sábado, 23 de novembro de 2019

Ecos Humanos | Generalizações


De modo geral, não gosto de generalizações, as pessoas não são iguais, nem podem ou devem usar ou fazer as mesmas coisas. Por isso, não gosto de modismos, tendências, tampouco de me sentir um número.A meu ver, o mundo generaliza em demasia e o resultado está muito longe de ser um dado da realidade.  Quem disse que aquilo que está em alta é o ideal, o mais correto, o melhor para mim?  Ou que aquela cor que querem me vender é a que me cai bem? Ou que aquele material que todos usam é do que eu preciso?  

A propósito, um antigo comercial de tintas, de início dos anos 70, mostrava bem isso com a pergunta: "O que seria do verde, se todos gostassem do amarelo?" Quando compro algo (aliás, hábito cada vez mais raro), se existe algo que me incomoda é o vendedor me mostrar um produto e tentar me convencer de que devo levá-lo porque “está em alta”, “todo mundo usa” ou, pior ainda, “apareceu nas novelas”.  Pronto! Desisto no ato. 

Afinal, o que é moda? Sem desmerecer o trabalho de tantos envolvidos com o tema, sobretudo quando se refere a vestuário, moda me parece uma forma de tirania, porque é quase impossível achar uma peça de roupa que não atenda àqueles padrões “da moda”. É desanimador, porque essa indústria prefere vestir jovens magros e "sarados" a pessoas mais velhas e não tão magras. Além disso, é perigoso, porque nem todos têm autoestima e bom senso para continuar com seu estilo, apesar das tendências. Para tentar se encaixar, muitos acabam usando o que não lhes cai bem e outros se desestruturam, fazendo o possível e o impossível para se encaixar naqueles padrões. Exemplos disso não faltam.

Um outro exemplo: materiais de construção. Não me acostumo a ver vidro substituindo nossos velhos muros de blocos de concreto, tijolos, elementos vazados ou simples grades. Culpa da “tal tendência” e do modismo! De repente, só se usa vidro como muro, numa monotonia sem fim... Além disso, quem sofre são os que limpam os tais “muros” transparentes e os passarinhos, que se arrebentam contra os ditos cujos. 

Quer outro? Objetos, em geral. Outro dia fui comprar um presente. Encantei-me com um jogo de tigelinhas para sopa (por sinal, ninguém mais chama de tigelinha, hoje usa-se o termo em inglês, bowl), mas caso alguém se interesse, o nome desse utensílio de cozinha é tigela, TI-GE-LA, ou terrina, cumbuca, vasilha, pote. Há de vários tipos: grandes, pequenas, de barro, de cerâmica, de louça. Mas, voltando... quando estava quase me decidindo por certo conjunto, a vendedora me diz que aquele jogo era tendência porque tinha aparecido na novela das 18h, ou das 19h, das 20 horas, em uma delas. Desisti na hora. Não compro algo porque está na moda, quero algo prático, simples e bonito que me agrade (e também ao presenteado).

Vestuário,calçados, objetos em geral, móveis, materiais de construção, festas, maquiagem e até corte de cabelo. Para mim, tudo  deve atender a critérios objetivos de respeito a si mesmo e ao outro, conforto e simplicidade. Ademais, desde sempre, correntes filosóficas propõem o consumo mínimo, o que funciona também em arquitetura desde a célebre frase do arquiteto alemão Mies van der Rohe, 'Menos é mais'.
Há não muito tempo, ouvi uma frase genial da escritora Fernanda Young (1970-2019). Ela dizia que “...a elaboração do pensamento crítico e o raciocínio são tão necessários ao ser humano como cesta básica” (entrevista no programa Sempre um papo). Achei ótimo. De vez em quando, é bom saber que não estou só no universo e que há vida inteligente fora das redes sociais, das novelas, da TV, da moda e dos shoppings centers, porque parece que muitos não pensam mais por si mesmos, apenas engolem o que lhes é passado, no mais das vezes subliminarmente. Não temos de seguir nenhuma tendência. Não generalizemos, caso contrário, viraremos clones uns dos outros. Viraremos?!?

