terça-feira, 18 de novembro de 2025

Ecos Urbanos | Qualidade Urbana (4): De lá para cá e vice-versa

A partir da semente deixada pelo baiano Anísio Teixeira (1900-1971) da escola democrática integral e seus desdobramentos (ver aqui), outros educadores, outros centros de educação no Brasil foram se desenvolvendo como as escolas-parque, os CIEPs no Rio, os Territórios CEU em São Paulo e os ComPaz em Recife, por exemplo. Mas na busca por soluções inovadoras e eficazes, outras cidades buscaram inspiração também em Bogotá e em Medellín para desenvolver projetos similares nas áreas mais carentes. A ideia é focar na similaridade dos problemas, na qualidade dos projetos, equipamentos e serviços oferecidos, respeitando o interesse da comunidade local e a dignidade da pessoa humana. 

 

Rede Cuca - Fortaleza

Se em Recife temos o exemplo dos ComPaz (ver aqui), no Ceará temos a Rede Cuca, complexos multiculturais esportivos e educacionais que unem Cultura, Arte, Ciência e Esporte, com serviços e cursos gratuitos, sendo o primeiro deles implantado em agosto de 2009.  Em Alagoas, o Programa Vida Nova nas Grotas, uma parceria do governo do estado com a ONU-Habitat (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos), faz intervenções urbanísticas em bairros pobres de Maceió e no Pará, as Usinas da Paz. 

 

Usina da Paz, Ananindeua. Divulgação 

Este último, por exemplo, articula segurança pública com ações de cidadania. Além de outras nove unidades previstas ou em construção, a Usina da Paz de Ananindeua, cidade com 550 mil habitantes, na região metropolitana de Belém, tem salas de música, oficinas e biblioteca equipada com computadores, além dos 80 serviços gratuitos de profissionalização, esporte, lazer, educação e saúde. A arquitetura também deu seu recado e os prédios circulares de ferro e madeira, projeto de 2019 da arquiteta Bel Lobo para abrigar o complexo em Ananindeua, são tão surpreendentes quanto os de Medellín. No caso da cidade paraense, dentro do projeto, existe a possibilidade de montagem de barraquinhas de artesanato, sempre geridas por mulheres.  

 

Serviços e equipamentos de qualidade, respeito às necessidades do cidadão e integração entre sociedade civil, poder público e demais grupos garantem a implantação e a capacidade de transformação do espaço urbano e o efeito irradiador desse tipo de urbanismo. Quando o poder público trabalha, de fato, para atender com respeito aos anseios e necessidades da população com equipamentos e serviços de qualidade, quando mostra interesse por aquela comunidade e sua população, isso atrai novos serviços e isso gera novos investimentos. Daí, a comunidade aumenta sua autoestima, o que gera um efeito dominó do bem também no entorno. Todos querem fazer parte, cuidando do seu espaço e garantindo melhorias para a comunidade. Ainda que diferenças e carências continuem a existir, o urbanismo social é uma forma de inclusão social que colabora com a transformação também do entorno.

 

Parque del Rio, Medellín. Foto: Silvia Raquel Chiarelli

Uma grande diferença entre o que ocorreu em Medellín e o que ocorre no Brasil é a malfadada descontinuidade de bons programas e políticas públicas, em função de mudanças da política local. Ora, o urbanismo social colombiano tem sobrevivido, há vinte anos, apesar das mudanças de prefeitos de ideologias distintas. Aqui, grande parte dos eleitos quer deixar a sua marca e se esquece do que trazia dignidade à população. Assim, como já dito no post anterior, é urgente, urgentíssimo, que as intervenções públicas de urbanismo social sejam políticas de Estado, e não de governos, para que esses programas e políticas sobrevivam no longo prazo. 

 

O fato é que quando o poder público não ocupa seu lugar, mesmo quando ONGs agem criando cursos de capacitação, qualificação profissional, reforço escolar e empreendedorismo para auxiliar essas populações, outros grupos podem instalar um poder paralelo a pretexto de “ajudar” a comunidade, assumindo, assim, total controle do local no vácuo do poder público.

