Boris Schnaiderman. Imagem:cartacapital.com.br |
Há pouco tempo, perdemos três grandes nomes da
tradução Umberto Eco, Bóris Schnaiderman e, mais recentemente, Gregory Rabassa. Umberto Eco
(1932-2016) era linguista, filósofo, crítico literário, tradutor e semiólogo. Boris Schnaiderman (1917-2016), agrônomo de formação, era
tradutor, ensaísta, crítico literário, romancista e professor. Gregory Rabassa traduziu grandes nomes da literatura latino-americana. Perdemos vozes críticas, de pensamento lúcido e coerente,
pessoas que exerciam, com maestria, seu ofício das letras. Fui buscar, na
memória, os meandros do meu contato com cada um. Fui buscar a história de cada
um, porque mais que palavras são os atos que mostram quem, de fato, são as
pessoas.
Boris
Schnaiderman, nascido na
Ucrânia, emigrou ainda criança para o Brasil, aos 8 anos de idade. Ficou. É um
dos criadores do curso de Russo na USP e um dos principais responsáveis pela tradução
da literatura russa no Brasil. Autodidata em tradução, foi um dos responsáveis,
no início da década de 1960, pela fundação do curso de língua e literatura
russas na Universidade de São Paulo (USP) onde era professor de russo e de
Teoria Literária. Sob orientação de Antonio Cândido, defendeu sua tese sobre
Maiakóvsky, gerando o livro publicado com o título A Poética de Maiakovski através de sua Prosa (1971). É um dos
primeiros tradutores do russo para o português, tendo traduzido autores do
porte de Tolstói, Dostoiévski, Púchkin, Tchékov, Górki e Maiakóvski, entre
outros. Começa seu trabalho de tradutor com pseudônimo - Boris Solomov. Sua primeira tradução foi o livro de
Dostoiévski Os irmãos Karamázov, publicado em 1944 e cuja tradução ele
criticou tempos depois.
Como autor, lançou seu primeiro título, em 1964: Guerra
em surdina mistura memórias e reflexões sobre o período
que passou na Itália, na segunda Grande Guerra, pela Força Expedicionária
Brasileira – FEB para lutar ao lado dos aliados e relata o processo progressivo
de desumanização dos personagens. Sessenta anos depois, voltou ao tema e lançou Caderno
italiano (Perspectiva), uma narração autobiográfica onde reafirma seu
ponto de vista sobre aquele período que ainda lhe provocava repulsa,
indignação e frustração.
Em 2001, recebe o título de professor emérito da USP
e, em 2003, o Prêmio de Tradução da Academia Brasileira de Letras. Recebe, em 2007, do
governo da Rússia a Medalha Púchkin, um reconhecimento por sua
contribuição na divulgação da cultura russa.
Teve amplo contato com os irmãos campos, Haroldo e
Augusto de Campos, a quem chamou de
“magistrais tradutores”:
- “Muito bom o
contato, a troca e o trabalho com eles. Com o Augusto me dou bem até hoje
[Haroldo de Campos morreu em 2003]. Na época eu não gostava de poesia concreta,
mas, como tradutores, eram magistrais.{...} Ambos eram
capazes de fazer traduções livres e, ao mesmo tempo, fiéis, o que nunca é
fácil. ” (1)
Sábio, advertia os tradutores sobre uma prática que
considerava elementar – o cotejo em voz alta da tradução feita:
-“Adotei uma nova técnica: o texto em
português já traduzido por mim era lido em voz alta por outra pessoa enquanto
eu acompanhava em russo. Levei vários anos para descobrir como essa prática
elementar é importante. ” (2)
Ao ser perguntado sobre o motivo de ter chamado a tradução como “ato desmedido” e se isso se devia à sua eterna insatisfação com as próprias traduções aliado ao hábito de refazê-las
constantemente, Schnaiderman respondeu:
-“Não tenho dúvidas quanto a isso. Desmedido porque é
uma violência pegar uma obra de Tolstói ou Dostoiévski e traduzir. Não sou
Tolstói nem Dostoiévski e, no entanto, tento transpor para o português o que
eles disseram em russo dentro do contexto da cultura russa. Tenho traduzido
grandes autores, como Púchkin, Tchékov, Górki, Maiakóvski. O “ato desmedido”
vale para todos eles. Traduzi Khadji-Murát,
de Tolstói, pela primeira vez em 1949 e de lá para cá já fiz outras quatro
traduções diferentes do mesmo livro, para melhorá-lo e diminuir o que chamo de
violência”.
Schnaiderman, dois dias depois da guerra. Imagem: Revista da Fapesp. |
Aos 98 anos, na mesma entrevista para a Revista da
Fapesp, Schainerman dizia que com 98 anos não fazia mais novas traduções,
apenas revisava e melhorava as antigas e que, enquanto
tivesse energia, continuaria tal tarefa.
Sua energia se foi, mas seu método, suas palavras e seu exemplo ficaram. Seu livro Ato
Desmedido, pela Editora Perspectiva é leitura obrigatória para todo
tradutor. Impressionou-me sua capacidade
de rever, humilde e constantemente suas traduções. Em um mundo onde o ego de tantos grita tão
alto, aquela postura me inspira. Seu método combinava rigor, disciplina,
competência, devotamento e humildade, como um verdadeiro mestre.
Como bem disse Caetano W. Galindo, tradutor de
Ulisses, de James Joyce: “Todos os tradutores literários do Brasil sentem essa
perda como a de um fundador. Todos lemos Schnaiderman, todos de alguma maneira
seguimos seus passos."
Referências:
Revista
da Fapesp:http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/10/14/boris-schnaiderman-memorias-de-um-ex-combatente/
Revista
Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/cultura/o-ato-desmedido-de-boris-schnaiderman
Blog
da Cia das Letras: http://www.blogdacompanhia.com.br/2016/05/sobre-boris-schnaiderman/
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