quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Ecos Literários | Sobre a Esperança: Diálogo

Mário Sérgio Cortella (Londrina, 1954) e Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto (BH-1944) são dois dos meus autores de cabeceira. Gosto de seus livros, assisto às suas palestras quando posso, leio artigos seus em publicações impressas ou virtuais. No livro Sobre a Esperança: Diálogo, resolveram se unir para falar sobre aquela única virtude que não saiu da caixa de Pandora: a Esperança.
O livro flui bem no estilo pergunta e resposta. Um deles pergunta e o outro responde, em tom informal, agradável, como se estivessem sentados, conversando frente à frente, diante de um cafezinho. Há réplicas e tréplicas, comentários mais ou menos longos, e tudo isso leva o leitor a refletir.

Ao longo da conversa, citam e discutem ideias de Sócrates, Descartes, Baudelaire, Rimbaud, Einstein, Freud, Heidegger, Dante, Francisco de Assis, Madre Teresa, Gandhi, Jesus, Albert Schweitzer, São Thomas de Aquino, Che Guevara, Marx, Teresa de Ávila e Milton Santos, entre outros, como se falassem com eles e deles, todos os dias. Comentam que o lema dos mosqueteiros - "Um por todos e todos por um" - deveria ser o lema da comunidade. Falam da diferença entre o fundamental (acessório) e o essencial (prioritário); entre ressocializar e reumanizar no contexto carcerário; entre repartir e dividir, cuja definição é abalizada pela ética mais que pelos dicionários, já que dividir pressupõe perda e repartir pressupõe multiplicação: quando você reparte, todos têm e quando você divide, cada um terá só um pedaço. 

Mencionam a Bíblia, o Evangelho, a Torá e o Alcorão, como depositários de princípios pelos quais devemos nos pautar. Repetem Schweitzer quando este disse que “a tragédia não é quando um homem morre; a tragédia é aquilo que morre dentro de um homem enquanto ele ainda está vivo”, e lembram um poema do bispo Dom Pedro Casaldáliga (1928) "De longe, toda montanha é azul. De perto, toda pessoa é humana." Falam da necessidade de resgatar a noção do tempo como história, de estética, de conhecimento, de meditação e de contemplação; de diálogo, política, consciência, cidadania, solidariedade, cooperação, espiritualidade, congraçamento, paz, partilha, gratidão, educação para o silêncio e para o afeto. Falam de liberdade e, é claro, de esperança. 

A primeira leitura é rápida, embora bastante profunda. É de invejar o conhecimento e o desenrolar do raciocínio desses dois mestres do pensamento filosófico crítico. Vale a leitura e a reflexão. Não uma vez só, mas duas, dez, mil vezes, até introjetarmos as verdades mais simples trazidas para nós há 2000 anos. 
Que no novo ano, nos próximos e sempre saibamos aprender mais rápido e aplicar melhor o tempo todo essas verdades. Feliz 2020!  


Sobre a Esperança: Diálogo
Frei Betto/ Mario Sergio Cortella
Campinas, SP: Papirus 7 Mares, 2012.

domingo, 15 de dezembro de 2019

Ecos Desumanos | Vandalismo no futebol e na vida

Vandalismo: Ato de destruição gratuita e injustificável de bens privados ou públicos como prédios, monumentos, praças, meios de transporte etc. Ex: Nenhum monumento é poupado pelo vandalismo dos grupos de vândalos. 

Vândalo: 1.Que diz respeito aos vândalos, povos bárbaros que deram o nome à Andaluzia e se estabeleceram ao norte da África.  2. Fig. Bárbaro, selvagem, que não tem cultura.  3. Que destrói o que não lhe pertence: Foi um ataque vândalo à biblioteca da escola. 
[F.: Do lat. vandalus.]

