Antonio
Carlos Carneiro, arquiteto.
Faleceu
em 25/outubro/2015.
Turma
da FAU-USP, 1972-1976.
Na lista de presença eu era o número 749. Ele, 752. E
era assim que ele me chamava: Anita 749, ou então “italiana”,
outras vezes, carinhosamente de “goiaba”. Eu o chamava de Carneirinho.
Desde o início nos aproximamos, pela proximidade na
lista de presença e pelo seu jeito de ser. Um sujeito despojado, sincero,
expansivo, divertido e também impaciente e explosivo, do tipo "tolerância
zero”. Mesmo assim, era impossível ficar perto do Carneirinho, sem rir.
Profissionalmente, era competente e criativo. Sua paixão, no entanto, era Desenho Industrial. Era bom o danado; um craque mesmo no DI e no manuseio da madeira. Enquanto trabalhou fez belos projetos, reformas, móveis, exposições e muitos, muitos bicos!
Adorava desenhar e ler. Nunca leu Saramago, nem
Hermógenes. Adorou o livro que lhe mandei sobre a Sala São Paulo. Por um tempo praticou yoga e Lian Gong.
Teve problemas de saúde e de relacionamento. Na saúde,
teve dois derrames (o de 2005 lhe deixou sequelas, dificultando subir e descer
escadas), problemas no fígado, pneumonia em mais de uma ocasião. Teve
depressão, mas sempre disfarçava (ao menos nos e-mails), rindo, brincando e
tentando levantar o astral das pessoas. As crises, segundo ele, serviram
para lhe mostrar quem eram os amigos de fato.
Não acreditava que
somos frágeis - “somos o que quisermos”, dizia ele. Não aceitava gente “azeda”...
E eu concordava, citando Belarmino Bicas e dizendo que azedume também mata...
Carneiro passou por poucas e boas. Ficou descrente do ser humano e descrevia a si mesmo como cético e ateu, mas não anticristão. Acabou se retraindo e se afastando... Poucos amigos sobraram, amigos com quem falava, trocava emails, que o amparavam e acolhiam, discutiam, lhe mostravam o outro lado, mas não o julgavam... Para ele, as crises eram vistas como experiência de vida, nem sempre, no entanto, bem aplicadas. Teve um único filho que cursou Direito na PUC e Ciências Sociais na USP.
Inúmeras vezes, sentiu-se injustiçado tanto pessoal
quanto profissionalmente. Vez por outra me contava uma história que relacionava
calúnia e paina: “Dizem que caluniar é como soltar paina de um travesseiro
do alto da torre de uma igreja - leva poucos segundos. Quando a verdade vem à tona,
limpar o nome do caluniado leva um tempo equivalente ao
de recolher toda esta paina e refazer o travesseiro... mas nunca se
recolhe toda a paina, nem se monta o travesseiro completo...”
Ele era franco e aberto. Dizia que nunca escondera nada,
falava tudo o que pensava e o porquê de pensar daquela maneira. Quando reclamava
e se mostrava desanimado e descrente, eu lhe dizia para ir em frente, sem desanimar, porque na
verdade - e eu acredito mesmo nisso - os que não têm caráter parecem ser em maior
número porque fazem mais barulho... Enquanto os bons se retraem, são mais
tímidos...
O mundo fica mais sem graça quando pessoas como ele
desaparecem... Ficamos nos perguntamos, como Santo Agostinho, se fizemos tudo o
que poderíamos ter feito; refletimos sobre a solidariedade e o acolhimento do mundo de
hoje... um mundo tão difícil, cheio de ódio, intolerância, hostilidade e
ignorância ... Todos nós temos problemas, não podemos condenar ou
rotular quem quer que seja, porque de perto ninguém é normal e afinal, como diziam
Chico e Francis Hime, “todo mundo tem pereba, só a bailarina é que
não tem”.
Como disse o amigo comum Raul Pereira, “nos últimos
anos, ele sofreu muito e foi sepultado na solidão, quase sem amigos... é um pouco para refletirmos sobre nossas tristes perdas,
sobre a vida e sobre nossos acolhimentos”.
