sábado, 16 de fevereiro de 2019

Ecos Imateriais | Os portões do céu

    Muito mais do que imaginamos, as historinhas Zen sempre nos fazem refletir nas mais diversas situações. Nos tempos conturbados em que vivemos, são cada vez mais atuais e presentes. O conto a seguir foi enviado pelo amigo Carlos Sá, de Sobradinho – DF, e a lição fundamental que traz e deve ser lembrada a cada dia é: são nossas escolhas que definem nosso caminho. Mostra ainda que um mestre sempre sabe como usar qualquer situação para aplicar seus ensinamentos. 

“Os mestres somente lhe abrem as portas, o resto do caminho será por sua conta”.

 Um guerreiro samurai, certa vez desafiou um mestre Zen, a explicar o conceito de céu e inferno. Mas o monge pensou por um momento e, olhando-o com olhar desafiador e altivo, lhe respondeu:
 — Ora, não passas de um camponês rústico e ignorante; não vou desperdiçar meu tempo com gente da tua laia!
Atacado na própria honra, o samurai teve um acesso de fúria imediato e sacando a espada da bainha berrou: 
— Eu poderia te matar por tua impertinência!
— E aí abrem-se os portões do inferno — respondeu calmamente o monge.
Espantado por reconhecer como verdadeiro aquilo que o Mestre dizia acerca da cólera que o dominara, tão repentinamente, o samurai acalmou-se, embainhou a espada e fez uma mesura, agradecendo ao monge pela revelação, enquanto o monge lhe dizia, com um sorriso:
— E aqui abrem-se os portões do céu!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Ecos Literários | Monólogo de Oneyda Alvarenga


Oneyda Alvarenga (1911-1984) é personagem conhecida aqui no blog, tema de exposições realizadas sobre sua trajetória, tema de livros escritos sobre ela (ver algumas postagens aquiaqui e aqui) e ainda pelo fato de ser uma personagem ligada a dois mundos que se relacionam no meu universo: Varginha, cidade natal da personagem (e para onde me mudei há alguns bons anos), e São Paulo (minha cidade natal), para onde a personagem se mudou aos 19 anos para estudar piano com nada menos que Mário de Andrade. 
Sempre digo que Oneyda e eu fizemos o caminho inverso: daqui ela foi para lá; eu vim de lá para cá. Em São Paulo, Oneyda se tornaria a primeira diretora da Discoteca Pública Municipal da cidade, indicada pelo conhecido professor, amigo e mentor intelectual. Hoje, a Discoteca está localizada no Centro Cultural São Paulo e leva o nome da ‘mineirinha’, como a chamou Manuel Bandeira.


A propósito de criar um monólogo para encenação durante o Festival de Arte e Cultura do CEFET - Varginha, realizado em julho de 2018, admirador e profundo conhecedor da obra e da vida da musicóloga, folclorista, musicista e poeta, o historiador, escritor e atual presidente da Academia Varginhense de Letras, Artes e Ciências, José Roberto Sales, levou apenas uma noite para escrever um monólogo, no qual uma janela se abre no tempo e Oneyda Alvarenga viaja do passado ao presente para nos falar um pouco de seu trabalho, de sua vida, da cidade natal e de Mário de Andrade. 

Não contente com a rapidez com que escreveu o monólogo inicial, para dez minutos de encenação pela jovem atriz e aluna do Cefet-Varginha, Giovanna Serra Bibiano (na foto acima, na capa do livro), o autor resolveu ampliá-lo, justificando sua verve ao dizer que, se fosse encenado por atriz profissional em um grande teatro, um monólogo jamais teria menos de 45-60 minutos de duração. 

O resultado é o belo trabalho Uma Janela do Tempo, por meio do qual pode-se ouvir da própria figura retratada quais seriam, hoje, suas reflexões, lembranças e  pensamentos sobre sua vida, sua cidade e seu legado. A personagem e sua voz, a música suave, a janela no tempo e uma mala constituem o cenário e o pano de fundo do monólogo. Oneyda chega, se apresenta, relembra e se despede. A mala fica, como legado que “permanece conosco como uma inestimável contribuição à cultura brasileira”. 

Esta é outra obra que, merecidamente, celebra o nome Oneyda Alvarenga. É também outro admirável trabalho do psicanalista, historiador e incansável escritor José Roberto Sales, para quem a escrita é uma necessidade vital. Contudo, tenho uma ressalva. Durante minha leitura, senti que o texto acabou muito rápido, considerando-se o volume do livro. Logo descobri que o autor faz menção, ainda que breve, a outra peça teatral de sua autoria, encenada anos atrás e intitulada “Primavera Mortal”. Pela leitura, percebe-se que é uma peça bem interessante, mas não sei se cabia aqui no livro intitulado “Uma janela no tempo. Monólogo de Oneyda Alvarenga”. 
A meu ver, duas opções poderiam existir: 1) o mesmo conteúdo abarcando os dois textos, mas com outro título que destacasse o veio literário do escritor como autor de peças teatrais; 2) a edição de duas obras distintas. De qualquer forma, nada há que desmereça os dois textos. Apenas ficou um gostinho de quero mais... 

Uma Janela do Tempo. Monólogo de Oneyda Alvarenga
José Roberto Sales
Edição do autor: Varginha, 2018


José Roberto Sales. Imagem: Fundação Cultural de Varginha