. Suas ideias foram de encontro às minhas e derrubaram todos os meus argumentos.

3—A PARTIR DE # Apartir # à partir(??)
A partir (sem crase e separado): é o ponto inicial de algo. Ex. A partir de hoje, estamos de férias. Qualquer produto a partir de R$ 100,00 terá o preço reduzido.
Apartir ou à partir: não existe

4—A PRINCÍPIO # EM PRINCÍPIO
A princípio: de início, na fase inicial. Ex. A princípio ela criticou o irmão, mas depois concordou com ele.
Em princípio: em tese; em teoria, de modo geral. Ex. Em princípio, a cada verão temos enchentes e tragédias.

5—AFIM # A FIM DE
Afim: significa semelhante, que tem afinidade. Ex: Gosto de filmes italianos e afins.
A fim de: pode ser substituído por “para”. Ex. Estou aqui a fim de (para) estudar.

6—AONDE # ONDE
Aonde: só é usado com verbos de movimento. Ex. Ela não disse aonde ia. Aonde ele foi?
Onde: indica um lugar fixo, em que lugar. Onde foi o show? Onde está a bolsa?

7— MENOS # MENAS(??)

Menos: é advérbio de intensidade, logo, é invariável. Ex. Fiz menos flexões hoje. Ele tem menos saúde que a esposa. Os jovens compuseram menos canções.
Menas: não existe

8—NADA A VER # NADA HAVER(??)
Nada a ver (sem H): sem qualquer ligação. Ex. Este tópico não tem nada a ver com o tema do simpósio.
Nada haver: não existe

9. PERCA # PERDA
Perda: é substantivo feminino. A perda do título o entristeceu.
Perca: é a primeira ou terceira pessoa do singular do verbo perder no presente do subjuntivo; ou imperativo. Ex. Tomara que ele não perca a hora. Não perca tempo! 

10—POR ORA # POR HORA
Por ora: até agora. Ele disse que ia me ligar, mas por ora nada....
Por hora: O carro ia a 200 quilômetros por hora. 

11—POR VENTURA # PORVENTURA
Porventura: é advérbio, sinônimo de por acaso, talvez, quem sabe. Se, porventura, você for ao mercado, poderia comprar laranjas? Caso você vá ao mercado...
Por ventura: por sorte, por felicidade, já que ventura é sinônimo de sorte, destino, feliz ocasião.

12—SEJA # SEJE(??)
Seja: Flexão do verbo ser. Ex. Seja sempre bem-vindo (com hífen)!
Seje: (não existe)

13
TRAGO # TRAZIDO
Trago: um gole de bebida. Ex. Tomo um trago antes da aula? Nem pense nisso! 
Trazido: particípio passado do verbo trazer; parece estranho, mas está corretíssimo. Agora o “ele tinha trago” dá até dor de cabeça. Ex. Ela tinha trazido uma torta imensa para vocês. Já comeram tudo? 

Referências

https://www.aulete.com.br/site.php?mdl=gramatica 

https://portuguessemmisterio.com.br/

https://www.portugues.com.br/gramatica/10-erros-gramaticais-que-ninguem-deveria-cometer.html

sábado, 18 de março de 2023

Ecos Culturais | Niède Guidon, arqueóloga

Foto aérea da Serra da Capivara, PI. Divulgação
Existem mulheres incríveis em todos os ramos de conhecimento. Alguém duvida? Já dizia o sambista que quem não gosta de samba está doente do pé. Que me desculpem os preconceituosos, mas quem não valoriza e respeita as mulheres (ou as diferenças) está doente do pé, da cabeça e da alma. Então, em tempos de falta de ídolos de fato, de indivíduos que mereçam tal título e a responsabilidade que ele acarreta, que possamos nos inspirar em mulheres como a arqueóloga Niède Guidon (1933) que, com seus 90 anos recém-completados, leva o prestígio e a honra de ser responsável por descobertas incríveis sobre a povoação do ser humano na América e por implantar o Parque Arqueológico da Serra da Capivara, no Piauí (ver aqui).
 
Profissional super premiada nacional e internacionalmente, chamada de “onça” pelos amigos, Niède Guidon, filha de pai francês e mãe brasileira, nasceu na cidade paulista de Jaú, fez História Natural na USP, especializou-se em Arte Rupestre e doutorado em Arqueologia Pré-histórica na Universidade Sorbonne em Paris, voltou ao Brasil e com muito trabalho, várias controvérsias e apoio da França e de grande parte da comunidade local, ela identificou, estudou e divulgou um dos maiores parques arqueológicos do mundo. Dizia que vivia o presente “procurando o passado” e, de fato, descobriu na Serra da Capivara indícios, vestígios humanos e pinturas rupestres com datação de 26.000 anos, o que levou a um questionamento das teorias anteriores sobre a chegada do ser humano nas Américas. Levou ao mundo o nome do nosso país, do Piauí e da pequena cidade de São Raimundo Nonato. Hoje, a cidade tem faculdade de arqueologia e um lindo trabalho social por trás. Desde o início das pesquisas, Guidon envolveu e educou a comunidade local, onde conseguiu guias, funcionários e assistentes.Falou-lhes da riqueza e da importância daquele local, e ensinou-lhes não só a escavar, mas a apreciar e valorizar aquele pedaço de chão. Deu-lhes conhecimento e formação para que se desenvolvessem, mas muitos ainda se ressentem da criação do parque.

