domingo, 23 de novembro de 2025

Ecos Humanos | Vale a pena?

Para dizer o mínimo e com suavidade, os tempos em que vivemos parecem bem distópicos e complicados com doses extras de violência, barbárie, agressividade, desfaçatez, ignorância, preguiça, ganância, hipocrisia, individualismo, má vontade, má-fé, manipulação, falta de empatia, de solidariedade, de pensamento crítico e de dimensão histórica... Não! A situação não é de hoje, embora, convenhamos, pareça piorar a cada dia. Toda vez que me choco com algo que ocorre aqui ou em outro lugar no mundo, lembro-me das palavras do meu amigo Guima (A.C.Guimarães): "Calma, não é verdade que o mal e os maus predominem, o fato é que os bons são tímidos e o bem nem sempre aparece". 
 
Vá lá... pode ser que ele tivesse (e tenha) razão. Pode ser que os jornalões, a TV, a mídia tradicional e as redes sociais só mostrem o que dá visibilidade, ou seja, o ruim, o malfeito, o triste, a violência... E tudo sem nuances, repetindo o mesmo molde, com a mesma narrativa e as mesmas palavras tendenciosas. E o mais triste ainda é perceber como tem gente que acredita nisso, sem o menor questionamento... Agora, cá para mim, tenho ficado com o pé atrás, ou melhor, com os dois pés atrás... E decepcionada, desanimada e desiludida com o andar da carruagem da humanidade. 
 
Coisas simples, triviais, totalmente corriqueiras e inequívocas para mim, como pagar o que deve, devolver o que não é seu, falar a verdade, ser correto, ético e íntegro, fazer o seu melhor em qualquer situação, cumprir seu dever, trabalhar com boa vontade, cuidar, respeitar, acolher os diferentes, ser gentil, ajudar e ser solidário, ter empatia, pensar no coletivo e por aí vai... São atitudes tão óbvias, tão gritantemente normais que não precisariam (penso eu) ser destacadas, tampouco listadas. No entanto, parecem tão distantes, mas tão, tão distantes (como uma galáxia longínqua) e tão sem sentido para tantos, que quase viraram exceções. Confesso que me angustia e me assusta muito ver a extensão dessa falta de ética e de solidariedade, esse individualismo que cresce em progressão geométrica, essa banalização da crueldade e da omissão, essa indiferença à dor do outro.  

 

Mas, a pergunta por trás dessa minha perplexidade frente a essas situações cada vez mais "normalizadas" é: Vale a pena continuar a agir com integridade, fazer a nossa parte, o nosso melhor, colocar-se no lugar do outro, pensar no todo, agir de forma correta e solidária, respeitar e acolher?  Vale a pena? 

A resposta é uma só e só uma: SEMPRE. Entendo, porém, que o impacto do que sentimos e vemos se acumula e assume tal dimensão que, talvez por um tempo, nos deixe inertes, apáticos, imobilizados pelo horror presenciado, seja qual for a situação. Nesse caso, é preciso dar-se um tempo - de descanso, refazimento e recuperação. Mas é só isso: é só um tempo. Não temos o direito de ficar apáticos diante da dor alheia, da violência e da mentira. A indignação, a compaixão e o amor à Verdade devem nos impelir a agir para mudar esse estado de coisas. 

 

Então, no meu caso, após constatar esse estado saramaguiano de desânimo com a sociedade humana, depois desse tempo que me dou, respiro mais forte, guardo a tristeza no bolso, sacudo o cansaço dos olhos, dos braços e do coração e, como o elefante de Drummond (ler aqui Poetizando com Paquidermes), recomeço. Quando isso não acontece, é hora de passar o bastão, porque a ação no bem não pode parar. Afinal, é para isso que estamos aqui, para aprender e evoluir sempre, cada um no seu tempo, apesar de... Para terminar, um lembrete diário, constante nas minhas aulas de yoga e no meu mural de trabalho: 


Espalhar luz...
Significa vibrar energia acolhedora, curativa e amorosa, em qualquer situação e qualquer lugar...
Significa agir com amor com a totalidade e com todos os seres, deixar o coração falar e o Deus interior comandar...
Significa usar o discernimento e iluminar o olhar para ver o real atrás das aparências, ver o TODO, através de cada uma de suas partes...
E, por fim, entender que estamos todos na mesma viagem rumo à Unidade! Namastê!

Ecos Culturais | Os bordados da história

Há quase cinco anos, falei sobre um grupo de mulheres que, desde 2001, "criam projetos coletivos estimulados pela literatura, a partir do bordado". São mulheres  de várias idades e formações diversas, que bordam histórias, mas, mais do que pensar no motivo, desenhar, escolher as cores, tecer e entremear linhas, elas organizam e bordam a teia da vida. Para entender do que estou falando, clique aqui e leia o post Bordando a teia da vida.   