Para se precaver contra a mesmice que assola o planeta, é bom que, desde cedo, a criança aprenda a se perceber como um indivíduo singular, a se conhecer, não como ser isolado, mas único no meio de um grupo, percebendo seus próprios interesses e gostos. Só a partir do autoconhecimento é que se chega à autoestima e ao equilíbrio. O que vale é o indivíduo estar bem consigo mesmo, consciente de suas escolhas, respeitando sempre a si mesmo e ao outro.

domingo, 17 de novembro de 2019

Ecos Imateriais | Autoconhecimento

"Conheça-te a ti mesmo" era a frase inscrita na entrada do Templo de Apolo, em Delfos, na Grécia. A partir dela, Sócrates desenvolveu seu método de autoconhecimento, base de qualquer trabalho sobre si mesmo. O objetivo? Buscar a verdade, a essência e as potencialidades de cada um. 
Hoje fala-se muito em pensamento positivo e meritocracia, mas isso só vale se fundado no autoconhecimento real, na autoestima e, é claro, na igualdade de oportunidades. Diante de um copo com água pela metade, não basta dizer que ele está meio cheio. A visão dita "otimista" dos fatos vem de uma forma de perceber-se e enxergar a vida, os acontecimentos e as responsabilidades. 

Antes de qualquer coisa, é preciso tomar consciência da nossa capacidade de enfrentar situações desagradáveis e modificá-las; consciência de que tudo passa, já que tudo é impermanente ou, como diz o velho dito popular, "Não há mal que sempre dure, nem há bem que nunca se acabe! Mas isso não significa parar de se indignar, pelo contrário, a ação é importante, não a reação. Ou seja, não é saudável nem inteligente permitir-se ser afetado pelo exterior. Yoga e meditação são técnicas que ensinam, entre outras coisas, como proteger-se mantendo o equilíbrio interior e a resiliência. Na física, resiliência é a propriedade de um corpo voltar à forma original depois de sofrer pressão. Isso também vale para nós. É preciso ser resiliente, mas não conformista; e, como tudo, a conquista desse processo começa com o autoconhecimento.
Há algumas qualidades essenciais para empreender essa jornada em busca da compreensão de si mesmo. Sim, porque o autoconhecimento é uma viagem para dentro, é um processo árduo de dobra, introspecção e autodescoberta das nossas capacidades e possibilidades latentes, mas também das sombras e daquilo que negamos em nós. Em qualquer técnica ou escola, a quietude é o pré-requisito para  percorrer o caminho do autoconhecimento. Aquiete a mente e silencie os pensamentos. Depois, prossiga com coragem, determinação, honestidade e humildade.

Coragem. Fundamental, já que a tendência geral do ser humano é não ver sua real condição, é suavizar o olhar em relação às próprias faltas e  endurecer quando se trata dos outros. É preciso coragem para enfrentar os monstros que existem dentro de nós e que escondemos tão bem.

Determinação. Sem um efetivo  comprometimento, as decisões são sempre adiadas: amanhã, domingo, quando der tempo, nas férias... Determinação é ingrediente vital para um profundo exame de consciência, para enfrentar e analisar com isenção cada gesto, emoção e pensamento.

Honestidade. Somos especialistas em dourar a pílula, dar desculpas, adiar decisões e justificar atitudes. No Sadhana Pada (O Caminho da Prática), segundo livro do Yoga-Sutra de Patanjali, essa falta de honestidade fere o segundo niyama, Satya, o compromisso com a verdade, pois, por mais que tentem justificar, uma meia verdade será sempre uma mentira inteira.

Humildade. Altas doses de humildade são essenciais, porque, para alguém que se acredita infalível, é doloroso perceber-se não tão perfeito. Sem humildade, porém, não há progresso na senda do autoconhecimento. Humildade é reconhecer o quanto ainda é preciso aprender, aceitar que o caminho é longo, mas já foi iniciado. Afinal, como diz a música do inesquecível Gonzaguinha, somos todos eternos aprendizes.

Pouco a pouco, com a prática constante e consciente da meditação e da auto-observação, é possível tirar a venda dos nossos olhos, a máscara que usamos para esconder nossa real feição e abrir espaço para uma efetiva transformação. A prática, portanto, nos torna mais equilibrados, mais fortes, mais lúcidos no dia a dia; então, queremos meditar mais, ou seja, a prática nos retroalimenta. Mas, sem coragem, determinação, honestidade e humildade, nenhuma autodescoberta acontece, muito menos autotransformação. 
Quando nos transformamos, passamos a cuidar mais de nós e dos outros, a usar mais o discernimento, a própria força interior, a empatia e a compaixão no dia a dia. Sem autoconhecimento, não existe evolução possível, porque, afinal, estamos aqui para isso, e evoluir é  aprender a amar, somar e incluir. Simples assim!  

Referências:
Yoga-Sutras de Patanjali. 

