sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Ecos Imateriais | Mais um ano se foi

 "O sol há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar aos corações, do mal será queimada a semente, o amor será eterno novamente.” (Juízo Final, de Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, lindamente cantada por Clara Nunes).

Ainda que o final de ano só mostre a mudança do calendário do último dia de um dado mês para o primeiro dia do próximo, costuma-se entender esse período como tempo de reflexão e de balanço, de pesar ações e reações, prós e contras, ganhos e perdas do ano que passou e, ao mesmo tempo prometer (para si próprio), torcer e esperar  (para a humanidade) novas ações e atitudes para o ano que se inicia.

É sempre assim. Foi assim na virada de 2022 para 2023. Um período de alegria e retomada da esperança. Depois do fatídico período da pandemia de Covid-19, acreditávamos estar, com as vacinas, livres das dores e angústias da doença. Mas se 2023 trouxe alívio com relação à covid, trouxe também desastres climáticos, desrespeito às leis em geral, ao meio ambiente, aos povos originários e aos direitos humanos; trouxe guerras, disputas por território, crescimento do desmatamento, de atividades ilegais, da insegurança geral nas cidades, do preconceito, do sectarismo, da intolerância; trouxe um aumento absurdo de brigas em estádios de futebol, de casos de violência contra a mulher e da ganância humana.

Enlouquecidas, como que dominadas e alienadas de si próprias, as pessoas parecem se esquecer de que todos perdem com essa violência crescente; parecem se esquecer de que a Natureza não precisa de nós - nós é que precisamos dela; que qualidade de vida inclui a natureza e toda a gente, sobretudo, que o tripé amor/ compreensão/ inclusão é muito mais forte e leve que o ódio. Quando vejo tudo isso, lembro-me do livro Ensaio sobre a  Cegueira e da precisa voz de José Saramago descrevendo a terrível, surreal e absurda cegueira branca que envolvia a humanidade.

Por isso, na mudança do calendário, seria bom que cada um usasse esse tempo de reflexão para se questionar, de fato, usando o pensamento crítico e argumentos sólidos (e não o famoso "li" nas redes sociais). E tomasse por base  aquelas famosas perguntas de Santo Agostinho: qual foi, em 2023, e qual será (em 2024) seu papel no mundo; como usou, no último ano, o tempo e os recursos naturais (ambos finitos); se valorizou as pessoas com quem convive, em todos os níveis; se fez o seu melhor em tudo e todo o bem que podia; se abrandou o coração; se se despojou do egoísmo, do orgulho e da mágoa; se agiu com os outros como gostaria que agissem com você; e, por fim, se iria de consciência tranquila se tivesse que deixar  agora esta vida. 

É tempo de reflexão e balanço; tempo de coragem para se olhar, nomear, decidir e se transformar. 

Feliz 2024!

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Ecos Culturais | Significado do Natal

Natal refere-se ao natalício de alguém. Na tradição cristã, a data lembra o nascimento de Jesus (Yeshua ou Joshua em hebraico), o imenso personagem histórico que mudou a contagem do tempo. Por desconhecer o dia exato em que Jesus nasceu, no século IV é que o Papa Julius I fixou a data no dia 25 de dezembro, talvez para coincidir com rituais pagãos da antiguidade que pediam fartura, homenageavam o deus sol ou celebravam o solstício de inverno. Mesmo assim, desde então e por todo o período que a precede, nós nos preparamos para celebrar a data. Tudo bem arrumar a casa, montar o presépio, enfeitar a árvore, organizar a louça, os talheres e presentes para esperar a celebração da noite de Natal com a família. Tudo bem recolher alimentos, recursos e presentes para quem nada tem. Tudo isso é bom e faz bem ao coração, mas não podemos nos esquecer do aniversariante...

Não podemos nos esquecer daquele que nos ensinou que a única saída para a humanidade é o amor, caminho até hoje mal compreendido. Muitos podem até ter ‘entendido’, intelectualmente, essa proposta, mas praticar esse caminho...ah, aí são outros quinhentos. É triste ver que, cada vez mais, o ser humano parece priorizar a aparência, o consumo exagerado, o egoísmo e o ter, em lugar do Ser. 