Bordado do grupo na capa de GSV, Cia das Letras, 2021

Nessa minha trajetória de mais de uma década, como editora do Blog Anita Plural, sempre escrevi sobre o que me toca, sobre o que vi, vivi, estudei, aprendi... enfim, de algo que tem a ver comigo, que me motiva, entristece ou enternece. Ao longo desse tempo, algumas postagens me emocionaram mais do que outras, mas o post a que me refiro, com certeza, foi um dos que mais me tocaram e que amei fazer. Eu escrevia e chorava (o que não é nada raro, convenhamos), ouvia os depoimentos e chorava, lia e chorava, via as imagens e chorava. 

Por quê? Talvez porque a arquiteta, amiga dos tempos da FAU-USP, Maria Alice Ferreira Rosmaninho, fosse uma das bordadeiras do grupo e, mesmo com lágrimas nos olhos, com a persistência e o apoio de um ambiente cercado de afeto, tenha bordado e transposto para o tecido, com delicadeza, uma difícil fase de sua história; talvez porque eu tenha descoberto que o grupo bordava a obra-prima de João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas; talvez porque também bordassem Mia Couto, outro escritor que admiro e que me encanta a cada leitura; mas, talvez, principalmente, porque muito mais que praticar a arte do bordado esse grupo de mulheres de todas as idades se reunia, como nossos ancestrais e os povos originários vêm fazendo há milhares de anos, para partilhar a nobre arte do contar histórias e, sobretudo, a arte da escuta, do acolhimento, da empatia, do conforto e apoio mútuos.  




 O tempo passou e o grupo resolveu contar sua história. Fiquei feliz e orgulhosa, quando soube que um trecho do meu post está na publicação. O livro O Fio de Dentro, de Beth Ziani, outra das bordadeiras, será lançado no próximo sábado, 29 de novembro de 2025, às 16 horas, na Livraria Expressão Popular, Alameda Nothmann 806, Campos Elísios, São Paulo. 

Que privilégio poder acompanhar esse evento, testemunhar, aplaudir e divulgar o lindo trabalho dessas mulheres tão delicadas e fortes. Termino esse post como terminei o primeiro, no qual falo do grupo: Vida Longa ao Teia de Aranha! Que continuem inspirando a formação de outros grupos de convivência, de sustentação, apoio e afeto a tantas mulheres, a tantos seres humanos carentes de um ouvido atento...

Lançamento de: O fio de Dentro
Concepção e texto: Beth Ziani
Pesquisa e org: Beth Ziani, Coletivo Teia de Aranha e Flávia Mielnik
Textos Haikai: Beth Zani e Rioco Kayano
Projeto Gráfico: Flávia Mielnik
Orelha: Vilma Lia de Rossi
Editora: Stachini Editorial
São Paulo, 2025

Sumário
Introdução
Parte 1: Fios no Tempo
Parte 2: Novas /teias
Parte 3: Tecer-se
Parte 4: Bordar-nos
Parte 5: Em muitas vozes
Bastidores
Agradecimentos
Outros fios

Referências

https://anitadimarco.blogspot.com/2021/05/ecos-humanos-bordando-teia-da-vida.html 

www.sted.com.br

Instagram @Grupo Teia de Aranha 

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Ecos Urbanos | Qualidade Urbana (4): De lá para cá e vice-versa

A partir da semente deixada pelo baiano Anísio Teixeira (1900-1971) da escola democrática integral e seus desdobramentos (ver aqui), outros educadores, outros centros de educação no Brasil foram se desenvolvendo como as escolas-parque, os CIEPs no Rio, os Territórios CEU em São Paulo e os ComPaz em Recife, por exemplo. Mas na busca por soluções inovadoras e eficazes, outras cidades buscaram inspiração também em Bogotá e em Medellín para desenvolver projetos similares nas áreas mais carentes. A ideia é focar na similaridade dos problemas, na qualidade dos projetos, equipamentos e serviços oferecidos, respeitando o interesse da comunidade local e a dignidade da pessoa humana. 

 

Rede Cuca - Fortaleza

Se em Recife temos o exemplo dos ComPaz (ver aqui), no Ceará temos a Rede Cuca, complexos multiculturais esportivos e educacionais que unem Cultura, Arte, Ciência e Esporte, com serviços e cursos gratuitos, sendo o primeiro deles implantado em agosto de 2009.  Em Alagoas, o Programa Vida Nova nas Grotas, uma parceria do governo do estado com a ONU-Habitat (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos), faz intervenções urbanísticas em bairros pobres de Maceió e no Pará, as Usinas da Paz. 

 

Usina da Paz, Ananindeua. Divulgação 

Este último, por exemplo, articula segurança pública com ações de cidadania. Além de outras nove unidades previstas ou em construção, a Usina da Paz de Ananindeua, cidade com 550 mil habitantes, na região metropolitana de Belém, tem salas de música, oficinas e biblioteca equipada com computadores, além dos 80 serviços gratuitos de profissionalização, esporte, lazer, educação e saúde. A arquitetura também deu seu recado e os prédios circulares de ferro e madeira, projeto de 2019 da arquiteta Bel Lobo para abrigar o complexo em Ananindeua, são tão surpreendentes quanto os de Medellín. No caso da cidade paraense, dentro do projeto, existe a possibilidade de montagem de barraquinhas de artesanato, sempre geridas por mulheres.  

