terça-feira, 10 de setembro de 2019

Ecos Literários | Valorizar a cultura local


Remexendo nos meus escritos, guardados e notas, achei uma observação que fiz sobre dois artigos, lidos há uns cinco anos, da jornalista e editora literária Luciana Villas-Boas (aqui e aqui). Falava das barreiras à expansão da nossa literatura, ao mesmo tempo em que questionava alguns autores no sonho de verem seu trabalho traduzido lá fora, em vez de buscar maior divulgação, valorização e leitura de suas obras pela sociedade brasileira. Uma sociedade que hoje, de forma geral, cultiva textos mais curtos, como nos chamados microblogs, a televisão, os enlatados e autores estrangeiros em detrimento da literatura nacional. 

Destacava a jornalista que, ao visitar livrarias fora do Brasil, procurava livros de autores nossos e percebia que nenhum brasileiro era citado, à exceção de Paulo Coelho, se e quando isso acontecia. Mencionavam, porém, outros escritores, como os chilenos, o que mostrava total desconhecimento da nossa literatura.    

Em uma breve análise do viés literário brasileiro, durante a segunda metade do século 20, a jornalista mostrou a trajetória dos nossos autores e a mudança nos hábitos de leitura. Segundo Villas-Boas, nos anos 60, nossa sociedade era mais politizada e literária que a de hoje, não necessariamente intelectualizada. Os pais liam mais e incentivavam os filhos a lerem. Bem ou mal, não eram estranhos os nomes de Érico Veríssimo, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Guimarães Rosa e José Mauro, por exemplo.   
Sim, eu me lembro desse tempo... A leitura era compartilhada e incentivada pelos pais. Lembro-me daqueles livros que, para mim, eram objeto de desejo, mas que “não eram livros para crianças”, conforme palavras de minha mãe. De qualquer forma, porém, além dos famosos contos de fada (Perrault, Irmãos Grimm e Hans Christian Andersen) e das fábulas (La Fontaine e Esopo) que povoaram minha infância e adolescência, eu lia Monteiro Lobato, Olavo Bilac, José Mauro, Jorge Amado, ou seja, sobretudo autores brasileiros.

Voltando à análise de Villas-Boas. Ela lembrou que, na década de 1970, alguns poucos escritores como Jorge Amado, João Ubaldo e Loyola Brandão conseguiram ter seus livros traduzidos no exterior, e que a década de 1980 viu a consagração de novos autores, mesmo que em uma sociedade que já não lia tanto quanto antes. São dessa fase Ana Miranda, Marcelo Rubens Paiva e Caio Fernando Abreu, por exemplo. A exceção à regra surgiu no final dos anos 80 na figura de Paulo Coelho que, com seu "O Diário de um Mago" (1987), batia recordes de venda aqui e no exterior. Para ela, os anos 90 provaram que o Brasil, definitivamente, não era um país de leitores e, com a nossa literatura em baixa, a TV arrebatou corações e mentes ou, “com a ajuda da inflação, o imaginário brasileiro foi sequestrado pela televisão”.

Crítica, a jornalista ainda destacou que para os editores, e para uma sociedade não tão exigente como a dos anos 50 e 60, era mais fácil lançar autores estrangeiros e, lembrando que, com a distribuição de renda, novos leitores foram surgindo e, com eles, fãs de autores como Dan Brown, J.K. Rowling, Suzanne Collins etc., ou seja, milhões de livros vendidos. Ponto para a leitura, sem dúvida, e para o escritor estrangeiro, não para o brasileiro.  

Chegando ao século 21, ela mostrou, além de traduções de grandes autores brasileiros como Clarice Lispector e Machado de Assis, outros nomes furando o bloqueio internacional: Luiz Fernando Veríssimo, Jô Soares, Chico Buarque, Paulo Coelho, Letícia Wierzchowski (A casa das sete mulheres), Luiz Eduardo Soares (Elite da Tropa/Tropa de Elite). Todos estes, no entanto, com trabalhos vinculados à televisão, o que é ótimo, segundo Villas-Boas, uma vez que a TV e as minisséries destacam nossos autores e nossa literatura, mas esta não pode ficar à mercê de outro meio de comunicação que não ela mesma.