Como disse o cirúrgico Frei Betto, em uma de suas tantas e incômodas crônicas (ver aqui), Natal pode ser um nó no centro do peito... Pode ser um soco no estômago, quando vemos que tantos não veem (ou fingem não ver), a dor, a carência e o sofrimento alheio, muitas vezes bem ao seu lado, tudo causado por ações humanas movidas por individualismo, ganância, descaso e violência. Mas pode ser também um momento de abrir o coração, emocionar-se, ajudar, acolher, agradecer, dar de si e fazer-se presente, como os magos do Oriente. Se a vida é o maior presente que recebemos, o melhor  que podemos ofertar a alguém é nossa presença ativa, a escuta sincera, o olhar atento, o gesto respeitoso e o coração aberto.

De qualquer forma, Natal é um período sublime, em que lindas energias se derramam sobre o planeta, trazendo possibilidades reais de mais consciência, esperança, intuição e paz a todos os que, com sinceridade, saem do lugar comum da alegria forçada e do sorriso artificial,  elevam o pensamento e abrem o coração. Que saibamos agradecer esse momento, essa energia poderosa, essa presença e essa luz maior a nos chamar e mostrar o caminho. Que saibamos agradecer por tudo: pela vida, pela família, pelo alimento, pelo teto, pelo trabalho, pela saúde, pelos amigos... 
 
Se for para pedir, que peçamos olhos de ver, ouvidos de ouvir, braços de acolher, discernimento para entender a verdade, coragem para se indignar com as injustiças e não desistir, clareza para tomar a direção correta e determinação para corrigir nosso percurso. Este é um momento em que cada indivíduo pode redescobrir que a Verdade, que o Amor dentro de si é a mesma Verdade, o mesmo Amor dentro do outro; um momento em que cada um pode celebrar a unidade com o Todo, porque a Luz que brilha no meu coração é a mesma Luz que brilha em você, no outro, no outro, no outro e no outro... Somos UM! Feliz Natal!

Referências

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2512200110.htm

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Ecos Imateriais | Satsang e partilha

Há muitos anos, descobri o que era um satsang (termo sânscrito que significa grupo ou comunidade que compartilha o mesmo propósito em relação à busca da Verdade), quando ainda era praticante de yoga, no Centro de Estudos de Yoga Narayana, na rua Ceará, em São Paulo. Depois, participei de outros encontros com a querida professora Márua Pacce, no seu Núcleo de Yoga Ganesha, ainda em São Paulo. Quando vim para Varginha e criei, em 1990, o Espaço DHARMA de Yoga, fiz questão de manter essa linda tradição e até hoje, trinta anos depois, continuo fiel a ela.

Todo final de ano, como um compromisso sagrado, fazemos (Ana Clara e eu) nosso satsanga para reforçar esse propósito da busca da verdade em nós, sat, celebrar e agradecer à Vida pelos ancestrais, pelos mestres que trouxeram o ensinamento do yoga, pelo aprendizado, pelo ganho de consciência e pela rica convivência com amigos e alunos, em cada prática, em cada satsang, em cada conversa descontraída, em cada sorriso, em cada encontro. Satsangs pedem uma atitude reverente e amorosa, mas também cheia de alegria e gratidão. Pode incluir estudos, mantras, cânticos, meditação e partilha. Assim, exercitamos o autoconhecimento, a convivência, o respeito, a solidariedade e o amor. É um momento de alegria, carregado de um silêncio profundo e pleno, em que as emoções afloram, a devoção inunda o ambiente e a gratidão brota do nosso coração.
 

Não importa há quantos anos nos reunimos nos satsangs; cada um é sempre diferente do anterior; é sempre novo e profundo, e um dos livros mais lindos que li reforçou em mim a importância desse tipo de encontro. Trata-se da trilogia Virtudes para um outro mundo possível (Vozes, 2000) do franciscano Leonardo Boff. No texto, o teólogo e professor Boff destaca quatro virtudes básicas para uma convivência saudável e respeitosa entre indivíduos. São elas: a hospitalidade que leva à cordialidade, a convivência que leva à aceitação, a tolerância que leva ao respeito e a comensalidade que leva à partilha, à comunhão.  A cada satsanga buscamos alcançar e celebrar tudo isso em cada gesto, desde a preparação inicial até a despedida do último participante. 

