O Pequeno Príncipe é um daqueles livros que a gente lê uma vez, volta a ler, revisita de quando
em quando e guarda, na ponta da língua, algumas de suas frases memoráveis. É daqueles
livros que lemos em várias línguas: em português, em inglês, em italiano, em espanhol e em
francês; daqueles livros que são guardados no coração e na nossa biblioteca particular; daqueles livros que fazemos questão de emprestar para filhos,
sobrinhos, amigos, alunos, colegas, tradutores, professores e interessados. É, literalmente, um clássico. Antoine de Saint-Exupéry acertou na mosca.
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Foto: Guilherme S. Ribeiro |
Com certeza, um dos mais traduzidos do mundo e já publicado em mais de 200 línguas, há pouco mais de dois anos, o famoso título foi traduzido do francês para o nheengatu,
língua derivada do tupi e até hoje ensinada na Amazônia, nas
comunidades às margens do rio Negro. Confesso que ainda não tenho O Pequeno Príncipe em tupi, mas já está na lista. A
tradução foi tema da dissertação de mestrado de Rodrigo Godinho Trevisan, aluno
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo - USP. Assim, além
de dar nova vida à língua nheengatu
que, segundo Trevisan “já foi mais falada que o próprio português no norte do Brasil
até o final do século 19”(1), a tradução permitiu, às crianças indígenas, acesso a uma joia da literatura internacional infanto-juvenil. Durante
a dissertação, Trevisan visitou e conviveu com a cultura indígena e as comunidades ribeirinhas, atento ao idioma ainda vivo em cerca de seis mil
índios e caboclos no Amazonas. Em algumas comunidades, o nheengatu
é ensinado como língua materna, antes do português. Nos núcleos urbanos, em
algumas poucas escolas, como língua estrangeira, depois
do português.
Para não ficar preso ao original,
o autor pesquisou recursos linguísticos e
estilísticos de ambas as culturas e, muitas vezes, optou por adaptações,
neologismos e resgate de termos já esquecidos. Algumas de suas dificuldades e escolhas foram:
- Título - o título apareceu como
primeiro desafio; o termo prince,
em francês, foi adaptado para um antigo “chefinho” em nheengatu (muruxawamirĩ).
- Era uma vez -
o famoso início dos contos de fada (il était
une fois) virou conta-se que (paa), bem comum nas lendas dos povos originários;
-
Animais - o tigre foi substituído pela onça-pintada (yawareté-pinima); a raposa, por cachorro-do-mato (yawara-kaapura);
-
Alimentos - o trigo (blé)
foi substituído por milho (awatí) e a couve (chou),
por caruru (karurú);
- Asteroide do principezinho - o “asteroide” foi traduzido como estrela (yasitatá).
Com relação ao famoso baobá do original, o tradutor explica que não foi possível adaptá-lo visualmente a uma árvore da Amazônia e, nesse caso, ele optou por conservar o nome baobá,
já que o livro manteve a ilustração.
Que
fantástica oportunidade e que belo trabalho! Que alegria deve ter sido fazer
essa tradução, difundir essa língua, pouco conhecida entre tantos de nós, e levar alegria, conhecimento
e novidades àquela linda cultura. Que a história continue na História, que novas
edições desse belo livro possam surgir e que novos livros sejam traduzidos para o chamado tupi moderno!
Notas:
Referências: