quinta-feira, 29 de maio de 2025

Ecos Imateriais | O não-reagir

Ao abraçar uma religião ou filosofia de vida, vivenciar o caminho escolhido não se restringe à prática diária ou semanal de frequentar um templo, uma igreja ou local de prática. Yoga, por exemplo, é um sistema completo, uma filosofia de vida, um caminho, uma escolha de como ser e agir no dia a dia. Não adianta executar uma postura (asana) com perfeição absoluta, mas ser violento, preconceituoso, desonesto, individualista, mentiroso e ignorar a dor do outro no dia a dia. A cada aula, o praticante é lembrado que a pessoa que está praticando naquele momento é a mesma que age no mundo, ou seja, o que se aprende nas aulas, na experiência e nos livros sagrados deve ser aplicado no cotidiano, já que yoga é uma filosofia prática, não livresca. Como vivemos em sociedade, o convívio social exige atitudes civilizadas, cordatas, respeitosas e solidárias em qualquer ambiente – em casa, no trabalho, na escola, no trânsito, nas ruas. Além disso, mesmo que ninguém mais veja suas atitudes, sua consciência é onipresente, vê e sabe como você age.

Hoje muitos fatos, situações e notícias desafiam nosso equilíbrio emocional, mas é exatamente nesses momentos que é necessário aplicar o que o yoga nos ensina há milhares de anos. Não se trata de viver numa bolha, mas de identificar o que nos perturba, tomar uma atitude e agir, se for o caso, mas também buscar formas de relaxar corpo e mente, evitando as consequências físicas e emocionais impulsivas derivadas de reações descontroladas, como raiva, por exemplo. Nossas reações não podem controlar nossas ações.

O praticante consciente, idealmente, não permite que o ambiente o desequilibre. Para atingir a paz interior, ele dispensa incenso, música suave, iluminação sutil e a voz de um professor. O fato de se perceber, de tomar consciência de seu estado já é um resultado da prática de yoga, é verdade, mas o saber lidar com situações adversas e aplicar o que aprendeu é mais importante. Então, sempre que algo o(a) afligir, realinhe-se antes de agir: respire com consciência, ore, entoe um mantra ou repita mentalmente ao inspirar “estou” e, ao expirar, “tranquilo” - estou tranquilo, estou tranquilo - e volte ao seu centro. Se preferir, faça uma meditação caminhando, observando o toque dos pés no chão, o ritmo respiratório, as cores e sons da natureza. Logo você consegue retomar seu equilíbrio e aí pode agir, sem correr o risco de apenas reagir irrefletidamente, no calor das emoções. E isso deve ser buscado o tempo todo, em todas as situações. A prática facilita a obtenção desse estado. 

Um último e importante detalhe: embora às vezes pareça impossível perceber, a luz que brilha em você é a mesma que brilha no outro. O que nos diferencia é a intensidade do brilho de cada um, como um diamante, cujas arestas estão mais ou menos lapidadas. Mas, não se engane, fazer brilhar essa luz é trabalho e esforço individual e intransferível de cada um. Namastê! 

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Ecos Humanos | O deplorável efeito “manada”


Em meio às minhas leituras, encontrei um artigo bem interessante de Pedro Valadares, professor de português, revisor de texto e autor do site Clube do Português, dedicado à língua portuguesa e à literatura. O artigo, A camisa vermelha da seleção e a lógica do clique, falava sobre a febre dos cliques e a consequente manipulação de amplas camadas do público leitor. Valadares mostrou como a simples divulgação de um fato, a "suposta" inserção da cor vermelha em uma segunda camisa da seleção brasileira de futebol, explodiu a cabeça de muita gente e virou um monstro pegajoso e sem forma. Ele ainda destacou que a grande mídia (falada, impressa ou digital) pura e simplesmente reproduziu a notícia, em vez de, antes, pesquisar e se aprofundar no assunto para verificar a veracidade da informação. 
 
Conclusão: milhares de cliques, memes, vídeos sobre a tal "notícia". Como se diz na linguagem digital de hoje, a mensagem viralizou. Como Valadares ainda realçou, o mais preocupante é que “mesmo que seja desmentido depois, o estrago já está feito” e o efeito disso nós sabemos muito bem. Basta ver a história recente do nosso país, de tantos países, invasões e guerras por aí. 

Tristes tempos esses nossos em que as pessoas fazem ou assinam embaixo de qualquer coisa só porque "todo mundo faz"... Assumem qualquer mensagem lida como verdade e vão compartilhando loucamente, divulgando e clicando, sem parar para refletir, sem pensar na lógica do que foi lido, sem questionar os fatos, sem sequer saber de onde vem a informação, sem dar a devida dimensão histórica ao fato. Enfim, sem exercer o menor pensamento crítico.  Fico chocada com esse tipo de atitude, muito mais comum hoje em dia do se pode imaginar. 