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Ecos Arquitetônicos | Museu do Ipiranga 2-Restauração

Nova entrada do Museu do Ipiranga.  Proposta H+F Arquitetos. Imagem: Divulgação

Em post anterior (aqui), já falei um pouco sobre a história do Museu do Ipiranga.  
Agora, vamos falar das iniciativas tomadas desde que o museu foi interditado, em 2013, devido a infiltrações no forro de algumas salas. Diante do risco de desabamento, a diretoria decidiu: 1- suspender a visitação pública; 2- remover quase todo o acervo (milhares de objetos, móveis, telas, afrescos, fotografias, obras de arte e documentos) transferindo-o, no próprio bairro do Ipiranga, para imóveis alugados pela USP que funcionariam temporariamente como reservas técnicas e laboratórios e; 3- realizar um planejamento estratégico para captar recursos para a restauração, estimada em R$ 160 milhões de reais. 
Encerrados os diagnósticos sobre as condições da fachada, ornamentação e estrutura, realizou-se um concurso para escolha do melhor projeto de modernização e restauração. O primeiro lugar coube à empresa H+F Arquitetos.  
Fazem parte da equipe Arquitetura e Restauro: Eduardo Ferroni, Pablo Hereñú; Amanda Domingues, Anna Beatriz Ayroza Galvão, Camila Paim, Carolina Klocker, Griselda Kluppel, João Pedro Sommacal De Mello, Joséphine Poirot-Delpech, Levy Vitorino, Michele Meneses de Amorim e Olympio Augusto Ribeiro. Atuaram como consultores: Arnaldo Ramoska (Instalações), Eduardo Léo Kayano (Climatização), Heloísa Maringoni (Estruturas), Marcos Lima Verde Guimarães (Geotecnia), Nilton Miranda (Bombeiros), Ricardo Heder (Iluminação).

Novo Museu do Ipiranga
O projeto do novo museu prevê obras dentro e no entorno da edificação atual, já que, segundo a proposta vencedora, é impossível dissociar o edifício-monumento de seu entorno. Estão previstos: a ampliação da área da esplanada nos jardins do Parque da Independência, a construção de mais de 6.000 metros quadrados de novas áreas para exposições temporárias, salas para programas educativos, área de acolhimento, auditório, café, loja e um mirante. Além disso, novo mobiliário, modernização das instalações elétricas, de proteção a incêndios e de segurança, além de projetos de iluminação, de multimídia e de restauração de acervos. 

A proposta visa equipará-lo em instalações e serviços aos grandes museus internacionais, ampliando a visitação pública. Outra condição essencial do novo projeto é garantir a plena acessibilidade, entendida como forma de inclusão social de pessoas portadoras deficiência e em situação de vulnerabilidade.A previsão é que as obras, iniciadas em setembro deste ano de 2019, durem 30 meses. A reabertura está marcada para setembro de 2022, ano do bicentenário da Independência. O vídeo abaixo mostra como ficará o novo Museu do Ipiranga, após as obras. 

 Em julho deste ano, novos patrocinadores juntaram-se à EDP, empresa do setor elétrico e a primeira a firmar um contrato com a Universidade para apoiar a  recuperação do museu. A USP e o Governo do Estado anunciaram mais 13 empresas, como a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), o Instituto Itaú Cultural e os bancos do Brasil, Safra, Bradesco, entre outras, que irão financiar as obras, via renúncia fiscal, pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet. Os recursos são da ordem de 160 milhões de reais. 
O vídeo abaixo mostra a terceira etapa do projeto, buscando atrair outras empresas e a sociedade civil para colaborar com o projeto, com pequenas cotas. O mote usado é "Um museu para todos, feito por todos." 
Projeção na fachada do Museu Paulista. Imagem: Divulgação
Além disso, desde 2017, todo dia 07 de setembro, a USP e o Sesc Ipiranga realizam o evento cultural Museu do Ipiranga em Festa, no Parque da Independência, abrangendo diversos pontos do complexo (o próprio museu, a Casa do Grito, a Praça Cívica, o Monumento à Independência, jardim e o riacho do Ipiranga). O evento deve ocorrer anualmente até 2022, data da reinauguração. 
A terceira edição do evento (aqui), em 7 de setembro de 2019, teve 10 horas ininterruptas de programação para todos os públicos: minicirco, visitas educativas, grupos de dança, de jongo, de maracatu, congada, orquestra, sarau, intervenções artísticas para crianças, oficinas, passeio verde em libras, teatros, brincadeiras, histórias, exposições e até projeção na fachada do Museu em uma surpreendente diversidade de apresentações. 
Vida longa ao Museu paulista, o nosso Museu do Ipiranga. 


Referências