Como se as barbaridades que acontecem no mundo fossem poucas, no  domingo, dia 08 de dezembro, vi cenas na TV que me deixaram ainda mais desanimada e descrente da humanidade. Era o final de uma partida de futebol, no Mineirão, em Belo Horizonte, e um dos dois clubes poderia ser rebaixado. Ocorre que, pela matemática do futebol, seu rebaixamento também dependia de outro resultado. Ou seja, no momento, quase no final da partida, o Cruzeiro, centenário time mineiro, estava rebaixado. Coisas da vida, uns vão, outros vêm. Uns ganham, outros perdem. Normal, se todos fossem normais.
No entanto, o juiz interrompeu o jogo cinco minutos antes do final, em função da violência e das cenas mostradas: correria, bombas, destruição de cadeiras e alambrados, vandalismo e outras atitudes consideradas “normais”(?) hoje em dia. A Polícia Militar entrou em ação. Do lado de fora, policiais a cavalo, jatos d’água, confusão total. Do lado de dentro, homens, mulheres, crianças atingidos por estilhaços de bombas ou balas de borracha, fumaça e objetos voadores. Torcedores que queriam apenas se divertir e torcer pelo seu clube foram afrontados por vândalos, pessoas desequilibradas, doentes. Horror e impunidade são dois termos que me vêm à mente.  
Os próprios locutores estavam chocados, como o ex-jogador do Corinthians, Casa Grande. Ele não se conteve e dizia que presenciavam cenas “aterrorizantes e que aquilo, infelizmente, era um retrato do Brasil atual que vive no dia a dia atitudes de falta de respeito, intolerância e violência!" Narrando as cenas mostradas, o ex-jogador repetia que, no fundo, ‘não somos o tal povo cordial’, conforme conceito desenvolvido pelo historiador Sergio Buarque de Holanda, e repetia que ‘não se pode concordar com isso’, parafraseando a letra de uma música de Milton Nascimento e Fernando Brant: “não posso aceitar sossegado qualquer sacanagem ser coisa normal”.

Fiquei chocada, pasma e uma vez mais confirmei minha tese sobre o nosso país. Serão necessários seis séculos para que a educação possa gerar frutos de qualidade e uma nova mentalidade surja. Uma mentalidade que respeite as diferenças, valorize a educação, a cultura, o respeito e a convivência. Que tristeza, que vergonha, que cenas medonhas de um momento medonho em que vivemos.

Mafalda (Quino) que o diga! Artistas veem as coisas com outros olhos, outra sensibilidade e precisam produzir, como precisam respirar, para mostrar, chacoalhar, fazer pensar, arrancar-nos da mesmice e da inércia. Um viva aos artistas e, por isso, mais do que nunca, vale dizer: Não se pode aceitar o cerceamento da Cultura e da Arte, nunca! A música citada por Casa Grande (Bola de Meia, Bola de Gude) fala de atitudes de convivência, respeito e tolerância, tão em falta nos dias que correm: 

“...E me fala de coisas bonitas que eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor
Pois não posso, não devo, não quero viver como toda essa gente insiste em viver
E não posso aceitar sossegado qualquer sacanagem ser coisa normal”...

Isso vale para o ano todo e para a vida toda, mas em especial agora, no tempo em que se celebra o nascimento do mestre do amor. Mais do que meras palavras vazias, repetidas mecanicamente, que esses termos se tornem realidade prática, efetiva e real na vida de cada um. Isso sim, seria celebrar o Natal! Afinal, como li outro dia, o Natal não está debaixo da árvore, nem em ritos assistidos mecanicamente, nem nos presentes. O Natal está em nossos corações e não só no dia 25 de dezembro,mas todos os dias. Feliz Natal!

domingo, 8 de dezembro de 2019

Ecos Imateriais | Satsangs

Satsangs (satsangas) são alegres encontros devocionais. A alegria é uma constante em qualquer desses encontros. Explicando melhor, o termo SAT, em sânscrito, é a realidade imutável presente e eterna, o Real. SANG é uma comunidade de devotos caminhando juntos com o mesmo propósito. Isso é yoga, é união com o divino em nós. Todos os anos, o Espaço DHARMA de Yoga, há quase 30 anos em Varginha, sul de Minas, realiza dois satsangs, um no meio do semestre e um no fim. Em julho, ao ar livre, parques, praças, espaços abertos, apreciando e agradecendo a Vida, natureza, o ar, a brisa, a energia do sol. No final do ano, com mais pessoas, o encontro ocorre no nosso espaço principal. 

 Iniciamos com um pensamento de gratidão a todos os que nos antecederam, aos grandes mestres e sábios por seus ensinamentos, aos amigos que caminham conosco há anos, ensinando-nos a seguir adiante e a jamais desistir, trocando experiências, conhecimentos e afeto. No encontro, partilhamos cantos, mantras, experiências, afeto, alegria, chá, frutas e flores, tudo envolvido e potencializado pelos nossos mais altos sentimentos. É um encontro festivo, com aquela alegria profunda que vem da alma, que recarrega nossas baterias, reafirma a intenção de trilhar um caminho na mesma direção e joga, no nosso mundo tão carente, um pouco mais de luz e boas vibrações, encerrando o ano com chave de ouro.  