 

Morro do alemão- Teleférico. Divulgação
Alguns dos projetos construídos para os jogos olímpicos, no Rio, por exemplo, são exemplo de descontinuidade administrativa e de negligência na gestão dos recursos públicos. É o caso do teleférico que atendia às comunidades do Complexo do Alemão, onde vivem cerca de 180 mil pessoas. Inspirado no Metrocable de Medellín e inaugurado em julho de 2011, o teleférico carioca funcionou apenas no período olímpico transportando 10 mil passageiros/dia, sendo desmontado depois do final dos jogos. A previsão é que, reparadas as causas alegadas (desgastes nos cabos), ele volte a funcionar no final de 2026. Tomara, porque um dos fatores que dificulta o desenvolvimento dos moradores de comunidades é justamente o difícil acesso a equipamentos públicos.  

De qualquer forma, entre erros e acertos, além da questão da continuidade dos projetos, do respeito e da sensibilidade para perceber, de fato, as carências locais, as cidades, o poder público, as pessoas que fazem as leis, os empresários e a sociedade civil precisam entender que é forçoso integrar planejamento urbano e urbanismo social. E, sim, nossas cidades com seus projetos inovadores (Rio com o Favela-Bairro; Recife com os ComPaz; Belém com as Usinas da Paz, São Paulo com os CEUs e Curitiba, com o inovador transporte de massa do ex-prefeito/arquiteto Jaime Lerner) – marcaram um  belo ponto. Sim, também exportamos conhecimento e tecnologia, mas há muita coisa boa vinda de fora, sobretudo da América Latina, nossos vizinhos mais próximos. Claro que não dá para transportar tudo, mas, com boa vontade, conhecimento técnico, humildade, desejo de promover essas populações e tendo a mente e o coração abertos, dá para aprender com tudo! 

PS. Nos posts que se referem a Bogotá e Medellín, agradeço a gentil e pronta colaboração da arquiteta Silvia Raquel Chiarelli no envio das fotos recentes de sua autoria.    

Referências

https://outraspalavras.net/outrasmidias/medellin-inspiracao-para-resgatar-as-cidades-brasileiras/ 

https://www.mobilize.org.br/noticias/5261/medellin-exemplo-de-cidadania-aliada-a-mobilidade-urbana.html

https://catracalivre.com.br/viagem-livre/medellin-a-cidade-que-se-reinventou/

https://pt.org.br/melhor-prefeito-do-mundo-conheca-os-premios-da-gestao-haddad/

https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/haddad-vence-desafio-de-prefeitos-e-sp-ganha-us-5-milhoes-para-projeto.ghtml

https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/freguesia-do-o-recebera-novo-territorio-ceu/24/

https://www.crea-rj.org.br/reativacao-do-teleferico-do-complexo-do-alemao-deve-ocorrer-em-2026/  

https://portaldajuventude.fortaleza.ce.gov.br

https://catalogodeservicos.fortaleza.ce.gov.br/categoria/juventude/servico/258

https://pt.wikipedia.org/wiki/Rede_CUCA

8 comentários:

  1. Muito bom ler seus artigos. Sempre um novo aprendizado que nos faz refletir em nosso próprio papel dentro da sociedade. Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Querida sempre trazendo informações que muitos ignoram.

    ResponderExcluir
  3. Parabéns pelo seu trabalho! É lindo! É especial. Um presente para todos nós.
    E também um convite para a reflexão e ação.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, querida, o seu também é. Apesar de ser uma gota num oceano, é sempre mais uma gota, né? Não podemos parar.... Beijo grande

      Excluir
  4. E' veramente piacevole leggere gli articoli che scrivi,quelli di ottobre caso Bogota',perche' stimolano tutti noi a fare sempre qualcosa di piu'per la societa' ma dovrebbe stimolare all'azione i governanti per avere delle citta' migliori in tutto.Bravissima...un grande abbraccio Tonino

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. /grazie mile, carissimo. Quello che faccio è una goccia in un oceano di informazione, ma è la mia goccia, il mio modo di dare il mio contributo. È meraviglioso che abbia raggiunto così tante persone. Un abbraccio forte, caro amico.

      Excluir
  5. Muito bom e assim vamos tomando conhecimento do que é feito para a melhoria das pessoas mais carentes. Bel

    ResponderExcluir
  6. Excelente síntese que mostra que caminhos existem, Anita. O duro, realmente, é a falta de continuidade. Zé Marcelino

    ResponderExcluir