Niède Guidon. Foto: Acervo Fumdham
O início. Em 1963, Niède Guidon trabalhava no Museu do Ipiranga da USP e organizou uma exposição sobre pintura rupestre de Minas Gerais. Na exposição, um visitante (o então prefeito de Petrolina) mostrou-lhe fotos de pinturas semelhantes às da exposição na região de São Raimundo Nonato, no Piauí. Era a primeira vez que Guidon ouvia falar dos sítios arqueológicos do Piauí. Ora, cientistas (e tradutores) são bichos curiosos por natureza  e foi o que bastou para Niède querer se aventurar por lá, mas ela só conseguiu visitar e fotografar o local em 1970 e, com esse material, conseguiu que o governo francês, onde residia na época, financiasse uma pesquisa. Assim, foi criada a Missão Arqueológica Francesa no Piauí, na década de 1970, com um grupo de arqueólogos dos dois países, sob a coordenação de Niède Guidon. 
 
Trilhas e Arte Rupestre.Serra da Capivara. Divulgação.
Era só o começo, mas a pesquisa foi tão profícua que a missão passou a ser permanente, mesmo com a resistência e crítica de outros cientistas em função da descoberta de Guidon: a datação dos vestígios encontrados chegava a 26.000 anos e questionava a principal teoria sobre o povoamento das Américas. Polêmicas à parte, o trabalho continuou e, em 1979, foi criado o Parque Nacional Serra da Capivara, cuja preservação é garantida pela FUMDHAM (Fundação Museu do Homem Americano), entidade criada por Niède Guidon. A Fundação administra o Parque junto com o  Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Em 1991 a Serra da Capivara foi declarada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Em novembro de 2020, Niède Guidon tomou posse na Academia Piauiense de Letras e, em 2022, na Academia Brasileira de Ciências. 

Desde que se aposentou nos anos 1990, da universidade francesa onde lecionava, Niède mora em São Raimundo Nonato e os frutos de seu trabalho estão expostos não só no Parque Nacional da Serra da Capivara e na Fundação do Museu do Homem Americano (FUMDHAM), mas também nos dois museus que ela criou: o Museu do Homem Americano e o Museu da Natureza (MuNa).  

Museu do Homem Americano. Imagem:Wiki  

Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham). Criada para garantir a preservação do patrimônio cultural e natural do Parque Nacional Serra da Capivara, é uma entidade civil de interesse público, sem fins lucrativos, que realiza atividades científicas interdisciplinares, culturais e sociais. A sede dispõe de administração, laboratórios de pesquisas, centro de documentação, biblioteca, auditório, anfiteatro e reserva técnica. Faz parcerias com universidades e instituições nacionais e internacionais. São destaques a Plataforma Capivara, banco de dados criado para reunir o conhecimento acumulado nas últimas décadas; a Revista Científica Fumdhamentos, desde 1996 divulga as pesquisas das áreas de conhecimento do Parque e afins; os Projetos Socioculturais em educação ambiental, horticultura, artesanato, cerâmica (trabalho premiado), sempre procurando integrar a população local com o patrimônio cultural e natural, priorizando a sustentabilidade individual e da região para, aos poucos, transformar a vida das comunidades.

Pedra Furada, Serra da Capivara. Divulgação

Parque Nacional da Serra da Capivara.  Território com o maior número de sítios arqueológicos das Américas, cobre 130 mil hectares, mais de 1300 sítios (204 prontos para visitação, 17 acessíveis a pessoas com dificuldades de locomoção).Os Circuitos e Trilhas incluem sítios e passeios variados, em função do tempo disponível para visitação e do grau de dificuldade (do mais suave ao mais aventureiro). Os circuitos incluem: Serra Hombu, Baixão das Mulheres, Pedra Branca, Desfiladeiro da Capivara e Baixão da Pedra Furada (onde está o Centro de Visitantes). O parque oferece ainda Ecoturismo nas quatro serras (da Capivara, Branca, Vermelha e Talhada), para aventuras ao ar livre, trilhas, rapel, caminhadas e passeios de bicicleta, diferentes paisagens para ver os monumentos geológicos, a fauna e a flora da caatinga. 

Museu do Homem Americano. Situado na sede da Fumdham, foi criado para divulgar a importância do patrimônio cultural dos povos pré-históricos na região e exibe os resultados de mais de quarenta anos de pesquisas realizadas no parque: fósseis dos seres humanos que viveram ali, objetos, adornos, instrumentos pré-históricos, esqueletos, urnas funerárias entre outros. 

Museu da Natureza (MuNa). Inaugurado no final de 2018, em uma cidade próxima a São Raimundo Nonato, o MuNA se dedica à natureza e aos animais da Serra da Capivara, exibindo descobertas paleontológicas, ou seja, fósseis de animais que viveram ali há milhares de anos, alguns deles atualmente extintos.  

 

De modo geral, o parque recebe em média 20 mil visitantes por ano, o que é muito baixo se comparado a outros parques. De qualquer forma, ainda faltam na região: recursos financeiros para a gestão do parque, hotéis de qualidade e facilidade de acesso. Por exemplo, inaugurado em 2015 por pressão da FUMDHAM, o aeroporto perto de São Raimundo só começou a operar em 2022. Ao que parece, não só o turista mas também as autoridades não dão o devido valor aos tesouros de sua própria história.    

Referências 

https://www.360meridianos.com/2021/03/niede-guidon-serra-capivara.html

https://www.360meridianos.com/especial/serra-da-capivara

http://fumdham.org.br/

https://www.brasilfashionnews.com.br/serra-da-capivara-a-surpresa-do-seculo-detalha-o-processo-de-descoberta-do-maior-acervo-de-pinturas-rupestres-do-mundo/

https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2023/03/12/interna_gerais,1467701/amp.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ni%C3%A8de_Guidon

https://pt.wikipedia.org/wiki/Aeroporto_de_S%C3%A3o_Raimundo_Nonato 

https://www.saoraimundo.com/index.php/ceramica-serra-da-capivara-ganha-premio-de-melhor-projeto-sustentabilidade-do-brasil/