sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Ecos Imateriais | Há 50 anos na FAU-USP

50 anos. Muito tempo? (Ver Como medir o tempo). Depende. No meu caso, se pensar no que já vivi, acho que é bastante tempo, sem dúvida, mas se pensar no que ainda quero fazer e conquistar, acho que não. Afinal, um físico alemão de cabelos em desalinho mostrou que o tempo é relativo. Pura verdade. 

Há meio século, fui aprovada em um dos vestibulares mais concorridos do país, o da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, a conhecida FAU-USP. Uma honra e um privilégio ter sido aprovada e cursar aquela escola. Um dos maiores privilégios que já tive. Outro foi ganhar uma bolsa de estudos para o curso de especialização em Roma, no Iccrom, instituição que também trago no coração com muita honra (ver Como cusco me levou a Roma), em Roma. Aliás, duas bolsas que, juntas, formaram uma só, já que do Iccrom veio a segunda para complementar a primeira, concedida pelo governo italiano. E por cada um dos muitos privilégios que tive, ao longo da minha vida, eu agradeço e tento passar adiante, como uma corrente, por meio das minhas ações.

Mas voltando à FAU, lugar marcante onde convivi, durante cinco anos, com grandes colegas, muitos dos quais se tornaram amigos do peito, com brilhantes professores e pesquisadores, arquitetos críticos e inovadores, e urbanistas sonhadores, solidários e humanos. Humanos, sim. Nossa principal e mais profunda característica. E, às vezes, tão menosprezada. De que vale a arquitetura sem humanidade? De que vale nosso mundo, nossa ciência, nossa tecnologia sem humanidade? 

Porque o que importa é o indivíduo. É para beneficiar o ser HUMANO em geral, branco, negro, amarelo, vermelho, brasileiro ou não, que aprendemos, refletimos, estudamos e nos desenvolvemos nas mais diversas áreas – arquitetura, engenharia, física, química, medicina, antropologia, pedagogia, geografia, ecologia..., porque o objetivo final é melhorar a qualidade de vida integral de toda a população. 

Para isso, são essenciais laboratórios, bibliotecas, centros de estudo,  pesquisas, extensão universitária e a aplicação prática do conhecimento adquirido em prol da sociedade. Esse é o objetivo de toda universidade pública; por isso é preciso exigir educação básica e pública de qualidade, é preciso resistir e impedir que a universidade pública seja desvalorizada, vilipendiada e privatizada, porque educação é um direito de Todos.

Com todo respeito que tenho pelos baianos e por seus poetas, não foi a Bahia, mas a FAU-USP que me deu régua e compasso; me deu colegas amigos e professores amigos, me deu conteúdo, repertório, arte, cultura, senso crítico e infinitas oportunidades para refletir, questionar, discutir, entender, mudar e agir. A FAU-USP nunca saiu de mim, nem vai sair, embora eu já tenha saído de lá há 45 anos. Privilégios a gente incorpora, mas é preciso lembrar de honrá-los! Sempre.

Parte da turma da FAU-USP 1972-76. Foto: Masahiro Watabe, super fotógrafo da turma.

O recente encontro do grupo, para comemorar os 50 anos de entrada na FAU, foi mais leve, mais sentido, mais afetuoso. Sem tantos grupinhos, sem tantas reservas ou "estrelas". Éramos apenas arquitetos, colegas, parceiros de estudos, de projetos e de turma. Parceiros de uma época importante da vida de cada um.

Envelhecemos todos. Seguimos novos rumos, nem sempre na arquitetura, mas o fato é que nós, alunos da turma da FAU-USP 1972/76, trabalhamos duro, tropeçamos, levantamos, vencemos, perdemos e aprendemos. Mas também amadurecemos, ganhamos cabelos brancos, óculos de grau, corpos mais cheios, sorrisos mais abertos, olhares mais acolhedores, abraços mais afetuosos. Ganhamos senso de pertencimento, maturidade, humanidade e consciência de finitude.

