Remexendo nos meus escritos, guardados e notas, achei uma observação que fiz sobre dois artigos, lidos há uns cinco anos, da
jornalista e editora literária Luciana Villas-Boas (aqui e aqui). Falava das barreiras à expansão da nossa
literatura, ao mesmo tempo em que questionava alguns
autores no sonho de verem seu trabalho traduzido lá fora, em vez de buscar maior divulgação, valorização
e leitura de suas obras pela sociedade brasileira. Uma sociedade que hoje, de forma
geral, cultiva textos mais curtos, como nos chamados microblogs, a
televisão, os enlatados e autores estrangeiros em detrimento da literatura nacional.
Destacava a jornalista que, ao visitar livrarias fora
do Brasil, procurava livros de autores nossos e percebia que nenhum
brasileiro era citado, à exceção de Paulo Coelho, se e quando isso acontecia. Mencionavam, porém, outros escritores, como os chilenos, o
que mostrava total desconhecimento da nossa literatura.
Em uma breve análise do viés literário brasileiro, durante a segunda
metade do século 20, a jornalista mostrou a trajetória dos nossos autores e
a mudança nos hábitos de leitura. Segundo Villas-Boas, nos anos 60, nossa sociedade
era mais politizada e literária que a de hoje, não
necessariamente intelectualizada. Os pais liam mais e incentivavam os filhos a lerem. Bem ou mal, não eram estranhos os nomes de Érico Veríssimo, Rachel de
Queiroz, Jorge Amado, Guimarães Rosa e José Mauro, por exemplo.
Voltando à análise de Villas-Boas. Ela lembrou que,
na década de 1970, alguns poucos escritores como Jorge Amado, João Ubaldo
e Loyola Brandão conseguiram ter seus livros traduzidos no exterior, e que a década de 1980 viu a consagração de novos autores, mesmo que em uma
sociedade que já não lia tanto quanto antes. São dessa fase Ana Miranda, Marcelo
Rubens Paiva e Caio Fernando Abreu, por exemplo. A exceção à regra surgiu no final dos anos 80 na
figura de Paulo Coelho que, com seu "O Diário de um Mago" (1987), batia
recordes de venda aqui e no exterior. Para ela, os anos 90 provaram que o
Brasil, definitivamente, não era um país de leitores e, com a nossa literatura em baixa, a TV arrebatou corações e mentes ou, “com a ajuda da inflação, o imaginário brasileiro foi
sequestrado pela televisão”.
Crítica, a jornalista ainda destacou que para os editores, e para
uma sociedade não tão exigente como a dos anos 50 e 60, era mais fácil lançar
autores estrangeiros e, lembrando que, com a distribuição de renda, novos leitores
foram surgindo e, com eles, fãs de autores como Dan Brown, J.K. Rowling,
Suzanne Collins etc., ou seja, milhões de livros vendidos. Ponto
para a leitura, sem dúvida, e para o escritor estrangeiro, não para o brasileiro.
Chegando ao século 21, ela mostrou, além de traduções de grandes autores brasileiros
como Clarice Lispector e Machado de Assis, outros nomes furando o bloqueio internacional: Luiz Fernando Veríssimo, Jô Soares, Chico Buarque,
Paulo Coelho, Letícia Wierzchowski (A casa das sete mulheres), Luiz Eduardo
Soares (Elite da Tropa/Tropa de Elite). Todos estes, no entanto, com trabalhos
vinculados à televisão, o que é ótimo, segundo Villas-Boas, uma vez que a TV e as
minisséries destacam nossos autores e nossa literatura, mas esta não pode
ficar à mercê de outro meio de comunicação que não ela mesma.
Por fim, ela destacou a necessidade imperiosa de valorizar a literatura brasileira, bem como a qualidade
de nossos autores, como prioridade absoluta. Em outras palavras, em
primeiro lugar, é preciso valorizar aqui nossa literatura para que, só depois, ela
chegue lá fora. É essencial motivar a sociedade a
ler, reconhecer e aplaudir nossos muitos talentos literários, nem sempre
lidos ou sequer descobertos e publicados. Afirmou que é preciso reconquistar o
espaço perdido e valorizar o que é nosso, a diversidade, a criatividade, a
solidariedade de nosso povo e do nosso país, sem deixar que interesses
mesquinhos e colonizados se imponham. Destacou como louváveis as
iniciativas da Fundação Biblioteca Nacional de, a partir de 2011, valorizar
nossos autores e lançar programas de apoio à tradução de obras brasileiras, mas
finalizou afirmando que tradução é importante, sim, mas vem depois: a leitura vem antes, sempre.
