quarta-feira, 20 de junho de 2018

Ecos Urbanos | Cidade, produto coletivo



 Imagem: Wikipedia
A época?
Segunda metade da década de 1970. Estava no quarto ano da Faculdade de Arquitetura (FAU-USP) e fazia estágio na Secretaria de Planejamento do Estado. Um concurso de fotografias (ver aqui) foi pensado e preparado com carinho por todos daquela Coordenadoria de Ação Regional, sob o comando firme, porém suave do arquiteto Eduardo Yázigi. Para todos do grupo, o concurso parecia ser a iniciativa ideal para que as pessoas descobrissem e aprendessem a valorizar suas cidades. Afinal seria um concurso para todo o estado, uma forma de fazer os moradores redescobrirem espaços, praças, ruas, casas, cantos e encantos de suas cidades. Era um convite para olhar, perceber e cuidar. Um convite para demonstrar afeto.

O resultado mostrou incríveis facetas das cidades paulistas, recantos esquecidos, detalhes de espaços públicos nunca observados, trechos urbanos abandonados, inimagináveis perspectivas de ruas inusitadas, detalhes arquitetônicos dourados pela luz do pôr do sol.... Ingenuamente, imaginávamos que o concurso seria uma maneira de fazer as pessoas se conscientizarem da importância da paisagem urbana e do patrimônio de suas cidades, percebendo que cada um era responsável por criar uma cidade melhor e mais agradável. Como? Passeando, caminhando, descobrindo, redescobrindo, interessando-se, cuidando e cultivando as partes e o todo.

Com o final do concurso, acabaram-se aqueles instantes de foco momentâneo nos espaços urbanos. A cada vez que visito uma cidade, me pergunto por onde andam aqueles lugares retratados tão poeticamente naquelas fotos em branco e preto. Fico me perguntando por que as pessoas gostam tanto de cidades estrangeiras e parecem se importar tão pouco com as suas, locais onde vivem, crescem, trabalham, têm seus filhos. 
Ponte JK em Brasília. Imagem: Lucas Di Marco Alves
 Quero crer que o motivo é um só: educação e amor. Quem se educa e conhece, sabe a importância do espaço em que vivemos; quem se educa e conhece ama, cuida e valoriza o objeto de sua afeição. Afinal, a cidade é de todos os habitantes. É uma construção coletiva, para benefício de todos e não de um só, um único proprietário, um único investidor, um único indivíduo ou grupo. Edifícios, calçadas, vias, praças, arborização, paisagem urbana, espaços públicos. Cada cidadão é dono de uma pequena parcela desses espaços. Por que é tão difícil as pessoas entenderem e conservarem suas cidades? Por que parece ser tão complicado jogar o lixo no lixo? Ou tomar cuidado com os vasilhames de água para evitar a dengue? Ou cuidar de nossa casa e de nossa calçada para criarmos um ambiente mais adequado para nós e para os vizinhos? Por que não abaixar o som do carro ou em casa para não perturbar o outro?  Por que não usar o bom senso para fazer as placas de propaganda de seus negócios? Por quê?

O melhor a fazer para se construir uma cidade mais agradável, gentil e inclusiva é ouvir, participar, discutir, propor e agir: ir às reuniões convocadas pelo poder público; reclamar na ouvidoria dos serviços públicos; dar opiniões e sugestões, atuar e enfim, participar da gestão da cidade.  Afinal, não somos todos nós filhos da cidade, não somos todos nós cidadãos, não vivemos todos no mesmo lugar? Qual a justificativa para não cuidar do seu canto, do seu setor, para não colaborar com todo mundo para qualificar a cidade que é de todos? 
O olhar pelo coletivo é a saída, sempre foi, porque ninguém vive sozinho e, de uma maneira ou de outra, todos dependem de todos. Queiramos ou não, gostemos ou não de admitir. O fato é que o olhar pelo coletivo colabora com a comunidade e cria um ambiente melhor para todos, não só para uma pessoa. O olhar voltado apenas para seu mundinho individual, mesmo estando em uma coletividade, retira não só dos outros o direito de um ambiente saudável, acolhedor, agradável, mas também do próprio indivíduo; quando só pensa em seu espaço, sua casa, sua família, esta pessoa se esquece dos demais cidadãos, daqueles que formam a cidade. Com o olhar fechado, ela procura não ver aqueles com quem não se importa ou que finge não ver. Mas o que faz crescer uma comunidade é o interesse e o cuidado de todos. A saída é o olhar coletivo. Sempre foi e sempre será.

Aquele concurso de fotografias, proposto pela Secretaria de Planejamento do Estado de SP, completou 40 anos. Sinto que parece cada vez mais distante o sonho de ver cada cidadão valorizar, se importar e cuidar de sua cidade. Talvez daqui a 500 anos, nossas cidades possam ser admiradas como Barcelona, Londres, Paris, Lisboa, Florença, ou como aquela cidade que tanto admiramos em nossa última viagem... Talvez.... Mas para isso acontecer, temos que começar já. Coletivamente.