Para compreender a origem do post a seguir, leia aqui o anterior. Segue a mensagem que recebi do amigo Gumercindo e seu texto... Ele me pediu para escrever algo a respeito, mas achei tão verdadeiro e ri tanto com seu texto que resolvi publicá-lo na íntegra. Sobrou até para o John Lennon, coitado... Aqui vai!
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Uma “coisa” me incomoda faz tempo. Vou tentar explicar resumidamente e, se você concordar com a minha posição e achar que o assunto pode ir para o seu blog, por favor, trabalhe a ideia. Eventualmente sou convidado para algumas comemorações: casamentos, formaturas, bodas, batizados, reuniões de turma de escola, de turmas da juventude... São reuniões que, pela sua natureza, juntam pessoas que não se veem com frequência e algumas raramente se encontram. Pessoas que se gostam. A verdade é que a vida nos espalha pelo mundo. O surgimento das redes sociais amenizou esse distanciamento, mas apenas no aspecto das notícias, de estar parcialmente atualizado com os acontecimentos. No entanto, não substituiu – nem substituirá, na minha opinião – o prazer do encontro verdadeiro.
Primos que eram muito próximos e nunca mais se viram, colegas de infância ou de faculdade, tios, avós, padrinhos.... Reencontros deliciosos. Essas conversas fluem de uma forma diferente do que ocorre via teclado. As lembranças vão conduzindo o rumo da prosa, com alegrias e tristezas, decepções e esperanças que, aos poucos, são confidenciadas e nos deixam muito mais próximos dos nossos interlocutores. O tom de voz é modulado de acordo com as emoções. Os intervalos de silêncio sedimentam as novidades. Uma delícia!
Geralmente essas comemorações são precedidas de muitas providências relativas ao local, à decoração, aos comes e bebes, tudo com muito cuidado, com muito esmero. E incluída na relação de providências está a música. Ela é a razão do meu incômodo.
Não
sei por qual motivo os músicos têm a certeza de que o propósito da reunião é
ouvi-los. Para eles, não fomos lá pelos noivos, pelo diploma, pelo
reencontro.... Nada disso. Fomos para
ouvi-los, nada mais do que isso. E com essa convicção, ajustam o volume de seus amplificadores para a máxima potência. Conhecem de música, de ritmo, sabem
as letras das canções, fazem arranjos...mas não conhecem nada de acústica. Os
ajustes não mantêm uma relação balanceada entre a música e a voz. É cada um, no
máximo, disputando com o outro. Desconhecem que os amplificadores de áudio têm
uma faixa linear – que costuma ir até os 80% da potência – e depois entram na
região de não-linearidade, ou seja, começam a distorcer o som. E o som
distorcido é desagradável; ele cansa e irrita o ouvinte. Tá bom, sei que se tiverem à sua disposição
amplificadores de alta potência poderão trabalhar na região linear, garantindo
o alto volume de som que julgam necessário. Nesse caso o som não é distorcido,
mas continua desbalanceado e estupidamente alto.
Aí, você está numa mesa com oito ex-colegas de escola, muitos dos quais não encontrava havia anos e que, provavelmente, levará outros tantos anos para reencontrar, se tiver a felicidade de uma nova oportunidade, o que nem sempre acontece. E você malemá consegue conversar apenas com seus dois vizinhos, o da esquerda e o da direita, que não conseguem conversar um com o outro. Só falam com os seus outros dois vizinhos além de você. E, na verdade, você não conversa. Você berra no ouvido do outro, e depois dele dizer “hein?” duas ou três vezes, você vai desistindo da conversa que, então, é trocada pela audição de Imagine do John Lennon, que você contabiliza – com esta – a quadringentésima nonagésima oitava vez que ouviu. Mas em troca, não ficou sabendo nada daquela história engraçada que o seu amigo queria tanto lhe contar e que você queria tanto ouvir.
Aquela tia querida, que você nunca mais viu e nunca mais vai ver, queria muito saber de você, da sua esposa, dos seus filhos e netos, da sua casa, do seu trabalho mas.... “It’s easy if you try” passou na frente. Ela queria lhe contar uma passagem do seu pai quando criança, o tratamento de saúde que está fazendo, uma viagem que acaba de acontecer... mas a sua voz mais fraca não venceu ... ”all the people”... Isso quando não colocam uns estilos infernais (que chamo assim, porque só podem ser obra do capeta). Devo ser muito exigente (um fresco, talvez), mas tem muita coisa que considero verdadeiras porcarias, sendo educado!
