Ao reforçar um ensino passivo e desestimular o pensamento crítico, a reforma da década de 1970, desde a exclusão da filosofia do currículo escolar e depois de outras disciplinas, parece ter causado certo afrouxamento do exercício da reflexão além de lacunas históricas essenciais à elaboração de conceitos. Some-se a isso a globalização e seus filhos tortos (o individualismo e a falsa questão da meritocracia) e está feito um caldo de cultura que afeta a formação e o pensamento crítico de gerações.
Como sociedade, estamos carentes da bagagem, da sustentação teórica e da dimensão histórica que a filosofia e a História nos oferecem para termos condições de criar uma base sólida para refletir sobre questões
maiores, analisar, compreender, argumentar e assumir
posições de forma autônoma e fundamentada diante das mais diversas situações. Sem esse fundamento firme, seremos usados como massa de manobra que segue mecanicamente a direção (e o interesse individual) de outros. Por mais difícil que seja, é sempre melhor ser uma única voz consciente na multidão, do que alguém sem voz ou que repete o refrão da massa.
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Hannah Arendt. Divulgação |
Uma das teóricas que talvez melhor tenha entendido o efeito perverso da ausência do
pensar foi a filósofa e professora alemã, naturalizada americana, Hannah Arendt (1906-1975). Em seu livro Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal (1963), Arendt
filosofou sobre os porquês da ação ou inação dos indivíduos diante de uma situação. Em 1961, Arendt era correspondente da revista The New Yorker e foi foi a Jerusalém, como jornalista e filósofa, cobrir o julgamento do nazista Adolf Eichmann, por crimes de genocídio contra o povo judeu. O relato do que viu foi a base do seu livro. Para ela, em vez de um sanguinário, o réu revelou-se medíocre, alguém que obedeceu, bovinamente, ordens superiores e "apenas" as cumpriu, sem pestanejar, sem pensar
no bem ou no mal de sua ação. Segundo a filósofa, Eichman não refletiu,
não filosofou, não questionou moralmente, não avaliou eticamente a ordem e tampouco assumiu
sua responsabilidade na ação. Por isso, agiu como agiu, por estar anestesiado,
alienado, acomodado, embotado, oco, sem capacidade de pensar, incapaz de se indignar contra aquela ordem absurda. Resultado: ele via aquela ordem perversa, cruel e doentia como algo trivial, normal, banal. Para Arendt, a ausência do exercício do pensar foi o que permitiu que
o mal se transformasse em algo banal.
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O Pensador (1904). A. Rodin |
O livro originou muitas polêmicas, mas é um enorme alerta, pois identificou o porquê daquela ação mecânica, automática,
num nível muito mais profundo e nefasto do que se imagina. Quando o indivíduo perde a capacidade de se indignar contra qualquer tipo de injustiça, crueldade, violência, preconceito, racismo, oportunismo, miséria, falta de ética e mentira, ele repete a ação de banalizar o mal. Quando, por exemplo, repetimos e passamos adiante mensagens sem comprovação, sem avaliá-las à luz da história e do pensamento crítico, podemos estar ajudando a divulgar dados mentirosos e difamatórios (o que é crime) que destroem reputações e vidas. Ou seja, tornamo-nos cúmplices daquele ato.
Mais uma vez fica evidente como a capacidade de pensar e filosofar é essencial. Mas isso é um treino permanente que se desenvolve ao longo do tempo. Por isso, mais uma vez, vale lutar pela volta da Filosofia aos currículos escolares, desde os primeiros anos da educação básica ao ensino superior e além. O conhecimento filosófico é um porto seguro que baliza e dá sustentação ao exercício do pensar, por toda a vida. Como disse o filósofo e educador Mário Sérgio Cortella, "é preciso cuidar da ética, desde cedo, para não cairmos no risco de ter anestesiada nossa consciência e começar a achar que tudo é normal". Não é.
Referência
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal. Tradução José Rubens siqueira. São Paulo: Companhia das letras, 1999.
Estou vendo este filme e nao estou gostando...
ResponderExcluirSim, povo que não pensa, raciocina e tem consciência é muito facil de se manipular. Nossas elites sabem bem disso e usam essa formula ha muito tempo. E estão agora colhendo os resultados colocando pra comandar o pais uma corja de seres humanos vis. Se é que podemos chamar isso de humanos.
ResponderExcluirabs,
A banalidade do mal está cada dia mais presente entre nós. É preciso acabar com o torpor e lutar contra ela imediatamente.
ResponderExcluirAdorei,seu comentário, pena que as crianças de hoje , não tem mais ciências sociais e filosofia.
ResponderExcluirMuito bom Anitinha!Quando se conhece um pouco de filosofia podemos usar nosso pensamento para melhor.No nosso tempo tínhamos mesmo aulas de Ciências sociais e filosofia. Bebel
ResponderExcluirAdorei o texto! Estamos vivendo tempos de horror. Fico incrédula com o mal que esse governo fez e faz a todos, mesmo àqueles que votaram nele e se alinham com ele. Desenvolver o pensamento crítico realmente é o caminho. Só com ele, "filósofos" obtusos como O. de Carvalho serão desnudados e vistos como a empulhação que são.
ResponderExcluirNem me fale, Telma. Que falta faz a Filosofia para desenvolver o pensamento crítico....Vai demorar muito ainda, beijos e obrigada por estar sempre por aqui
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