Carneiro tinha algumas frases memoráveis:
- Como dizem os "irredutíveis Gauleses" do
Asterix: "só temos medo é que o céu caia sobre nossas cabeças."
- Piano piano se va lontano...
- Ô bonitinha...Ô goiaba...
- Às vezes, a gente não pode, mas se esquece de tudo,
até da própria história, que no meu caso sei ser muito bonita.
- E la nave vá.
O título do filme de Fellini virou seu bordão maior. Ao encerrar seus e-mails, ele sempre dizia: E la nave vá.
Querido amigo Carneirinho, que você siga
por caminhos menos sofridos... E, como você sempre dizia para seus poucos
amigos, estou saudosa!
Carneiro,que seus caminhos agora sejam felizes e iluminados!
ResponderExcluirNum.761
Amém, Celinha. Obrigada pela visita. Abraços
ExcluirAnita
Lindo o texto! Obrigado pelas lembranças :)
ResponderExcluirOi Daniel, obrigada pela visita. O texto saiu quando sai do choque da notícia. É verdadeiro.
ExcluirUm abraço.
Anita
Triste mesmo. Não o conheci. Mas me entristeci.
ResponderExcluirAnônimo, não se esqueça de deixar seu nome no corpo da mensagem.
ExcluirEmbora a morte seja inevitável, a gente sempre se choca com ela, sobretudo com alguém mais jovem ou da nossa faixa etária... Ainda não estamos preparados para partir... Um abraço
Anita
Ola Anita...li o texto atraves do Daniel...ainda estou em choque...
ResponderExcluirOlá, Zé, há quanto tempo. Pois é, foi um choque para todos nós.
ExcluirComo faço para entrar em contato com você? Me mande seu email particular, por aqui mesmo, mas não se preocupe porque nenhum comentário é publicado sem minha liberação. Um abraço
Anita
Pedro Jatene Carneiro, muito prazer.
ResponderExcluirOlá Pedro,
ExcluirSinto pela sua perda. Carneirinho tinha lá seus rompantes mas era uma pessoa de bom coração. Você deve saber melhor do que nós. Um abraço
Anita
De fato, muito melhor.
ExcluirUm abraço.
Complementaria seu texto dizendo que doença mental não é sinônimo de excentricidade, surto psicótico não é sinônimo de rompante e amizade não se resume aos afagos. Mas a homenagem é bonita.
ExcluirUM AMIGO,USAVA MINHA INTERNET,MORAVA PERTO DA MINHA CASA,DEIXOU SAUDADES,FIQUEI TRISTE,QUE ELE ESTEJA LÁ EM CIMA EM UM BOM LUGAR,JUNTO A DEUS
ResponderExcluirLI O TEXTO,ACHEI LINDO,APESAR QUE FIQUEI TRISTE,MAS UMA GRANDE HOMENAGEM
ResponderExcluirGRAZI
Obrigada Grazi. Saiu de sopetão com o susto... um abraço
ExcluirAnita
VOCÊ É TÃO ESPECIAL COMO ELE,FIQUEI EMOCIONADA AO LER
ExcluirGRAZI
oi Anita,
ResponderExcluirconsegui acessar seu blog hoje.
Adorei os textos que li. Quero sempre acompanhar suas postagens.
Parabéns!!!
bjos
Lúcia
Lúcia, dá para ser mais específica? Conheço várias "Lúcias"....De qualquer forma, obrigada pela visita e pelos comentários gentis. Para acompanhar é só se cadastrar. Vc vai receber um email pedindo confirmação. Um abraço
ExcluirAnita
Anita,
ResponderExcluirEstou chocado e muito triste, só vim saber agora por você. Achei linda a mensagem. Ele merece todo nosso carinho, respeito e consideração como nosso colega de turma. Nunca tive contato com ele além do período de FAU, mas estou muito triste. Que Deus cuide dele melhor do que cuidamos. Abraços
Edison Favero
Pois é, Edison, muito triste... E sua última frase é perfeita - Que Deus cuide dele melhor do que cuidamos nós...Grande abraço...
ExcluirAnita