  Praticar yoga é bem mais do que executar asanas, pranayamas e mudras à perfeição. Isso é o yoga externo, Bahiranga Yoga, fácil até certo ponto. Requer treino, prática e persistência. É o começo, sem dúvida, mas difícil mesmo, e essencial, é o yoga interno, Antaranga Yoga, composto pelas três últimas etapas do Ashtanga Yoga de Patanjali, numa viagem para dentro de si mesmo, para a formação do caráter, queimando impurezas em um processo de autoconhecimento e transformação.

O resultado dessa prática consciente surge, naturalmente, em todas as nossas ações cotidianas. Quando percebemos, já estamos agindo na verdade, sem violência, com disciplina, moderação, desapego, alegria e entrega. Nesse estágio, parece que não sou mais "eu" que ajo, é a Vida que age em mim e eu me transformo. Passamos a ser profissionais da Vida, como dizia o querido amigo Durval, e quando mudamos, tudo muda. Quando o ser se modifica e se aperfeiçoa, o universo se transforma, porque somos todos indutores de transformação.  Namastê!

domingo, 1 de dezembro de 2019

Ecos Urbanos | Pisos das cidades


Calçadas, SP. Foto: Anita Di Marco
Um ato tão elementar como caminhar, infelizmente, parece ter virado atividade de risco nas nossas cidades e por vários motivos: velocidade excessiva de veículos, em geral; motoristas e motociclistas que desrespeitam as faixas de pedestres e a sinalização viária; pedestres atravessando fora das faixas; veículos estacionados em locais impróprios; qualidade duvidosa dos pisos e por aí vai. 
Bom, isso só para falar de ruas e avenidas. Nos espaços públicos, praças e calçadas ainda é possível caminhar com certa tranquilidade, certo? Errado. No mais das vezes, as calçadas por exemplo, quando existem, estão arrebentadas, sem calçamento e sem manutenção, com saliências, degraus e inclinações absurdas, com lixeiras, postes de sinalização, placas e outros objetos estranhos (copos, garrafas, tampinhas, papéis, vidro, sacos e copos plásticos etc). Parece brincadeira, mas não é. É só dar uma volta a pé pelas cidades e contar os obstáculos, dificultando a acessibilidade e a mobilidade do cidadão.

Calçadas, Sevilha. Foto: Anita Di Marco
Em geral, as pessoas, inclusive autoridades públicas e profissionais de arquitetura e urbanismo, voltam de viagens ao exterior encantadas com as soluções urbanas observadas lá fora. Então, por que adiar o que já deveria estar pronto, há tempos? Até quando comprarão livros e mais livros de urbanismo sustentável e para pessoas, mas continuarão a negar, ao cidadão comum, o direito de ir e vir em segurança, em ambientes agradáveis, amplos e seguros? 
Quer um exemplo simples? Calçadas, de novo. Um piso padronizado garante aquela sensação de continuidade e amplidão que todos apreciam. Em lugares assim, percebe-se algo que acalma e acaricia a alma: o cidadão se sente acolhido, respeitado e convidado a caminhar. A razão é dada pelo  piso, mas também pelo mobiliário urbano, iluminação e cuidado das autoridades com o espaço público. Afinal, padronização das calçadas e readequação da sinalização e do mobiliário urbano são estratégias fáceis de colocar em prática e essenciais para essa sensação.

Hoje, com o adensamento urbano e a intensa ocupação do solo, soluções sustentáveis estão cada vez mais em alta para garantir uma maior qualidade de vida. E tudo é uma questão de projeto, mas... como anda o projeto de nossos espaços públicos? Em termos de pisos,  por exemplo, há os antiderrapantes, porosos e de concreto permeável, portanto, feitos para corrigir, de certa forma, a  impermeabilização do solo urbano, diminuindo o rápido acúmulo de água na superfície do piso. São soluções com impacto ambiental positivo: não vão reter água de chuva e funcionam como parte inicial do sistema de drenagem de águas. E, mais, são regulares, facilitam o caminhar das pessoas e trazem a tal sensação de amplidão.

Aveiro, Portugal. Foto: Anita Di Marco
Mais do que cumprir a lei, cuidar de suas cidades, construir e manter calçadas seguras e confortáveis é dever de todos. É um exercício de cidadania e uma demonstração de civilidade. Muitas prefeituras
já dispõem de uma lei que, na teoria, exige do proprietário do lote o dever de cuidar de sua calçada. Pois bem, poderiam começar a exigir tal tipo de piso, não só
por seu caráter sustentável, mas também pela sensação de uniformidade que traria aos espaços públicos. As cidades ficariam mais agradáveis para os olhos e para os pés. Que tal?

Referências
https://anitadimarco.blogspot.com/2016/05/reflexao-urbanistica-cidade-minha-cidade.html