Agradecemos, novamente, todos os amigos, alunos e ex-alunos que estiveram conosco, em presença ou espírito, compartilhando esse lindo momento. Ao mesmo tempo, reforçamos o compromisso de continuar essa jornada, fazendo nosso melhor a cada dia, a cada gesto, a cada ação. É preciso buscar a coerência sempre entre pensamento, palavra e ação; é preciso comprometer-se com essa busca, com a verticalidade para haver transformação interna real. Sem isso, qualquer prática espiritual é vazia, porque praticar yoga é uma dobra, uma viagem para dentro de si mesmo; é um processo de transformação individual, que se manifesta como uma segunda pele em todas as ações cotidianas!  Que o próximo nos encontre mais conscientes, mais unidos e mais coerentes e compromissados com a LUZ. 

Namastê!

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Ecos Literários | Contos de fadas (1/3)

Depois de escrever sobre Italo Calvino e de seu texto sobre os clássicos, andei pensando aqui na questão dos contos de fadas. Aqui mesmo no Blog Anita Plural, já mencionei tais contos (ver aqui e aqui). De onde surgiram? Qual sua origem? Quem contava esses contos?  Bem, o próprio folclore, seus contos, histórias e lendas têm a ver com a longínqua tradição oral que, por muito tempo, foi uma das únicas formas de preservar e manter vivos os costumes, crenças e a cultura dos povos ao redor do mundo. Portanto, eram histórias que existiam há muito tempo e eram contadas muito antes de as línguas serem estruturadas como hoje as conhecemos. Se hoje lemos os contos de Charles Perrault (1728-1703) e dos irmãos Grimm - Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786-1859), por exemplo, vale lembrar que objetivo primeiro desses estudiosos, ao reunir esses contos, era estudar e conhecer a língua local e a tradição de seus povos.

Mas voltando à pergunta: habitualmente quem contava essas histórias? Além da célebre contadora de histórias, Dona Carochinha, personagem presente em vários livros, inclusive em Monteiro Lobato, dizem as pesquisas que, no mais das vezes, eram contadas por figuras femininas com algum tipo de liderança moral ou espiritual no grupo – sacerdotisas, xamãs, profetisas, avós, mães, chefes tribais, ou seja, mulheres contadoras de histórias. 

Como sempre gostei de ler, adorava contar histórias para meus filhos e cheguei a comprar um livro sobre o tema – A Psicologia dos Contos de Fada do psicanalista austríaco Bruno Bettelheim (1903-1990). No livro, ele fala dos símbolos e alegorias presentes nesses contos, auxiliando as crianças a compreenderem e estabelecerem relações entre as narrativas fantásticas e temas importantes para sua vida emocional e seu inconsciente. Assim, os contos ajudavam (ajudam) o desenvolvimento psicológico dos pequenos ouvintes. Eles ouviam (ouvem), pensavam (pensam), faziam (fazem) correlações com situações cotidianas e chegavam (chegam) a conclusões  aplicáveis à sua vida.

Daí deduzimos que a repetição faz parte da história, ou seja, o conto tem um significado diferente para cada momento da criança e, por isso, a famosa e tão ouvida frase: “Mãe, conta de novo?" E de novo e de novo e de novo... No meu caso, eu me lembro que contei nem sei quantas vezes a história das Três Plumas.... Era muito bom. A cada nova repetição, uma nova luz, um novo entendimento e, aos poucos, a criança ia (vai) ruminando, fazendo associações, enfrentando seus medos inconscientes e sua insegurança, desenvolvendo-se e aprendendo a ser resiliente. Aprende a cultivar valores, a ir se construindo como alguém que valoriza a verdade, a empatia, a compaixão, alguém que toma consciência de que suas ações afetam o todo, para o bem e para o mal. É um lindo processo ver o amadurecimento e as descobertas desses pequenos seres.

Cada vez mais, tenho comigo que, ao estimular a imaginação, o poder de síntese, a capacidade de dedução, o aprendizado de valores e o desenvolvimento da criança, contos de fada são muito, mas muito mais, infinitamente mais efetivos e interessantes que joguinhos de videogame ou de computador. 

Referências

http://www.dfe.uem.br/comunicauem/2019/08/28/era-uma-vez-as-origens-dos-contos-de-fadas/

https://www.editorawish.com.br/blogs/contos-de-fadas-originais-completos-e-gratuitos

https://www.terra.com.br/amp/story/diversao/fabulas-dos-irmaos-grimm-contos-infantis-que-atravessam-seculos,4eb426fd21be037ede7e6b7d7db39c26rsva9dq0.html

https://www.todamateria.com.br/contos-fadas/ 

https://www.ebiografia.com/irmaos_grimm/    

https://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/joao_bobo_e_as_tres_plumas