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Neste momento,
em que meu coração sangra, minh’alma chora e se revolta diante das injustiças, da
ambição desmedida, da falta de consideração eterna com o outro e da triste constatação,
cada vez mais ratificada, de quão pouco vale a Vida (humana, dos animais e da própria
natureza) diante do deus-capital, só posso tomar emprestada a palavra sábia, melancólica
e certeira (não só premonitória) do nosso grande e eterno poeta Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987), mineiro de Itabira, cidade onde surgiu a Vale, na década de 1940. Desde sempre, Drummond
sofria ao ver o ser humano tão pouco acolhido e tão maltratado; antevia e criticava a cobiça da indústria da mineração que não enxergava nada além de cifrões e minério diante de
si. Sensível, o poeta já sentia na boca, na sua querida
Itabira, o gosto de terra arrasada e esgotada.
O poema Lira
Itabirana é de 1982; não foi publicado em livro, mas em 1984 ganhou as páginas do jornal Cometa Itabirano.
Foi republicado em 2015, em vários veículos, depois do crime ambiental em
Mariana, quando se rompeu a Barragem do Fundão, propriedade da Samarco, controlada
pela mesma Vale do Rio Doce. O poema abaixo e um pequeno trecho de outra joia do poeta são mais do
que suficientes para vestirmos a carapuça da vergonha alheia e nos questionarmos
sobre nosso papel nessa tragédia, nossa indiferença e nossa apatia na luta pela
justiça e em prol da Vida.
Lira Itabirana
(1982)
O
Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
E multinacionais,
Quantos ais!
A
dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
A dívida externa
A dívida eterna.
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
Trecho de O maior trem do mundo (1984).
...
...
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.
Um canto de esperança...O
vídeo abaixo foi publicado em 27 de jan de 2019, por Renato Goetten, "como
singela homenagem a todos aqueles que sofrem com a ganância humana. Seria
emocionante se esta canção pudesse chegar até os amigos e parentes das vítimas
de Brumadinho. Nos ajudem a compartilhar, para que possamos aplacar um
pouquinho da dor dos nossos irmãos de Minas".
Um canto para Brumadinho- Isamara & Renato.