 

Serviços e equipamentos de qualidade, respeito às necessidades do cidadão e integração entre sociedade civil, poder público e demais grupos garantem a implantação e a capacidade de transformação do espaço urbano e o efeito irradiador desse tipo de urbanismo. Quando o poder público trabalha, de fato, para atender com respeito aos anseios e necessidades da população com equipamentos e serviços de qualidade, quando mostra interesse por aquela comunidade e sua população, isso atrai novos serviços e isso gera novos investimentos. Daí, a comunidade aumenta sua autoestima, o que gera um efeito dominó do bem também no entorno. Todos querem fazer parte, cuidando do seu espaço e garantindo melhorias para a comunidade. Ainda que diferenças e carências continuem a existir, o urbanismo social é uma forma de inclusão social que colabora com a transformação também do entorno.

 

Parque del Rio, Medellín. Foto: Silvia Raquel Chiarelli

Uma grande diferença entre o que ocorreu em Medellín e o que ocorre no Brasil é a malfadada descontinuidade de bons programas e políticas públicas, em função de mudanças da política local. Ora, o urbanismo social colombiano tem sobrevivido, há vinte anos, apesar das mudanças de prefeitos de ideologias distintas. Aqui, grande parte dos eleitos quer deixar a sua marca e se esquece do que trazia dignidade à população. Assim, como já dito no post anterior, é urgente, urgentíssimo, que as intervenções públicas de urbanismo social sejam políticas de Estado, e não de governos, para que esses programas e políticas sobrevivam no longo prazo. 

 

O fato é que quando o poder público não ocupa seu lugar, mesmo quando ONGs agem criando cursos de capacitação, qualificação profissional, reforço escolar e empreendedorismo para auxiliar essas populações, outros grupos podem instalar um poder paralelo a pretexto de “ajudar” a comunidade, assumindo, assim, total controle do local no vácuo do poder público.

 

Morro do alemão- Teleférico. Divulgação
Alguns dos projetos construídos para os jogos olímpicos, no Rio, por exemplo, são exemplo de descontinuidade administrativa e de negligência na gestão dos recursos públicos. É o caso do teleférico que atendia às comunidades do Complexo do Alemão, onde vivem cerca de 180 mil pessoas. Inspirado no Metrocable de Medellín e inaugurado em julho de 2011, o teleférico carioca funcionou apenas no período olímpico transportando 10 mil passageiros/dia, sendo desmontado depois do final dos jogos. A previsão é que, reparadas as causas alegadas (desgastes nos cabos), ele volte a funcionar no final de 2026. Tomara, porque um dos fatores que dificulta o desenvolvimento dos moradores de comunidades é justamente o difícil acesso a equipamentos públicos.  

De qualquer forma, entre erros e acertos, além da questão da continuidade dos projetos, do respeito e da sensibilidade para perceber, de fato, as carências locais, as cidades, o poder público, as pessoas que fazem as leis, os empresários e a sociedade civil precisam entender que é forçoso integrar planejamento urbano e urbanismo social. E, sim, nossas cidades com seus projetos inovadores (Rio com o Favela-Bairro; Recife com os ComPaz; Belém com as Usinas da Paz, São Paulo com os CEUs e Curitiba, com o inovador transporte de massa do ex-prefeito/arquiteto Jaime Lerner) – marcaram um  belo ponto. Sim, também exportamos conhecimento e tecnologia, mas há muita coisa boa vinda de fora, sobretudo da América Latina, nossos vizinhos mais próximos. Claro que não dá para transportar tudo, mas, com boa vontade, conhecimento técnico, humildade, desejo de promover essas populações e tendo a mente e o coração abertos, dá para aprender com tudo! 

PS. Nos posts que se referem a Bogotá e Medellín, agradeço a gentil e pronta colaboração da arquiteta Silvia Raquel Chiarelli no envio das fotos recentes de sua autoria.    

Referências

https://outraspalavras.net/outrasmidias/medellin-inspiracao-para-resgatar-as-cidades-brasileiras/ 

https://www.mobilize.org.br/noticias/5261/medellin-exemplo-de-cidadania-aliada-a-mobilidade-urbana.html

https://catracalivre.com.br/viagem-livre/medellin-a-cidade-que-se-reinventou/

https://pt.org.br/melhor-prefeito-do-mundo-conheca-os-premios-da-gestao-haddad/

https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/haddad-vence-desafio-de-prefeitos-e-sp-ganha-us-5-milhoes-para-projeto.ghtml

https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/freguesia-do-o-recebera-novo-territorio-ceu/24/

https://www.crea-rj.org.br/reativacao-do-teleferico-do-complexo-do-alemao-deve-ocorrer-em-2026/  

https://portaldajuventude.fortaleza.ce.gov.br

https://catalogodeservicos.fortaleza.ce.gov.br/categoria/juventude/servico/258

https://pt.wikipedia.org/wiki/Rede_CUCA