Afinal, são 50 anos (mais os 17 daqueles jovens vestibulandos). E a inevitável pergunta que me vem à mente, 50 anos depois de ler nosso nome naquele jornal, deve ser respondida, individualmente, na solidão de seu quarto. Ou talvez deva ser feita desde cedo a qualquer um, para ensinar o ser humano a refletir sobre o tempo. No entanto, em geral, nós só a fazemos quando percebemos, no corpo e na alma, que envelhecemos. A pergunta é: O que fizemos, o que fazemos e o que pretendemos fazer com o tempo que nos foi/é concedido?

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Ecos Imateriais | Para medir o tempo

Relógio do meu avô, imigrante italiano.

 “O doce perguntou para o doce qual doce era o mais doce. O doce respondeu ao doce que o doce mais doce era o doce de batata doce...”  

É um dito popular bem comum, não? Pois há outro muito parecido, mas que tem a ver com o Tempo: 

O homem perguntou ao Tempo quanto tempo o homem tem; o Tempo respondeu ao homem que ele  tem o tempo que o Tempo tem.”   

Neste ano de 2022, a turma da FAU-USP-1972 comemora o cinquentenário de sua aprovação no vestibular para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Inevitável pensar no que fizemos e fazemos nesse tempo, em como cada um dessa querida turma usou seu tempo... Tema para um próximo post. 

E você? Quanto tempo seu tempo tem? Como gasta seu tempo, ou deveria dizer como aproveita seu tempo? Porque gastar o tempo não é atitude sensata, já que o tempo é finito e, como disse o poeta Mário Quintana, quando percebemos já se passaram 60 anos, já se passou uma vida... Afinal, ainda ontem estávamos comemorando a entrada na FAU-USP...

"A vida... são deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são 6 horas...Quando se vê, já é sexta-feira...Quando se vê, já se passaram 60 anos...Agora é tarde demais para ser reprovado...E se me dessem um dia a mais, uma outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguia sempre, sempre em frente. E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas." Mário Quintana (1906-1994), Poema 666.  

O tempo passa, o tempo voa, mas o tempo medido é uma invenção humana: 60 segundos em um minuto, 60 minutos ou 3.600 segundos em uma hora, 24 horas ou 86.400 segundos em um dia. Todos nós sabemos disso, não é? Será? Será que sabemos mesmo? Será que temos consciência da passagem do tempo na nossa vida? Ou vamos esperar a idade chegar para dizer... "ah, se eu soubesse..."

Mas quem começou a marcar o tempo? Bom, os antigos mediam o tempo pelos fenômenos naturais, o movimento do sol, a posição as estrelas, que indicavam o ritmo dos dias, das estações, do tempo para o cultivo e a colheita. Aos poucos, a medição ficou mais elaborada. Os primeiros foram os babilônios (2000-539 a.C), na Mesopotâmia: construíram um relógio de sol e dividiram o dia em 12 e depois em 24 partes. Dos babilônios aos nossos dias, outros instrumentos de medição surgiram: 

  • Relógio de Sol: criado por volta do 1500 a.C. e muito usado pelos gregos e romanos, usa a luz do sol refletida numa haste que produz uma sombra, lida no marcador;  
  • Relógio de água ou clepsidra: criado em 1400 a.C., usa a força da gravidade para mover a água; 
  • Relógio de areia ou ampulheta: criada por um monge no século VII,  hoje, ampulhetas são quase só decorativas; 
  • Relógio de Vela: criado em meados do século VIII, marcava o tempo à medida que uma vela com graduação ia queimando;
  • Relógio mecânico: criado no século XIII, revolucionou a marcação do tempo no cotidiano; daí vieram o relógio de bolso (1500), ou ovo de Nuremberg; o de pulso que só foi popularizado na Primeira Guerra Mundial etc;
  • Relógio de Pêndulo: estudado por Galileu e criado em 1656 pelo holandês Christiaan Huygens, usa o balanço dos pêndulos para gerar energia e mover os ponteiros;  
  • Relógio de quartzo: criado em 1967, era mais preciso que os relógios de pêndulo; 
  • Relógio digital: criado na década de 1970, funciona com energia elétrica fornecida por uma bateria;  
  • Relógio Atômico: criado na última metade do século XX, é um dos mais precisos por usar as propriedades do átomo. 