Por fim, ela destacou a necessidade imperiosa de valorizar a literatura brasileira, bem como a qualidade de nossos autores, como prioridade absoluta. Em outras palavras, em primeiro lugar, é preciso valorizar aqui nossa literatura para que, só depois, ela chegue lá fora. É essencial motivar a sociedade a ler, reconhecer e aplaudir nossos muitos talentos literários, nem sempre lidos ou sequer descobertos e publicados. Afirmou que é preciso reconquistar o espaço perdido e valorizar o que é nosso, a diversidade, a criatividade, a solidariedade de nosso povo e do nosso país, sem deixar que interesses mesquinhos e colonizados se imponham. Destacou como louváveis as iniciativas da Fundação Biblioteca Nacional de, a partir de 2011, valorizar nossos autores e lançar programas de apoio à tradução de obras brasileiras, mas finalizou afirmando que tradução é importante, sim, mas vem depois: a leitura vem antes, sempre.

Artigos atualíssimos, não? Sobretudo em tempos surreais. Acredito, porém, que uma coisa não invalida a outra, embora afirmar e valorizar aqui a nossa literatura (e não só ela) é algo que já deveria ter sido feito há muito tempo, desde sempre, para dizer a verdade. Valorizar o que é nosso, sempre. Ou seja, entender que reconhecer, apreciar, incentivar e cuidar da cultura local reforçam a noção de identidade, referência e pertencimento de um povo.  

Referências:

9 comentários:

  1. É. Quem teve pais que leram ,cujos pais também o fizeram,por certo tornaram-se leitores. A Bienal até surpreendeu pelo número de vendas. Só não sei se foram autores nacionais. PARABÉNS pela dica. Professores e pais precisam pensar mais nisto.Bjs
    Ione

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. E você, como leitora voraz, sabe do que estou falando, né? beijos e obrigada por estar sempre aqui
      Anita

      Excluir
  2. Estive num sarau sábado último: Contacao. Poetas, contadores de histórias música, cinema. Em tempos negros , a cultura se torna ato vital de subversão. O pensar, refletir causa temor no.opressor!

    Bj, Raquel.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Com certeza, o pensamento crítico apavora porque liberta o indivíduo. Obrigada por comentar, Raquel. Continue... abs
      Anita

      Excluir
  3. Anita, obrigada por mais este trabalho. É sempre importante refletir e discutir essa questão, ainda mais nos dias atuais com o avanço das redes sociais, do ensino que se enfraquece a cada dia mais, do ocorrida na Bienal do Livro no Rio de Janeiro e do cenário político brasileiro de um modo geral.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, sem dúvida.Povo desenvolvido é povo que lê e desenvolve o pensamento crítico! um beijo
      Anita

      Excluir
  4. Eu não tive pais que leram mas, me incentivaram a ler e a estudar. Eu tive também bons professores que incentivaram a leitura.É isso que falta hoje em dia.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Sueli! Não são os professores, ou ao menos, não são só alguns deles. É todo um sistema de ensino que não se pauta pelo universo do aluno. É preciso fazer sentido para quem ensina e para quem aprende. Temos muito que caminhar, beijos e obrigada por estar sempre aqui.
      Anita

      Excluir
  5. Bravissimo, cara Anita! :D
    Totalmente de acordo que "reconhecer, apreciar, incentivar e cuidar da cultura local reforçam a noção de identidade, referência e pertencimento de um povo."

    Mesmo não estando aí, eu lamento muito que nossa cultura brasileira esteja sendo aos poucos substituída por "globalismos" e tendências externas. Mais e mais vejo menos e menos das minhas origens quando vou aí. :( A reverência e adoração pelo que é externo, importando, e principalmente enlatado, está muito grande, e não sei como isso pode ser revertido uma vez que a massa da população está sendo mais e mais dominada pela mídia e conceitos impostos.

    Como autora e educadora, lamento ainda mais por esse quadro, pois me desmotiva até a fazer minha contribuição. Adentrar a indústria literária brasileira é tarefa árdua. As barreiras são grandes. O problema todo - além da parca educação de um povo e da forte influência da mídia, modelando cérebros - é ainda reforçado pela indústria editorial, muito fechada a novos autores, e extremamente cara! Publicar um livro no Brasil por meios tradicionais, não é financeiramente fácil. Daí, os livros são caros para a média de poder aquisitivo da sociedade. Ao leitor muitas vezes falta não só o incentivo literário, mas falta também o preparo financeiro para ler um ou dois livros por mês. Claro que muitos tem o preparo financeiro para o novo modelo de smartphone, ou uma "smart TV", mas não para um livro.

    E os livros grátis? São lidos? Não muito e nem sempre - pelo menos dentro do que tenho notado. Por quê? Porque voltamos ao fator cultural/educacional. Pessoas não treinadas à leitura (principalmente local), mas treinadas a seguir modismos e estrangeirismos.

    O buraco é mais embaixo, sabemos disso. Mas de toda forma, você fez ótimas observações aqui, este artigo falou comigo bem de perto!

    Grande Abraço!

    ResponderExcluir