Aliás não é só nos cliques que essa atitude de manada se repete. Acontece também nas “modas” passageiras, no mau “exemplo” daqueles que têm “superlativos” justapostos ao seu nome e no que os denominados “infuenciadores” dizem e fazem. Por tudo isso, nesses nossos tempos, a ética e o pensamento crítico de quem escreve são, cada vez mais, necessários, urgentes e imperativos. Considero tudo isso muito triste e, para amenizar esse desconforto e essa tristeza, cito o educador, psicanalista e escritor Rubem Alves (1933-2014): “As palavras só têm sentido se nos ajudam a melhor ver o mundo. Aprendemos palavras para melhorar os olhos.” Se nem isso conseguimos fazer, o momento é muito mais delicado do que supúnhamos. 
Em tempo: só lembrando que o tom avermelhado pode ser associado ao pau-brasil (Paubrasilia echinata), madeira de onde deriva o nome do nosso país.

Referências

https://clubedoportugues.substack.com/p/a-camisa-vermelha-da-selecao 

https://anitadimarco.blogspot.com/2019/04/ecos-literarios-gramatica-da-manipulacao.html

https://www.clubedoportugues.com.br/

https://www.instagram.com/clubedoportugues.com.br/

https://www.youtube.com/c/PedroValadares 

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Ecos Culturais | Sili...Sili... o quê?

Silibrina. SI-LI-BRI-NA.  Bem, em um país de dimensões continentais, como o nosso Brasil, é imensa a diversidade das manifestações culturais e folclóricas, sobretudo pela miscigenação de nosso povo. Afinal recebemos influências de várias culturas como a dos povos originários, dos africanos, dos portugueses, italianos, espanhóis e de outros tantos imigrantes. Essa variedade de influências é que enriquece a nossa cultura. Tanto é que muitas manifestações culturais são estranhas a muitos brasileiros. Por exemplo, só há pouco tempo descobri a silibrina ou a corrida de barcos de fogo. Você sabe do que se trata?

Pois, vamos lá. São celebrações do Nordeste brasileiro, e viva o Nordeste! A silibrina é uma manifestação folclórica popular de Sergipe, sobretudo dos municípios de Lagarto e Estância, duas cidades onde se concentra a maior produção de fogos de artifício do estado. Mas o evento também ocorre na Bahia. 

 

Comemorada há mais de 80 anos em Lagarto, a festa é tradição local da noite do dia 31 de maio, espécie de abertura das festas juninas  e recheada de música, banda de pífaros, zabumba e reco-reco, dança, queima de fogos, comidas típicas e muita cachaça. Diz a lenda que a cachaça é para dar coragem aos que participam das festividades. E ainda que José Antônio da Costa, o popular Maninho de Zilá, foi um dos idealizadores da festa, lá no início do século 20. Eclético, Maninho começou como marceneiro, depois fabricante de fogos artifício, virou o primeiro fotógrafo de Lagarto, exibiu filmes para a população e ainda tocou numa banda durante antigos carnavais. 

 

Durante a festa, são encenadas lutas de espadas, busca-pés e a subida do mastro. Aliás, os preparativos para escolher o melhor mastro já começam no dia anterior, quando, animados por uma banda de pífaros, um grupo se dirige à mata vizinha para escolher o melhor mastro. No local da festa, os brindes são dispostos no topo do mastro e quando os competidores tentam subir, os demais soltam fogos tentando desestimulá-lo. Perigo, perigo, perigo! Já houve  várias tentativas de acabar com a festa, mas até hoje a silibrina corre solta por lá... 

 

Na cidade vizinha de Lagarto, Estância, também denominada “capital brasileira do barco de fogo”, além da guerra de busca-pés celebra-se a corrida de barcos de fogo, patrimônio cultural sergipano, desde 2003.  Promovida pelos fogueteiros, a corrida reúne pequenos barcos movidos pela queima de pólvora que deslizam  ao longo de um cabo de aço aéreo de 300m , na Praça Barão do rio Branco. A decoração e a velocidade do barco (vai e volta) são os critérios para declarar o vencedor (Veja o vídeo aqui). 

 

Diz a tradição que o primeiro barco foi criado, no final dos anos 1930, pelo fogueteiro Chico Surdo, ou Antônio Francisco da Silva Cardoso. Ele queria criar um barco que não necessitasse das águas do Rio Piauitinga para navegar. A primeira versão era um barco de papelão movido por dois foguetes, deslizando sobre um arame preso em dois mastros, um de cada lado do rio. Com o tempo, a construção do barco foi aprimorada e a corrida passou a ser o principal elemento das festas juninas da cidade. 

 

E você? Conhecia a silibrina? Teria coragem de se aventurar?

Referências

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cilibrina

https://memorial.org.br/exposicoes/acervo/

https://web.archive.org/web/20080508151627/http://linux.alfamaweb.com.br/fijav/historiadebate2/memorial/maninho.htm

https://pt.wikipedia.org/wiki/Barco_de_Fogo

https://edubastos.blogspot.com/2012/12/a-silibrina-e-para-quem-tem-coragem.html

@silibrina (Instagram) 

SILVA, Aidam Santos. A silibrina: trajetória de uma manifestação popular lagartense (1985-1995),  2011.