Artigos atualíssimos, não? Sobretudo em tempos surreais. Acredito, porém, que uma coisa não
invalida a outra, embora afirmar e valorizar aqui a nossa literatura (e
não só ela) é algo que já deveria ter sido feito há muito tempo, desde
sempre, para dizer a verdade. Valorizar o que é nosso, sempre. Ou seja, entender que reconhecer, apreciar, incentivar e cuidar da cultura local reforçam a noção de
identidade, referência e pertencimento de um povo.
Referências:
Referências:
É. Quem teve pais que leram ,cujos pais também o fizeram,por certo tornaram-se leitores. A Bienal até surpreendeu pelo número de vendas. Só não sei se foram autores nacionais. PARABÉNS pela dica. Professores e pais precisam pensar mais nisto.Bjs
ResponderExcluirIone
E você, como leitora voraz, sabe do que estou falando, né? beijos e obrigada por estar sempre aqui
ExcluirAnita
Estive num sarau sábado último: Contacao. Poetas, contadores de histórias música, cinema. Em tempos negros , a cultura se torna ato vital de subversão. O pensar, refletir causa temor no.opressor!
ResponderExcluirBj, Raquel.
Com certeza, o pensamento crítico apavora porque liberta o indivíduo. Obrigada por comentar, Raquel. Continue... abs
ExcluirAnita
Anita, obrigada por mais este trabalho. É sempre importante refletir e discutir essa questão, ainda mais nos dias atuais com o avanço das redes sociais, do ensino que se enfraquece a cada dia mais, do ocorrida na Bienal do Livro no Rio de Janeiro e do cenário político brasileiro de um modo geral.
ResponderExcluirSim, sem dúvida.Povo desenvolvido é povo que lê e desenvolve o pensamento crítico! um beijo
ExcluirAnita
Eu não tive pais que leram mas, me incentivaram a ler e a estudar. Eu tive também bons professores que incentivaram a leitura.É isso que falta hoje em dia.
ResponderExcluirOlá, Sueli! Não são os professores, ou ao menos, não são só alguns deles. É todo um sistema de ensino que não se pauta pelo universo do aluno. É preciso fazer sentido para quem ensina e para quem aprende. Temos muito que caminhar, beijos e obrigada por estar sempre aqui.
ExcluirAnita
Bravissimo, cara Anita! :D
ResponderExcluirTotalmente de acordo que "reconhecer, apreciar, incentivar e cuidar da cultura local reforçam a noção de identidade, referência e pertencimento de um povo."
Mesmo não estando aí, eu lamento muito que nossa cultura brasileira esteja sendo aos poucos substituída por "globalismos" e tendências externas. Mais e mais vejo menos e menos das minhas origens quando vou aí. :( A reverência e adoração pelo que é externo, importando, e principalmente enlatado, está muito grande, e não sei como isso pode ser revertido uma vez que a massa da população está sendo mais e mais dominada pela mídia e conceitos impostos.
Como autora e educadora, lamento ainda mais por esse quadro, pois me desmotiva até a fazer minha contribuição. Adentrar a indústria literária brasileira é tarefa árdua. As barreiras são grandes. O problema todo - além da parca educação de um povo e da forte influência da mídia, modelando cérebros - é ainda reforçado pela indústria editorial, muito fechada a novos autores, e extremamente cara! Publicar um livro no Brasil por meios tradicionais, não é financeiramente fácil. Daí, os livros são caros para a média de poder aquisitivo da sociedade. Ao leitor muitas vezes falta não só o incentivo literário, mas falta também o preparo financeiro para ler um ou dois livros por mês. Claro que muitos tem o preparo financeiro para o novo modelo de smartphone, ou uma "smart TV", mas não para um livro.
E os livros grátis? São lidos? Não muito e nem sempre - pelo menos dentro do que tenho notado. Por quê? Porque voltamos ao fator cultural/educacional. Pessoas não treinadas à leitura (principalmente local), mas treinadas a seguir modismos e estrangeirismos.
O buraco é mais embaixo, sabemos disso. Mas de toda forma, você fez ótimas observações aqui, este artigo falou comigo bem de perto!
Grande Abraço!