Sabe aquela risada gostosa e simultânea de um monte de gente ao redor de uma mesa ouvindo uma piada ou um caso engraçado contado por um dos participantes? Esquece! Impossível! Não existe compartilhamento maior que entre três ou quatro.
Enfim, depois de várias horas de absoluta e triste solidão, mesmo cercado de gente querida, começam as despedidas com um gosto amargo de que faltou alguma coisa. E o pior, alguma coisa irrecuperável. A cabeça zunindo: ...”you may say I’m a dreamer...”
E quando chega em casa, você vê que o encontro criou um enorme buraco, uma relação enorme de perguntas não feitas e cujas respostas não terá. Um gosto amargo.
Acho uma idiotice tão grande que os palavrões que conheço não são suficientes para qualificar. Acho de uma burrice e de um mau gosto sem explicação. Sei que as reuniões, muitas vezes, não são feitas apenas para nós, os mais velhos. Nossos filhos nos acompanham com namorados e muitas histórias que nos encantam não têm o menor sentido para eles. Nesse caso, a música ajuda muito a dar alegria à festa e a eles.
Existem recursos para uma convivência sadia e inteligente entre a música e a prosa. O simples posicionamento das caixas de som pode ajudar muito. Se bem feito, com a frente para os jovens e as costas para os mais velhos, já se criam melhores condições. O ajuste do volume do som ajuda muito. Intervalos entre seleções de músicas também funcionam, dando oportunidade para a prosa. Nesse caso, ajuda inclusive as paqueras, que começam com uma dança, mas precisam da conversa para a maior aproximação, o conhecimento, o despertar de interesse.
Daria para falar bem mais, mas eu só queria expressar o que sinto e, repetindo, se você compartilhar desse sentimento, aí seria interessante elaborar um texto e publicar no seu blog. Tenho a certeza que você faria um manifesto muito interessante.
- Texto de Gumercindo Naia, Varginha, jun.2025
Anita, por favor, repasse meu muito obrigada ao Gumercindo. Alguém precisava colocar em palavras o que tantos de nós sentimos, e ele foi preciso como um sopro de alívio. Também não suporto música alta no ouvido — me vi no texto dele, quase como se fosse meu próprio desabafo. Sempre que falo disso, ouço que sou chata, ranzinza... Mas há uma distância imensa entre som e ruído, entre melodia e invasão.
ResponderExcluirNa última vez que voltei do Brasil, algo me bateu forte: o barulho é parte do nosso jeito de ser. Falar alto, interromper, falar todos ao mesmo tempo, festas que explodem em som — são marcas do nosso calor latino. Mas, confesso, não sinto falta desse excesso. Espero que nos reencontros futuros haja mais escuta, mais silêncio confortável, e menos barulho que atravessa. Beijo grande, Raissa :)
Raissa, que lindo depoimento, querida! Concordo inteiramente com você e com o Gumercindo. Cheguei ao ponto de ficar rouca, certa vez, por tentar, sem conseguir, conversar com meus queridos amigos. Saudades e muitos beijos
ExcluirGrata pela agradável leitura, em que partilhamos e ponto. Tenho as mesmas impressões. Provavelmente por sermos de gerações mais antigas , onde nos encontrávamos para ouvir músicas 🎶 . Também nos encontrávamos para conversar. Os propósitos eram claros. Agora há modelos e padrões, os quais, formatamos comportamentos sociais protocolados por diálogo objetivo, curto e digital , até no namoro com presença real, que mais parece virtual .
ResponderExcluirConcordo plenamente.
ResponderExcluirGosto de música bem alta, principalmente o Rock-&-Roll, mas isso em hora e local adequado. Tenho hoje uma deficiência auditiva provocada, entre outros motivos, por anos de Rock a todo volume, em fones de ouvido 🤦♂️. Agora, fujo de restaurantes ou bares com música ao vivo justamente porque conversar é um dos meus hobies prediletos e a impressão que fica sobre esses lugares é que aqueles os frequentam não querem ou não têm do que conversar.
Abraço, Anita. Fabio
Tá certo, Gu. Claro que dá pra conciliar. E dá parte dos músicos também não é legal. Pois muitas vezes cantam e são ignorados. Acho que tem que delimitar os espaços entre que quer ouvir e curtir a música e que quer prosear. Meu pai teve uma briga famosa com um vigário na década de 60 que ia à noite para o microfone da igreja voltado pra fora e falava o que lhe vinha à cabeça. Um precursor da luta ambiental.
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