terça-feira, 10 de novembro de 2020

Ecos Imateriais | Yoga & Política

Yoga é uma filosofia e um caminho de vida, uma forma de ser e estar no mundo, de forma ativa, interessada e coerente. Pressupõe, antes de qualquer coisa, seguir os preceitos éticos (yamas-niyamas) de não violência, verdade, honestidade, desapego, contentamento, autoconhecimento, persistência, entrega, entre outros. E mais, é sempre bom lembrar que se yoga é um caminho, os conceitos éticos são o mapa do caminho. 

Por outro lado, Política (com P maiúsculo), segundo o Aulete é a "arte e ciência da organização e administração de um Estado, uma sociedade, uma instituição" e, lembrando Aristóteles, somos seres políticos, no sentido de exercer nossa cidadania na pólis, na comunidade. Assim, não só podemos como devemos agir no lugar onde moramos com nossos exemplos e trabalho para transformar os ambientes físicos, mentais e emocionais. Agir a partir do que aprendemos, ou seja, aplicar a teoria.  

Mais do que levantar bandeiras, nosso agir escancara o que defendemos. Então, como aceitar tanto preconceito e desrespeito, tanta discriminação, injustiça, violência, fome e falsidade ao nosso redor?  Se a nossa prática religiosa ou de yoga (asanas, pranayamas, bandhas, tratakas e meditações) não nos torna melhores indivíduos, se não nos faz agir com ética buscando justiça social, direitos e melhor qualidade de vida para todos, se não nos ensina a olhar e acolher o outro, estamos negando e reduzindo drasticamente o yoga, como ciência e filosofia. Melhor, então, nem chamar de yoga, porque yoga é uma filosofia que quer aprimorar, equilibrar, incluir e acolher cada indivíduo como parte do todo.

O próprio Bhagavad Gita ensina o yoga ao narrar uma guerra. Sim, pode ser uma alegoria, é verdade, uma guerra contra as próprias imperfeições. No Gita, aconselhado por Krishna, o Príncipe Arjuna, no início relutante, acaba entendendo que deve lutar para restaurar o equilíbrio do seu povo, em busca de um mundo mais justo. Ou seja, a paz é resultado de uma busca ativa que não se encolhe, mas enfrenta e supera o conflito, através da ação. Com certeza, a paz a ser atingida não é a das catacumbas.

Yoga é exatamente a integração da dualidade na unidade. Somos tudo isso, somos luz e sombra, bem e mal, força e fraqueza. O importante é buscar o equilíbrio, diante de cada escolha e, na dúvida, perguntar-se: o que faria o Mestre? Porque, se ficarmos neutros em situações de injustiça, mentira e opressão estaremos concordando com tal situação, frase que escancara uma verdade absoluta e inegável, dita "n" vezes pelo arcebispo Desmond Tutu da África do Sul. 

Assim, é preciso repensar qual a nossa intenção por trás da prática de qualquer religião ou do yoga. Aliás, não se trata de  religião ou de fuga da realidade. Trata-se de religiosidade vivida, de espiritualidade. Trata-se de aplicar o conhecimento para buscar consciência, sabedoria, discernimento e coragem no nosso interior, para saber como lidar com as situações do dia a dia, opondo-se aos privilégios, preconceitos, injustiças, violência e exclusão, buscando o bem de todos, tendo por base os conceitos éticos já citados. Isso é vida plena, é yoga, é ser inteiro e coerente com o caminho escolhido. Aliás, durante toda sua vida e ação política, Gandhi afirmava que não compreende espiritualidade aquele que separa espiritualidade de política.

Concluindo, é essencial aliar teoria à prática. Não tem sentido fazer posturas acrobáticas, viver no templo, na casa religiosa ou recitar trechos de livros sagrados se não nos transformarmos. É crucial perceber nosso papel no mundo, sobretudo quando seguimos uma filosofia ou uma religião que prega amor, compaixão e solidariedade. Se todos agissem de acordo com tais ensinamentos, o mundo seria outro, porque todas pregam o bem e a fraternidade. Só agindo dessa forma e colocando-nos no lugar do outro, no dia a dia, é que iremos nos nutrir e nos curar, como humanidade. Logo, ações e atitudes conscientes e de cidadania visando ao bem comum são o fruto de uma compreensão profunda e integrada de yoga, porque têm a ver com altos ideais de justiça, respeito e fraternidade. Ao que se saiba, Francisco de Assis nunca praticou yoga como nós, mas levou, de forma profunda, uma vida de não violência, entrega, contentamento, pureza e desapego. Afinal, como diz uma certa Dolores, devemos ser como rapadura: doces, mas firmes. 

Referências: 

https://www.yogajournal.com/lifestyle/do-politics-belong-in-yoga

10 comentários:

  1. Estamos precisando mesmo da doçura e firmeza da rapadura!

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  2. Reflexões importantes e corajosas, necessarias nestes tempos-templos de superficialidade religiosa. Afastei-me deste significado de transcendência da vida, mas encontrei neste texto a esperança do reencanto. Anne

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    1. Que lindo, Ane. Muito obtigada. a gente não pode deixar que a superficialidade religiosa impeça nossa religiosidade real. um beijo

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    2. Gratidão Anita! Aprendi muito hoje!

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    3. Emanuela, obrigada, querida, mas aprendemos com todos todos os dias. um beijo

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  3. Como é bom ler um texto deste para formamos em nos a solidariedade,amor e acreditarmos que com firmeza como a rapadura,possamos ver a doçura na vida.Bebel

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  4. Nunca gostei de misturar política e religião. Mas nunca deixei de posicionar contra o que considero injustiça. Seu texto é ótimo

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    1. Sem dúvida, mas como eu disse, tudo está relacionado com tudo: juntar lixo reciclável é um ato político, cuidar do espaço público, também, ou seja, a Política está entranhada nas nossas atitudes cotidianas. Não adianta se achar religioso e não se opor às injustiças da vida...àquilo que não contribui para o bem comum. beijos, querida. obrigada!

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  5. Adorei Anita! Sempre digo isso... que devemos nos transformar colocando em prática o que aprendemos. Não adianta conhecimentos se não criamos hábitos. A Política e o Yoga estão em tudo. Como seres políticos devemos praticar a cidadania com nossos exemplos impregnados dos preceitos do Yoga.Se não for assim...

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