O fato é que além, muito além dos relógios, o tempo pode ser medido também em ações, em instantes de recolhimento, em momentos dedicados à escuta amorosa do outro; em anos de reflexão e aprendizado; em décadas de cuidados àqueles que amamos; em formas de devolver à sociedade o aprendizado adquirido; em uma ação profissional humana e comprometida; em toda uma vida buscando aprender e evoluir para que, quando nosso tempo aqui se acabar, tenhamos a certeza de ter deixado para trás um mundo melhor, mais amoroso, mais solidário, mais inclusivo e mais justo.

Referências:

https://historiadigital.org/curiosidades/6-instrumentos-utilizados-para-contar-o-tempo-no-decorrer-da-historia/

https://brasilescola.uol.com.br/matematica/o-controle-tempo-suas-unidades-medida.htm

https://jornaltribuna.com.br/2022/06/relogios-e-sua-evolucao/ 

https://www.comciencia.br/para-conseguir-contar-o-tempo-foi-uma-questao-de-tempo/

https://www.humanavida.com.br/clipping/especiais/tempo-e-finitude/

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Ecos Literários | E agora, José?

Carlos Drummond. Divulgação
Conhecido, sentido e mil vezes repetido, o poema E agora, José? (1942) do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) sempre tocou meu coração. Descobri, há algum tempo, que também tocou o coração de outro José, que também leu o poema e escreveu uma crônica sobre o outro  José, o de Drummond.  
 
Falo daquele outro escritor, também hábil no manuseio das palavras, também humanista, também desalentado diante da situação do mundo, também defensor de uma ação mais solidária e menos individualista, também defensor da justiça social e da ética, e também autor de uma literatura forte e inconfundível. Falo do português José Saramago (1922-2010), ganhador de inúmeros prêmios como o Nobel de Literatura (1998) e o prêmio Camões (1995). Retomo apenas alguns trechos de sua crônica.
 
José Saramago. Divulgação
Há versos que se transmitem através das idades do homem, como roteiros, bandeiras, cartas de marear, sinais de trânsito, bússolas- ou segredos. Este, que veio ao mundo muito depois de mim, pelas mãos de Carlos Drummond de Andrade, acompanha-me desde que nasci, por um desses misteriosos acasos que fazem do que viveu já, do que vive e do que ainda não vive, um mesmo nó apertado e vertiginoso de tempo sem medida. 
Considero privilégio meu dispor deste verso, porque me chamo José e muitas vezes na vida me tenho interrogado: “E agora?” Foram aquelas horas em que o mundo escureceu, em que o desânimo se fez muralha, fosso de víboras, em que as mãos ficaram vazias e atônitas. “E agora, José?” Grande, porém, é o poder da poesia para que aconteça, como juro que acontece, que esta pergunta simples aja como um tônico, um golpe de espora, e não seja, como poderia ser, tentação, o começo da interminável ladainha que é a piedade por nós próprios.  
[...]    
Mas outros Josés andam pelo mundo, não o esqueçam nunca. A eles também sucedem casos, desencontros, acidentes, agressões, de que saem às vezes vencedores, às vezes vencidos. Alguns não têm nada e ninguém a seu favor, e esses são, afinal, os que tornam insignificantes e fúteis as nossas penas. 
 

Referências

http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond14.htm

https://www.mundovestibular.com.br/estudos/resumo-de-livro/antologia-poetica-carlos-drummond-de-andrade-resumo-2/